Folha de S. Paulo
Dois exemplos do perverso empenho do
presidente em desmanchar tudo o que estava em ordem
O governo Bolsonaro mais parece uma empresa
de demolição, que ou detona de um só golpe políticas estabelecidas, ou provoca
a sua lenta erosão. O resultado é a degradação da gestão pública, dos
conhecimentos e instrumentos nela acumulados em décadas.
Eis dois exemplos recentes do perverso
empenho do presidente e de seu pessoal em desmanchar tudo o que estava em ordem
quando puseram os pés em Brasília.
O programa Bolsa Família —elogiado no exterior— foi abatido pela medida provisória que criou o Auxílio Brasil, mal concebido, carente de foco, bem assim da clareza quanto à duração e às formas de articular um desconjuntado rol de nove benefícios acoplados ao arrimo básico das famílias. Tampouco se sabe ao certo como será financiado de forma duradoura. Em suma, extinguiu-se um programa com começo, meios e fins para pôr no lugar uma geringonça gestada por autoridades que desdenham o que nem sequer conhecem: a rica bagagem do país em matéria de iniciativas de combate à pobreza.
Como se fosse pouco, 33
técnicos acabam de se demitir de seus cargos no Inep (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pelas diversas
provas de aptidão realizadas no território, a começar do Enem (Exame Nacional
do Ensino Médio). Ao sair, acusaram a direção do órgão de sangrá-lo. É de
lembrar que a montagem, no Ministério da Educação, de um complexo sistema para
avaliar os vários níveis de proficiência é outro aspecto da bem-sucedida
política pública erguida aos poucos, graças à experiência acumulada nos
governos do PSDB e do PT. Neste caso, o desmanche foi gradual, fruto amargo da
liquidação de competências; do desprezo por critérios técnicos; e da
perseguição a funcionários que os defendiam.
Nos dois casos, a destruição resulta da
arrogante ignorância dos formuladores; da incompetência irremediável dos
detentores de posições de mando; e da inescrupulosa promoção de interesses da
curriola que cerca os ministros às ordens de um presidente que gosta do cargo
mas não da responsabilidade de ter um projeto para o país.
No livro "As
Políticas da Política", os pesquisadores Marta Arretche, Eduardo
Marques e Carlos Aurélio Pimenta de Faria sustentam que os avanços importantes
na proteção social sempre foram cumulativos. Os autores descrevem um processo
em que camadas de legislação e de programas foram se sobrepondo umas às outras,
graças tanto ao aprendizado quanto à emulação entre tucanos e petistas, que
inovaram sem destruir o que se fizera antes.
O oposto, enfim, da ruína que Bolsonaro
promove.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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