sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Vinicius Torres Freire - Os economistas de Lula, Moro ou 'x'

Folha de S. Paulo

À beira da ruína crônica, país necessita de acordos na campanha de 2022

Sergio Moro (Podemos) nomeou um conselheiro econômico. Assim lançou sua campanha entre as elites do poder. Também quis dar um sinal de que é mais do que mero capitão do lavajatismo ou justiceiro. Lula da Silva (PT) em breve terá de fazer lance assemelhado, não apenas para montar sua campanha. Aliás, o lance de Moro vale pouco.

Nomear um economista-mor quer dizer quase nada. Não que Affonso Celso Pastore, o escolhido de Moro, seja nada. É um economista reputado, goste-se ou não do que pensa. Por falar nisso, moristas e possíveis companheiros de viagem de Moro vão arrancar os cabelos quando Pastore começar a falar. O economista não tem papas na língua, olha o osso dos problemas e, se precisar, vai sugerir tratamentos que incluem amputações e remédios pesados. No debate vulgar, é o que se chama de ortodoxo duro e puro.

Um plano econômico ou outro plano qualquer de governo precisa ser coerente, fazer sentido técnico. Mas precisa também de fundamentos e acordos sociais e políticos. Não pode convulsionar o país no caminho da sua execução, por exemplo.

Moro não tem nada disso. Por ora, é um slogan com adeptos em parte da elite econômica que infla o balão dele, entre militares, entre direitas órfãs de Jair Bolsonaro e entre um número de eleitores já quase bastante para furar o pneu de outros calhambeques que andam pela "terceira via". É tudo.

Ninguém sabe o que Lula faria, se eleito. Não se sabe nem o que dirá na campanha. A pergunta aqui não é o que diria para "tranquilizar o mercado", uma bobice assim, embora vá precisar dessa armadura, pois tende a ser triturado em várias frentes, na econômica também. A depender do nível da campanha, qualquer eleito vai pegar um país tão mais arruinado que será ainda mais difícil de reformar. Mas o problema é maior.

O ano de 2023 não será 2003, primeiro de Lula 1. Deve ser o décimo ano de economia empobrecida. Sem um plano de choque logo de início, o próximo presidente pode perder seu governo inteiro.

As finanças do governo estão em situação pior. Não será fácil fazer o ajuste "Carta aos Brasileiros". A receita federal em torno do ano de 2003 era de 17,9% do PIB, a mesma do triênio recente menos anormal (2017-2019). Mas a despesa é maior, 3,9% do PIB maior, na maior parte (75%) devido a gastos como Previdência e outros benefícios sociais obrigatórios. O superávit fiscal era de 2,3% do PIB; agora, há déficit 1,6% do PIB. O gasto com juros da dívida é maior. Investimento público e o gasto em ciência viram pó.

Uma arrumação disso dependerá de corte de certas despesas, aumento de outros, de remanejamento grande. De mais impostos. De regra realista de controle de gastos e dívida. Parece lenga-lenga. É quase uma revolução. Hoje, parece quase inviável.

Além disso, a coisa não vai andar sem mudanças que criem uma economia de mercado funcional (em especial nos tributos e abertura comercial). De mudanças que diminuam a iniquidade na tributação e na despesa social. Um programa esperto de incentivos ao desenvolvimento é necessário, mas no momento parece quase um luxo, dados a penúria e o tamanho da ruína de instituições e governança.

Essa imensa mudança depende de preparação e acordos ao menos tácitos, que devem ser costurados na campanha. Não é assunto apenas de propaganda.

Estamos à beira de um processo de "brasilianização", fratura política e ruína socioeconômica crônicas, nossa versão do que se vê em maior ou menor grau na "venezuelização" e na "argentinização" —o "risco Venezuela", aliás, cresceu com o bolsonarismo. As elites do poder não estão nem aí, ora dedicadas a montar esquemas eleitoreiros. Assim, vai dar besteira.

 

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