Folha de S. Paulo
À beira da ruína crônica, país necessita de
acordos na campanha de 2022
Sergio Moro (Podemos) nomeou
um conselheiro econômico. Assim lançou sua campanha entre as elites do
poder. Também quis dar um sinal de que é mais do que mero capitão do
lavajatismo ou justiceiro. Lula da Silva (PT) em
breve terá de fazer lance assemelhado, não apenas para montar sua campanha.
Aliás, o lance de Moro vale pouco.
Nomear um economista-mor quer dizer quase nada. Não que Affonso Celso Pastore, o escolhido de Moro, seja nada. É um economista reputado, goste-se ou não do que pensa. Por falar nisso, moristas e possíveis companheiros de viagem de Moro vão arrancar os cabelos quando Pastore começar a falar. O economista não tem papas na língua, olha o osso dos problemas e, se precisar, vai sugerir tratamentos que incluem amputações e remédios pesados. No debate vulgar, é o que se chama de ortodoxo duro e puro.
Um plano econômico ou outro plano qualquer
de governo precisa ser coerente, fazer sentido técnico. Mas precisa também de
fundamentos e acordos sociais e políticos. Não pode convulsionar o país no
caminho da sua execução, por exemplo.
Moro não tem nada disso. Por ora, é um
slogan com adeptos em parte da elite econômica que infla o balão dele, entre
militares, entre direitas órfãs de Jair
Bolsonaro e entre um número de eleitores já quase bastante para furar
o pneu de outros calhambeques que andam pela "terceira via". É tudo.
Ninguém sabe o que Lula faria, se eleito.
Não se sabe nem o que dirá na campanha. A pergunta aqui não é o que diria para
"tranquilizar o mercado", uma bobice assim, embora vá precisar dessa
armadura, pois tende a ser triturado em várias frentes, na econômica também. A
depender do nível da campanha, qualquer eleito vai pegar um país tão mais
arruinado que será ainda mais difícil de reformar. Mas o problema é maior.
O ano de 2023 não será 2003, primeiro de
Lula 1. Deve ser o décimo
ano de economia empobrecida. Sem um plano de choque logo de início, o
próximo presidente pode perder seu governo inteiro.
As finanças do governo estão em situação
pior. Não será fácil fazer o ajuste "Carta aos Brasileiros". A
receita federal em torno do ano de 2003 era de 17,9% do PIB, a mesma do triênio
recente menos anormal (2017-2019). Mas a despesa é maior, 3,9% do PIB maior, na
maior parte (75%) devido a gastos como Previdência e outros benefícios sociais
obrigatórios. O superávit fiscal era de 2,3% do PIB; agora, há déficit 1,6% do
PIB. O gasto com juros da dívida é maior. Investimento público e o gasto em
ciência viram pó.
Uma arrumação disso dependerá de corte de
certas despesas, aumento de outros, de remanejamento grande. De mais impostos.
De regra realista de controle de gastos e dívida. Parece lenga-lenga. É quase
uma revolução. Hoje, parece quase inviável.
Além disso, a coisa não vai andar sem
mudanças que criem uma economia de mercado funcional (em especial nos tributos
e abertura comercial). De mudanças que diminuam a iniquidade na tributação e na
despesa social. Um programa esperto de incentivos ao desenvolvimento é
necessário, mas no momento parece quase um luxo, dados a penúria e o tamanho da
ruína de instituições e governança.
Essa imensa mudança depende de preparação e
acordos ao menos tácitos, que devem ser costurados na campanha. Não é assunto
apenas de propaganda.
Estamos à beira de um processo de
"brasilianização", fratura política e ruína socioeconômica crônicas,
nossa versão do que se vê em maior ou menor grau na "venezuelização"
e na "argentinização" —o "risco Venezuela", aliás, cresceu
com o bolsonarismo. As elites do poder não estão nem aí, ora dedicadas a montar
esquemas eleitoreiros. Assim, vai dar besteira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário