O Estado de S. Paulo
Hoje, é difícil de avaliar a probabilidade de um partido isolado, ou de uma fusão ou confederação de partidos, chegar ao segundo turno
O sentido de terceira via corrente é o de
um candidato oposto à escolha entre opções mutuamente excludentes. Ou seja:
nossos eleitores podem votar livremente, desde que em Lula ou Bolsonaro.
Trata-se de um equívoco, pois terceira via não quer dizer candidato único, e sim
um movimento social que está hoje nos olhos, ouvidos e bocas de nosso dia a
dia.
Movimento social, que pode atrair muitos e
ser repelido por outros, a terceira via já está viva entre nós, é ativa e mora
nos corações e mentes das camadas mais influentes do País. Seria viável extrair
deste movimento cívico candidaturas eleitoralmente competitivas? A resposta é
sim.
A campanha eleitoral de 2018 revelou-se uma
disputa entre minorias extremas, num cenário de maioria fragmentada. Isso
disseminou a convicção de que não haveria alternativa a uma escolha limitada a
Lula ou Bolsonaro.
Esta percepção fatalista foi efeito de uma política, em parte deliberada, de apresentar os dois candidatos que dela se beneficiaram como os únicos capazes de chegar ao segundo turno. Pude observar nos últimos meses de 2017 que os dois maiores jornais do País apresentavam, com frequência desusada, pequenas notas na primeira página, sempre alertando para os perigos que Bolsonaro representava, mas sempre tendo-o como referência e apontando-o como a encarnação do inimigo a derrotar. Lula, por sua vez – ou seu avatar Haddad –, era apontado como o único capaz de vencer nas urnas o inimigo mortal.
Ambos adotaram a tática de apresentar-se
mutuamente como as únicas opções viáveis, credenciando-se como candidatos
inevitavelmente “únicos”. Essa tática foi bem-sucedida, pois a opinião pública
moderada, assustada com a sombra de um desfecho inevitavelmente indesejável,
acabou decidindo-se pelo que lhe parecia o mal menor.
Os partidos cometeram o erro fatal de
apostar exclusivamente num terceiro candidato “único”, isto é, capaz de atrair
a maioria do eleitorado cuja adesão a um dos extremos era exclusivamente por
rejeição, e não por escolha. Não conversaram entre si sobre coalizões de ideias
e interesses – como a defesa da liberdade democrática, a contenção do
radicalismo, o combate sem trégua à pobreza e a integridade e eficiência da
gestão pública. Voltaram as costas uns para os outros, o que, como seria fatal,
fragmentou a representação dos moderados e os levou a uma guerra de todos
contra todos.
Não se cogitou de um movimento de terceira
via, embora ocorressem, entre os eleitores mais politizados, ensaios de
apostarem ora num, ora noutro candidato moderado, o que não se refletiu em
alterações relevantes nas pesquisas eleitorais. Nem seria de esperar, já que
era um candidato único o que se buscava, e não candidatos competitivos.
A derrota da maioria moderada do eleitorado
serviu de lição para a classe política: um número significativo de partidos
tem-se reunido, embora alguns mais para tirar proveito do clima de
independência. Tampouco se tem conhecimento de uma pauta de temas programáticos
ou de agendas de negociação.
O grupo de pré-candidatos que se incluem no
movimento de terceira via tem-se reunido. Alguns são de uma nova geração de
políticos, embora experientes, com grande potencial para atrair o eleitorado
mais jovem. Outros estão ali para atuar como dublês dos dois atuais
beneficiários das pesquisas eleitorais.
Tudo isso não basta. A ocorrência de um
movimento de terceira via é uma condição necessária, mas não suficiente para
transformar-se em movimento político, que exige a presença de uma liderança
reconhecida como tal.
Já para um movimento político ter sucesso
nas urnas, é preciso, ademais, que surjam candidatos eleitoralmente
competitivos. É difícil de avaliar, hoje, a probabilidade de um partido
isolado, ou de uma fusão ou confederação de partidos, chegar ao segundo turno,
considerando a fragmentação do sistema partidário e o espaço supostamente já
ocupado no primeiro turno pela dupla na dianteira.
Deve-se levar em conta que, em todos os
períodos de estabilidade, a partir do pós-guerra, nosso país foi governado por
uma aliança entre partidos, com uma agenda minimamente compartilhada: PSD e PTB
com Getúlio (1950), depois com Juscelino (1954) e, finalmente, com Jango (até
1964). Os dois partidos criados pela ditadura também consistiam em alianças,
uma governista e outra de oposição. Mais recentemente, de FHC (1994) até o fim
do segundo mandato de Dilma (2016), tivemos novamente alianças estáveis entre
dois partidos, com adesão adicional de “aliados”.
Isso sugere que, sem uma aliança
identificada com a terceira via, sem uma agenda de defesa da ordem democrática,
de gestão pública íntegra e eficiente, de combate imediato às sequelas da
pandemia, e sem o compromisso com o povo brasileiro de pôr comida no prato e
dinheiro no bolso para que todos possam ter uma vida digna e garantia de
proteção na velhice e na doença, nenhum candidato acenderá a luz da esperança
neste país que amamos.
*Professor titular da USP
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