O Estado de S. Paulo
O teto de gastos deve ser substituído por uma regra fiscal que tenha como objetivo sinalizar a trajetória da dívida pública
Quem vencer as eleições presidenciais de
2022 no Brasil terá de enfrentar o grande desafio de promover a recuperação
econômica do País num contexto de responsabilidade fiscal. Como é óbvio, isso
só será viável se o governo federal adotar uma estratégia de ação pragmática e
minimamente compatível com a que vem sendo praticada nos países economicamente
bem-sucedidos.
Governos no mundo inteiro estão aumentando os gastos públicos para lidar com os efeitos adversos causados pela pandemia num contexto de crise econômica, política e social. No Brasil, ademais, as cicatrizes provocadas pela pandemia da covid-19 serão mais extensas em decorrência do elevado desemprego, do aumento da desigualdade social e da pobreza e dos riscos associados à sustentabilidade da dívida pública.
O cenário torna-se ainda mais desafiador
com o aumento da inflação global, que reflete a escassez de oferta de produtos
e serviços provocada pela pandemia. Resultado: a evolução dos preços das
commodities chega a assustar, com o aumento da cotação média do petróleo de US$
56,3, em 2020, para US$ 65,7, em 2021. E, o que é pior, o preço dos alimentos
disparou para o nível mais alto desde 2014.
O novo governo terá de fazer planejamento
orçamentário para valer, como condição para enfrentar as sequelas da pandemia –
já presentes – envolvendo programas nas áreas da saúde, da educação e das redes
de segurança social. Devese ter claro, também, que o espaço fiscal para
financiar políticas públicas se reduz quando o Banco Central aumenta a taxa de
juros para conter as expectativas inflacionárias. Nesse contexto, a
responsabilidade fiscal torna-se um fator-chave para viabilizar uma agenda de
políticas públicas mais abrangentes.
Sem uma âncora fiscal adequada, as
propostas viram promessas vazias, os riscos fiscais são maiores e os juros se
tornam mais elevados, na medida em que o descontrole das contas públicas se
torna mais evidente para os agentes econômicos.
Pode-se argumentar que a adoção do teto de
gastos visava precisamente a conter o descontrole herdado do governo Dilma
Rousseff, servindo como âncora fiscal da política econômica. Mas não foi bem
assim, em face das diversas mudanças desde sua criação.
No contexto atual, a chamada PEC dos
Precatórios, na verdade, representa o fim do teto como mecanismo de controle
dos gastos públicos. Seu objetivo declarado passou a ser uma ampliação do
espaço fiscal para gastos correntes permanentes, mediante a geração de dívidas
com títulos precatórios que passariam a ser removidas das estatísticas. Com
isso, o teto passará a promover descontroles fiscais, em vez de contê-los.
A evolução da dívida pública é o principal
indicador de solvência de um país e é indispensável que as expectativas do
mercado em relação às contas fiscais estejam ancoradas em regras que permitam
seu monitoramento. Mas mecanismos de controle da despesa, como o teto de
gastos, devem ser considerados instrumentos de operacionalização da gestão fiscal.
Neste caso, a âncora da responsabilidade fiscal deve estar associada
diretamente ao endividamento público, que pode ser influenciado não somente
pela despesa, mas também pela receita. Num país com sistema tributário injusto,
como o Brasil, essa abordagem faz toda a diferença.
Alega-se que o teto de gastos viabilizaria
reformas tributárias e administrativas destinadas a promover justiça tributária
e conter supersalários em órgãos fora da esfera do Executivo. No entanto,
medidas para promover progressividade no regime tributário e eliminar
privilégios no setor público não abrem espaço fiscal no teto de gastos para uma
agenda social minimamente adequada.
Cada Poder da República tem o seu próprio
teto, portanto, economias em órgãos fora do Executivo, nos quais se concentram
os privilégios mais caros do Estado, não geram recursos no orçamento do Poder
Executivo. Além disso, a cobrança de impostos dos setores mais ricos também não
gera espaço fiscal no teto. Se a âncora fiscal fosse uma regra de controle do
endividamento público, essas reformas – tributárias e administrativas –
passariam a ter impacto relevante sobre o financiamento do gasto social.
Na Europa, a Comunidade Europeia iniciou,
recentemente, a discussão sobre quais serão os novos instrumentos de controle
dos orçamentos. E o Reino Unido deu um passo importante ao divulgar seu novo
arranjo institucional na área fiscal: a responsabilidade do novo pacote de
aumento de gastos será garantida por uma regra de controle do endividamento.
O Congresso Nacional precisa levar em
consideração essas mudanças que estão acontecendo no mundo na área fiscal. Será
preciso discutir um novo modelo de governança para a gestão dos recursos
públicos de modo a viabilizar propostas econômicas que sejam capazes de gerar
desenvolvimento com maior inclusão social.
Nesta agenda, é preciso que sejamos mais
pragmáticos e menos ideológicos, deixando narrativas pouco férteis de lado. No
papel de âncora fiscal, o teto de gastos deve ser substituído por uma regra
fiscal que tenha como objetivo sinalizar a trajetória da dívida pública.
*Senador (PSDB-SP)
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