Valor Econômico
Ministra que liderou o placar de 8x2 contra
as emendas de relator será também a juíza da transição para o próximo governo.
E a boa notícia é que se trata de uma juíza à moda antiga
Depois de fazer picadinho do regimento da
Câmara dos Deputados e das normas que guiam a votação e execução do Orçamento
ao longo de quase dois anos, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), levou
seu primeiro cartão amarelo. Rosa Weber, a juíza que liderou a reprimenda,
passou cinco meses sendo monitorada de perto. Resistiu à tentativa de
proponentes da ação de voltar atrás, mandou seus assessores vasculharem o
assunto, e já tinha seu voto pronto havia algumas semanas sem conseguir aval
para pauta. Até que surpreendeu a todos não apenas com a liberação do voto como
pelo placar de 8x2, vencidos o decano, Gilmar Mendes, e Kassio Nunes.
Rosa Weber dobrou trincas inabaláveis do garantismo como aquela formada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e o decano. Foi ainda respaldada em seu voto pelo altivo relator do inquérito das notícias falsas, o ministro Alexandre de Moraes. Levou o presidente da Corte, Luiz Fux, a receber uma comitiva de interessados num dia e votar contra esta mesma comitiva no outro dia. E ainda fez com que Gilmar Mendes soltasse seu voto com o placar já perdido. Como os imbróglios desta execução orçamentária estão longe do fim, o ministro manteve as expectativas de quem pretende tê-lo como mediador. Não terá, porém, adesão imediata de velhos aliados no plenário.
A solução para as emendas de relator se
arrastava porque imersa num ambicioso pacote da transição, negociado entre
parlamentares e ministros, e com o qual se pretende, tudo junto e misturado,
controlar o Ministério Público e a vaga do STF, além de derrubar vetos
presidenciais, como o do fundo eleitoral. Se for um pato tetrapléglico que
estiver no poder no segundo semestre do próximo ano este pacote vai até onde a
imaginação alcança na ocupação de espaços.
O placar de rejeição das emendas de
relator, porém, revelou que a costura deste pacote de transição entre Congresso
e Supremo tem limites. Estejam eles expressos na ambição de partidos, como o
PT, de voltar ao poder para comandar, de fato, o governo, ou na de magistrados
que têm sua própria pauta e não querem emprestar seus votos a arranjos que lhe
são alheios.
E isso acontece justamente num momento em
que um ex-assessor da ministra Rosa Weber, o ex-juiz Sergio Moro se filia a um
partido, com pretensões nada veladas de vir a disputar a Presidência. No ato de
filiação de ontem, Moro mostrou que pretende cativar o bolsonarismo
recalcitrante com um discurso contra quem “quer levar vantagem em tudo”. É
raso, mas é a terceira via que, até aqui, mais apoio tem. E o Supremo só será
capaz de mostrar que aprendeu as lições da Lava-Jato se mantiver distância do
ativismo político-judicial de todas as cores. Se agora os justiceiros se lançam
na política eleitoral é porque descobriram tardiamente sua vocação, não sem
antes fazer um estrago no estado de direito. Também podem estar em busca de um
abrigo no foro privilegiado, mas se Congresso e Supremo tivessem atuado para
fechar as brechas do foro, não teriam este incentivo.
O protagonismo de Rosa Weber nesta
conjuntura é causa e efeito. Explica-se por sua independência e tem como
consequência um realinhamento de forças com vistas à atuação da Corte a partir
de setembro de 2022. Na condição de presidente do Supremo, Rosa Weber comandará
a pauta durante a reta final da campanha eleitoral até outubro de 2023, quando
atinge a idade limite. É o período em que o país pode se planejar para sair do
buraco em que o bolsonarismo o meteu - ou de terminar de afundar nele.
Nesse período, a Presidência do Supremo terá
uma juíza à moda antiga. Ao longo dos dez anos de mandato, pouco se sabe sobre
a vida de Rosa Weber além daquilo que ela falou nas mais de seis horas de sua
sabatina. Órfã de pai, um pneumologista morto ela era criança, foi criada pela
mãe numa família de pecuaristas dos pampas gaúchos e fez carreira na justiça do
trabalho.
Separada há mais de três décadas, só adotou
seus dois últimos sobrenomes (Candiota da Rosa) porque a lei assim o exigia. É
fã do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (“A liberdade é azul”, “A igualdade
é branca” e “A fraternidade é vermelha), e da poetisa francesa Delphine Gay,
cultuada na justiça trabalhista pelos poemas inspirados nas condições do
operariado do século XIX.
Reclusa, não dá entrevistas e, à exceção de
encontros na casa de poucos ministros como Luis Roberto Barroso, não frequenta
os convescotes do poder. Em 45 anos de magistratura seus “telhados de vidro”
resumem-se a um acordo trabalhista com a cuidadora de sua mãe e a filiação de
um de seus dois filhos ao Psol de Porto Alegre.
Não se registram advogados que se
vangloriem com um “estive com a ministra Rosa”. É arredia ao ponto de um
ex-ministro do STF, seu amigo, ter sido submetido ao constrangimento de vê-la
desviar-se de sua rota ao se dirigir para cumprimentá-la no aeroporto de
Brasília. Nunca soube se por estar na companhia de um advogado ou por ter, ele
também, se tornado um deles. Um outro advogado tentou abordá-la na garagem do
STF mas foi dissuadido pelos seguranças, acionados por um simples olhar da
ministra.
Trabalha ouvindo chorinho e conversa pouco
até com os juízes que a assessoram. No Supremo, seu voto mais controvertido se
deu em 2018 quando do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar de se dizer convencida da tese de que a prisão em segunda instância fere
a presunção de inocência votou em nome da colegialidade. E foi criticada porque
se há um momento em que o ponto de vista do ministro deve prevalecer, sob pena
de ficar a reboque, é na colegialidade.
À personalidade arredia, some-se o trauma
da sabatina, quando meia dúzia de senadores se revezaram para explorar a pouca
intimidade da então ministra do Superior Tribunal do Trabalho com o direito
penal e criminal. O ex-senador goiano Demóstenes Torres listou três dezenas de
artigos do código penal em sua inquirição. Seria cassado no ano seguinte e hoje
advoga para a viúva do miliciano Adriano da Nóbrega.
Numa das respostas ao questionamento de sua
independência frente à nomeação pela ex-presidente Dilma Rousseff, tirou da
algibeira o juiz uruguaio Eduardo Couture (“da dignidade do juiz depende a
dignidade do direito”) e com o mesmo sorriso tímido que marcaria sua década no
Supremo, disse ao inquiridor: “Na minha vida, nada fiz e não participei de
qualquer acontecimento ou evento que pudesse me inibir de participar de
qualquer julgamento”.
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