O Globo
A inflação surpreendeu para pior. De novo.
Agora, os economistas admitem que a taxa vai demorar a cair e a redução será
menor do que imaginavam antes. Isso cria o seguinte cenário: o presidente Jair
Bolsonaro entrará no ano eleitoral com uma inflação de dois dígitos, o Banco
Central subindo os juros, a economia estagnada e o desemprego alto. O mau humor
dos brasileiros com os preços nesse nível é conhecido. Na última vez que chegou
a dois dígitos, a popularidade da então presidente Dilma Rousseff despencou,
alimentando o processo de impeachment.
O índice de preços de outubro foi 1,25%, acima do teto das expectativas, o que levou o acumulado de 12 meses para 10,67%, quase empatando com os 10,71% de janeiro de 2016. Bolsonaro colhe a instabilidade que plantou. Há pressões externas, sim, mas as crises institucionais e a incerteza fiscal criadas pelo governo são alguns dos motivos que levaram a inflação a ficar tão resistente e tão disseminada. A vitória que o governo canta agora, por exemplo, com a aprovação na Câmara da PEC do Calote, trouxe mais insegurança. O governo mobilizou sua base em torno de quê? Não pagar dívida judicial e fazer um truque com o teto de gastos. E agora não poderá mais usar a moeda de troca do orçamento secreto. As crises institucionais são uma constante em seu governo. Tudo isso abala a confiança, afeta o dólar, pressiona os preços. Bolsonaro é inflacionário.
Ontem, logo após a divulgação do IPCA, os
bancos e as consultorias refizeram seus cálculos. O Bank of America subiu de
9,1% para 10,1% a inflação do ano, a mesma estimativa do economista Eduardo
Velho, que prevê vários meses de inflação em dois dígitos. Mesmo os que têm
previsões abaixo de 10% estão revisando para cima. Sérgio Vale, da MB
Associados, subiu para 9,9%, Luis Otávio Leal, do banco Alfa, para 9,7%. A XP
Investimentos, que estima 9,5%, colocou o número sob viés de alta, assim como
Marcelo Fonseca, do Opportunity Total. As mudanças foram generalizadas. E há 32
semanas a pesquisa do BC com o mercado mostra uma subida das previsões de
inflação de 2021.
No começo do ano a previsão era de que
junho seria o pico da inflação e que ficaria em 7%. Depois, os economistas
passaram a prever uma taxa maior, mas declinando a partir daí até o fim do ano.
Isso geraria, na fórmula de calcular o teto de gastos, uma folga fiscal. Seria
de R$ 30 bilhões. É isso aí que o ministro Paulo Guedes afirmou que “já era
nosso”. Mas a realidade foi bem diferente. Os economistas passaram a prever que
o pico seria julho, depois mudaram para agosto, para setembro, para outubro.
Agora, dizem que a taxa mais alta será a de novembro.
Não faz muito tempo, os aliados do governo
falavam em superciclo das commodities, folga no teto de gastos para ampliar
despesas e recuperação robusta do PIB. Essa visão — que nunca fez sentido — já
se alterou completamente. Como não houve essa queda da inflação no segundo
semestre, a folga fiscal sumiu. Aí, por puro oportunismo, o Ministério da
Economia propôs a mudança na data do cálculo. Com o teto de gastos sendo
corrigido conforme o índice de janeiro a dezembro, o governo poderá elevar
despesa. O governo está ganhando, com a inflação, mais espaço para gastar. O
problema é que a manobra contábil e a expansão das despesas serão
inflacionárias. O feitiço pode se virar contra o feiticeiro porque inflação é
aquele componente de conjuntura que afasta eleitor e come popularidade.
O índice que mede a inflação dos mais
pobres, o INPC, já chegou a 11%. A população vem sentindo a alta dos preços de
alimentos, gás de cozinha, combustíveis, energia.
Os economistas projetam uma queda da
inflação no ano que vem, mas o índice previsto tem subido há 16 semanas na
pesquisa feita pelo Banco Central. Mesmo se ela ceder um pouco não trará alívio
numa conjuntura de estagnação. O desemprego está caindo levemente neste fim de
ano, mas isso é sazonal. No começo do ano ele sempre sobe.
A inflação é um ingrediente tóxico. Ela
complica todos os cenários políticos, principalmente num ano eleitoral. O que
Bolsonaro mostrou é que colocará mais lenha na fogueira, seja aumentando os
gastos de forma populista, seja elevando o tom dos conflitos. O pior efeito da
inflação é o aumento da pobreza.
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