O Globo
Até parece que o pessoal combinou. Na mesma
semana em que Jair Bolsonaro anunciou sua filiação ao PL e Lula passou a
cortejar o (ainda) tucano Geraldo Alckmin para ser seu vice em 2022, o ex-juiz
Sérgio Moro se filiou ao Podemos e se apresentou para jogo.
Sem dizer que é candidato a presidente, mas
dizendo, Moro fez um discurso concentrado no combate à corrupção, mostrando que
vai apostar no tema para atacar tanto Lula quanto Bolsonaro. "Chega de
corrupção, mensalão, petrolão, rachadinha e orçamento secreto", encaixou o
ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Bolsonaro em um discurso repleto de citações
indiretas ao presidente e ao petista.
A reação nos bastidores à esquerda e à
direita foi de comemoração discreta. Lulistas e bolsonaristas estão certos de
que os eleitores fiéis de seus candidatos não os trocariam pelo ex-juiz em
circunstâncias normais de temperatura e pressão. Moro, dizem, não tem força
para ganhar nem de Lula e nem de Bolsonaro. Mas os 8% a 10% das preferências de
voto que ele tem hoje são capazes de travar o crescimento de qualquer outro
candidato de terceira via realmente competitivo.
Nos levantamentos divulgados nos últimos meses, Moro já aparece empatado ou na frente de Ciro Gomes, por exemplo, deixando para trás João Doria, Eduardo Leite ou Luiz Henrique Mandetta. Com esses índices de intenção de voto, o ex-juiz não poderia se dar ao luxo de abrir mão da candidatura, embora seja muito difícil vencer os índices de rejeição entre 50% e 60%, a depender da sondagem.
A julgar pelas constatações das centenas de
pesquisas qualitativas que os partidos estão fazendo, a tese faz sentido. É
unânime entre os pesquiseiros, marqueteiros e políticos envolvidos na formação
das chapas que a escolha do eleitor em 2022 se guiará pela economia. Corrupção
foi prioridade em 2018. Hoje, não mais. Além disso, vários desses profissionais
dizem que o candidato ideal para 2022 tem que ter experiência administrativa.
"As pessoas não vão se aventurar de
novo. Nas duas últimas vezes em que escolheram um outsider, Dilma ou Bolsonaro,
o resultado foi trágico. Agora o eleitor que procura uma alternativa a
Bolsonaro vai querer alguém que se mostre capaz de diminuir a gritaria na
política e produzir resultados concretos, gerando emprego e crescimento
econômico", diz um marqueteiro que dorme e acorda pensando na eleição
presidencial.
Moro não ignora esses fatores, tanto que
esboçou em seu discurso ideias sobre economia e gestão semelhantes às de
qualquer outro candidato da terceira via, com exceção de Ciro Gomes. Da
racionalidade dos gastos do estado à eficiência das privatizações e até a
defesa da escola integral e da meritocracia, tudo poderia estar num programa de
governo de Doria, Leite ou Mandetta.
Está claro, porém, que a aposta de Moro não
é meramente eleitoral, e serve ao objetivo de tentar resgatar sua biografia. O
ex-juiz está entrando num jogo em que tem pouco a perder, considerando que suas
decisões sobre Lula foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal.
"Não podia ficar quieto",
justificou ele sobre a entrada na política, no ato de filiação. Seu roteiro
para os próximos meses, portanto, é evidente: atrair Lula e Bolsonaro para a
discussão sobre corrupção, enquanto defende a si mesmo e à Lava Jato e trabalha
para tentar fazer decolar uma candidatura presidencial.
Se o plano vingar, Moro vai poder passar a
campanha e os debates falando em mensalão, petrolão, rachadinha e orçamento secreto
– o que não interessa nem a Lula e nem a Bolsonaro. Mas, se chegar a meados do
ano que vem em circunstâncias desfavoráveis, ele sempre poderá se candidatar ao
Senado ou se tornar vice na chapa de alguém. O movimento está previsto nos
cálculos do ex-juiz e de seus interlocutores mais próximos na terceira via –
tanto que dois deles, Luiz Henrique Mandetta e Alessandro Vieira, estavam no
evento de filiação.
O que não se pode prever ao certo é o curso
de uma campanha em que Lula ainda não disse a que veio e nem foi exposto ao
combate aberto com os outros candidatos, e Bolsonaro ainda luta para colocar de
pé um programa que lhe sirva de bandeira para a reeleição.
Ambos são francos favoritos a chegar ao
segundo turno, mas estamos num país com um histórico de eleições feito de
surpresas e reviravoltas. Mesmo sabendo que é difícil uma dessas reviravoltas
acontecer em seu favor, Moro parece satisfeito em ajudar a embaralhar o jogo.
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