quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Vinicius Torres Freire - Inflação sem data para terminar

Folha de S. Paulo

Carestia também eleva Orçamento de 2022 e pode dar mais dinheiro para o centrão

A inflação deve ficar perto do ritmo de 10% ao ano até abril de 2022, a julgar pelas atualizações das estimativas. Nesta quarta-feira, soube-se que o IPCA chegou a 10,67% ao ano. É o segundo pior surto inflacionário deste século, menor apenas que o de 2002-03. É também a segunda pior carestia da comida.

Esta inflação ainda vai causar mais fome. Com desemprego tão alto, muito salário do setor privado formal será comido, pois não haverá reajustes. Haverá outros efeitos.

A inflação vai arrochar o salário dos servidores públicos, ora congelado ou quase isso. O gasto com funcionalismo federal civil na ativa está caindo ao ritmo de 5% ao ano; com os militares, está estável. Bidu.

Essa baita inflação pode dar mais dinheiro para emendas parlamentares, pois Jair BolsonaroPaulo Guedes e seus regentes do centrão estão mexendo na regra de reajuste ("correção monetária") do teto de gastos. Com inflação ainda maior do que a prevista, "sobra" mais dinheiro para emendas no Orçamento (até agora, estava na prática faltando, mesmo com o calote os precatórios e gambiarra do teto).

As estimativas de inflação estão ainda mais furadas. Em momentos do início deste 2021, previa-se que o IPCA chegaria a 6% ou 7% em meados do ano, baixando a seguir (este jornalista também acreditou nisso). O erro é tão grande que a gente poderia imaginar que, agora, o engano pudesse mudar de sinal, que a inflação pudesse cair. Difícil.

Parte grande desta inflação é importada, é um choque mundial. É falta de produto, de peças, de matéria prima, por causa das desordens que a epidemia causou na produção. É transporte internacional de mercadorias mais caro. É um choque de preços de energia, por falta de gás e petróleo.

Em alguns países ricos, como nos Estados Unidos, a inflação é resultado também de uma recuperação econômica rápida casada com a volta do consumo reprimido na epidemia e com a escassez de trabalhadores (o desemprego é baixo, muita gente ainda não voltou ou não voltará para o mercado). O IPCA americano aumenta em um ritmo anual de 6,2%, o maior em mais de 30 anos.

Boa parte da inflação brasileira foi causada pela grande e persistente desvalorização do real, que tem dois motivos domésticos maiores: 1) aumento ainda maior da dívida pública na epidemia; 2) desgoverno geral de Jair Bolsonaro, agora com a cumplicidade total do Congresso dominado de vez pelo centrão.

Uma baixa mais rápida da inflação dependeria da valorização do real (da baixa do "preço do dólar"). A hipótese não está à vista. Na verdade, o real pode cair ainda mais, a depender do salseiro da campanha eleitoral e da ruína promovida por Bolsonaro-Guedes.

A inflação poderia ser menor se houvesse queda considerável do preço de commodities (petróleo, ferro, grãos). Talvez o caso seja de estabilidade —ao menos, a inflação pararia de aumentar por esse motivo.

O preço da eletricidade vai ficar alto até abril, maio, se tudo der certo (se chover etc.). Outra vez, se pelo menos não houver aumentos extras, a taxa de inflação então pararia de aumentar, por esse motivo.

A inflação será tanto menor quanto maiores as taxas de juros, que na praça do mercado já são altas o bastante para triturar o investimento produtivo em 2022. Em uma economia com desemprego alto, desgovernada e com dívida pública crescente e inflação alta, essa paulada monetária, essa alta dos juros, terá de ser grande. Logo, "só vai ser bom se for ruim": inflação menor dependerá de mais arrocho e talvez recessão.

Se a crise mundial de abastecimento diminuir, se o preço das commodities parar de subir, se chover no Brasil e houver eletricidade e safras boas, é possível que a inflação baixe da casa de perto de 10% ao ano a partir de abril. Ainda assim, a previsão de gente mais reputada é que fique perto de 5% ainda no final de 2022 (isto é, no teto da meta de inflação). Isso com crescimento econômico quase zero. É um desastre.

 

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