quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Merval Pereira - Boa largada

O Globo

Desmentindo grande parte dos políticos, e mesmo eleitores, que não viam nele condições de se sair bem numa disputa à Presidência da República, o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro teve uma boa largada no primeiro discurso público como pré-candidato, na assinatura de sua filiação ao Podemos. A manhã já fora de boas notícias para ele, com a pesquisa Quaest/Genial o colocando como terceira opção dos eleitores no momento, à frente numericamente de Ciro Gomes, mas empatado tecnicamente.

Ciro está em sua quarta eleição presidencial e acaba de dar uma demonstração de força dentro do PDT, levando o partido a reverter os votos na PEC dos Precatórios, votando majoritariamente contra. O fato de Luiz Henrique Mandetta ter sido o único dos pré-candidatos da terceira via a ter ido à solenidade demonstra não apenas que eles reconhecem pelo menos o potencial que Moro representa, mas também como será difícil haver uma união entre eles para uma candidatura única contra Lula e Bolsonaro.

A de Moro tem a possibilidade, como demonstrou em seu discurso, de abocanhar pedaço importante do eleitorado de Bolsonaro, como também de impedir que esses eleitores decepcionados com o presidente, especialmente a classe média brasileira, se voltem para o voto nulo ou até mesmo para Lula.



O próprio PT está trabalhando para isso, pois assusta essa mesma classe média quando dá ares democráticos à “eleição” do ditador da Nicarágua Daniel Ortega ou quando Lula afirmou, meses atrás, que o Partido Comunista da China deveria ser exemplo para outros países. Confirmando, assim, o que disse sobre a Venezuela de Maduro, que teria “democracia em excesso”.

Moro foi inteligente para não deixar que os adversários explorassem sua voz característica, assim como Doria já desmontou a ironia bolsonarista de suas calças apertadas. Disse Moro: “O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam a voz do povo brasileiro”. Mas ficou evidente que ele andou tomando aulas de dicção.

A defesa do combate à corrupção e, sobretudo, da Operação Lava-Jato era parte necessária do discurso, embora Moro tenha acertado ao não restringi-lo ao tema. Mas, no momento em que os procuradores de Curitiba estão sendo perseguidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre diárias e passagens já aprovadas tecnicamente pelos próprios órgãos fiscalizadores do mesmo TCU, era preciso defender sua atuação, pois esse é obviamente o flanco exposto depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) o considerou suspeito nos processos contra o ex-presidente Lula.

“Eu sempre fui considerado um juiz firme e fiz justiça na forma da lei”, afirmou. E passou a relatar os sucessos da operação, que recuperou cerca de R$ 14 bilhões roubados do dinheiro público. Nesse ponto, Moro revelou que foi aconselhado a não falar sobre corrupção, que já não seria o tema principal da agenda brasileira, mas falou: “Precisamos falar sobre corrupção. (…) As estruturas do poder foram capturadas. A busca do interesse público foi substituída pela busca egoísta dos interesses próprios e dos interesses pessoais e partidários.”

Outro flanco que terá de defender durante a campanha, Moro já começou a abordar no discurso de ontem: o fato de ter aceitado ser ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro. Disse ter sido “boicotado” pelo presidente e que “continuar como ministro seria apenas uma farsa. Nenhum cargo vale a sua alma”. A seu favor, o fato de ter pedido demissão, abrindo mão de uma possível indicação para o Supremo caso seguisse sem reagir às orientações de Bolsonaro.

O pré-candidato do Podemos não deixou de lado os problemas atuais prementes, como desigualdade e pobreza, anunciando que criará uma “força-tarefa de erradicação da pobreza”, além de uma “Corte nacional anticorrupção”, provavelmente retirando do STF os processos criminais. Abordou questões como meio ambiente, prometendo retomar a liderança no combate à poluição ambiental e ao desmatamento da Amazônia. Aos órfãos da política liberal de Paulo Guedes, defendeu a abertura da economia e o livre mercado, mas “com solidariedade e compaixão”.

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