O Estado de S. Paulo.
A pregação de punições rigorosas, a repressão e a ameaça de cadeia para corruptos são fórmulas que apenas iludem a sociedade
Existem temas que são adotados por
políticos como símbolos de sua atuação dentro ou fora do Parlamento. Lembro-me
da persistência – quase obstinação – do senador Nelson Carneiro em relação ao
divórcio. Empreendeu uma incansável batalha em prol da possibilidade do
rompimento do vínculo matrimonial. Contra a sua pregação ergueram-se vozes e
forças poderosas. A Igreja, as entidades religiosas, a imprensa conservadora e
todos os segmentos sociais que por razões diversas defendiam a ideia de ser o
matrimônio indissolúvel se voltaram contra ele e contra o seu pleito.
Outra ardorosa postulação foi em prol da
adoção da pena de morte no País. O seu prosélito foi o deputado Amaral Netto.
Discussões acerbas, nos dois casos,
envolveram a sociedade, que se dividia. A favor ou contra.
O divórcio foi finalmente aprovado, mas a
pena de morte continua proibida. O aborto é outra questão de infindáveis
debates.
Essas questões, no entanto, foram postas de
forma clara, sem subterfúgios, sem encobrir a intenção de enganar.
Pois bem, o inverso ocorre com o apregoado
combate à corrupção por meio da sanção penal, em que é omitido um aspecto
fundamental: a punição só é aplicada após o crime ter sido cometido. Assim, ela
não o evita. É óbvio: as causas deste crime, sim, é que deveriam ser
combatidas, e não apenas as suas consequências.
Os defensores daqueles temas nunca
procuraram usar falsos argumentos de persuasão. Não apresentam alegações
ilusórias e distantes da realidade. A opção é feita como um ato de vontade que
se apresenta sem vícios.
O posicionamento nesses temas pode ter se transformado num canal político, mas como decorrência natural, sem constituir o objetivo visado.
Quanto à corrupção, uma primeira observação
é de que ela não suscita controvérsias como o divórcio ou a pena de morte.
Ninguém – rigorosamente ninguém – se coloca a favor da corrupção. Obviamente,
nem os corruptos.
O problema reside no que fazer e como fazer
para estancá-la. A corrupção não é extinta com uma lei, como se fez com a
adoção do divórcio.
Deve-se, de início, ter presente que a
corrupção está intimamente ligada à ética. E a ética não se impõe, se induz a
adotá-la. Com certeza, a corrupção diminuiria substancialmente se aumentasse o
número dos que pautam as suas condutas pelo cuidado em não prejudicar terceiro
nem a coletividade. Na vida gregária, os direitos de cada qual devem respeitar
os direitos e os interesses alheios, os da própria sociedade e os da Nação. É a
ética aplicada à convivência social.
Por outro lado, outra proposição importante
no combate à corrupção seria a revisão do nosso ordenamento legal, com a edição
de leis eficientes de defesa, proteção e fiscalização do erário, por meio de
órgãos de controle. Não adiantam leis mais rigorosas. A ameaça de prisão não
inibe. Nem sequer o homem que esteve preso se sente desencorajado a voltar a
praticar atos lesivos, quando em liberdade.
Ter ética e adotar medidas de proteção ao
erário diminuirão a corrupção, porque atingem as suas causas, ao passo que a
punição só alcança os seus efeitos, portanto quando ela já foi praticada. Não a
evita. Debelar as causas, sim, é necessário.
Nesse sentido, conclui-se que a pregação de
punições rigorosas, a repressão e a ameaça de cadeia são fórmulas que apenas
iludem a sociedade. Pensa-se que o delito está sendo combatido, mas não está. É
mentira, é ludibrio, é falácia, é enganação pura.
Saliente-se que, em nome deste
pseudocombate à corrupção, muitas injustiças foram praticadas. Permitiu-se a
adoção de um instituto que contraria o nosso sistema penal, o da delação
premiada, que conduziu à prática da barbárie judiciária. Transformou-se,
inclusive, num caminho para a impunidade. Grandes assaltantes dos cofres
públicos e do dinheiro alheio, por terem acusado terceiros, muitas e muitas
vezes falsamente, estão em liberdade, enquanto os delatados estão presos e com
a sua vida destruída.
Dentro deste quadro enganoso de “combate à
corrupção”, encontramos um perigoso componente, que é a sua instrumentalização
política. Veículo de promoção pessoal com objetivos eleitorais, parte da
sociedade prefere comprar essa falsa ideia a desnudá-la pela via da análise
isenta.
Bastaria a verificação incontestável de que
a corrupção continua a campear e a atingir todos os setores da vida nacional.
Ela está, atualmente, instalada de forma sólida nas próprias relações
interpessoais. Lesar o próximo, infelizmente, é o objetivo de não poucos
cidadãos.
O verdadeiro combate à corrupção se dará
quando forem desprezadas as tapeações, a falsa retórica e a demagogia. A sua
utilização política para o alcance do poder não pode mais ser aceita pela
sociedade. Esta não deve mais se deixar iludir; deve, sim, dizer basta.
*Advogado
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