Os métodos policiais e a lentidão da justiça no trato das questões judiciais muito contribuem para a manutenção da violência.
São muitas as violências que, nestes tempos
modernos, são acompanhadas em tempo real pelos meios de comunicação que a mais
atualizada tecnologia nos proporciona. Não que não ocorressem – as
violências – em tempos anteriores ao nosso, mas nos assustam as formas
sofisticadas pelas quais acontecem e os intervalos de tempo.
A violência no Brasil se instalou com a
colonização e nos acompanha até os dias atuais. Primeiro, aconteceu com a forma
como colonizadores aqui chegaram e se impuseram, tomando as terras dos
indígenas. Em segundo lugar, pela submissão dos índios e posteriormente dos
negros trazidos da África como escravos, por volta de 1530, com a exploração do
pau brasil, uma árvore que produzia madeira de lei e que representou o primeiro
grande ciclo econômico do Brasil.
A madeira era exportada para produzir corantes
para a construção naval e mobiliário de luxo.
“A violência era algo rotineiro na vida dos escravos, e o tratamento violento dedicado a eles tinha o intuito de incutir-lhes temor de seus senhores. Esse medo visava mantê-los conformados com a sua escravização e impedir fugas e revoltas. Uma punição muito comum aplicada sobre eles era o “quebra-negro”, que os ensinava a sempre olharem para baixo na presença de seus senhores”. (Daniel Neves-Escravidão no Brasil)
O sistema escravocrata gerou a exclusão
social dos negros e indígenas dos bens de consumo em uma sociedade que
constituída no mercantilismo foi se transformando num sistema capitalista
atrasado, aperfeiçoando a concentração das terras e promovendo a exclusão
social até as últimas consequências. Atualmente, 23 milhões de pessoas vivem em
condição de pobreza extrema e institucionalizada, aquela em que as pessoas
cumprirão um ciclo de vida em que dificilmente terão condições e força para
prover a sua sobrevivência com dignidade, sendo reconhecida como tal pela
sociedade como necessária para o seu funcionamento.
É o que restou do sistema
escravocrata, um país com aparência de modernidade que se consolidou com a
prática da violência institucionalizada, praticada de todas as formas.
A falta de emprego e renda para
sobrevivência; a negação da terra para plantio e sobrevivência das famílias
agricultoras; a falta de acesso às unidades de saúde; a falta de escolas em
tempo integral proporcionando boa aprendizagem às crianças e jovens; a falta de
moradia digna e a concentração da maioria da população em barracos nas favelas
e periferias urbanas, são formas de violência contra a população.
Os métodos policiais e a
lentidão da justiça no trato das questões judiciais muito contribuem para a
manutenção da violência.
O orçamento secreto ora praticado pelo
Congresso e de certa forma apoiado pela justiça, é uma grande forma de
violência contra o dinheiro dos impostos pagos pela população, que deve por ela
ser monitorado permanentemente.
Nos últimos anos observamos que ressuscita
uma corrente de pensamento obscurantista no país que trabalha pelo não
cumprimento da constituição, pelo impedimento da demarcação das terras
indígenas, pela organicidade das milícias, pela ampliação da grilagem de terras
e do garimpo irregular na Amazônia, pela destruição das políticas públicas,
sobretudo as políticas afirmativas que traçam o caminho da inclusão dos que
mais necessitam de apoio e que contribui para que a situação de desigualdade
também vá se aprofundando. Com isso acontecendo, também cresce o crime
organizado.
Também manifestam o desejo que se retire do
Plano Nacional de Educação (PNE) as orientações para promoção da igualdade de
gêneros nas escolas.
A sociedade que se diz moderna é altamente
consumista e promove cada vez mais o distanciamento entre os que sabem ler e
escrever, entre os que tiveram acesso à escola qualificada para boa
aprendizagem e as que tiveram acesso à escola com má aprendizagem e sobretudo
os que não dominam não só a escrita e leitura da língua portuguesa e de outras
línguas, mas sobretudo a leitura e escrita dos algoritmos.
Sem escola com qualidade, sem renda, sem
emprego é difícil ter acesso à tecnologia.
Convivemos com uma cultura impregnada de
violência em muitos aspectos da vida dos brasileiros.
Famílias que reclamam por que já não podem
bater nos seus filhos após a aprovação da lei conhecida como Lei da Palmada e
os dados revelam que 81% dos casos de violência contra crianças e adolescentes
ocorrem dentro de casa. (Agenda brasil)
A Lei tenta mostrar que é possível educar
sem violência, sem humilhar a criança, utilizando o diálogo, o conhecimento, a
empatia e sobretudo o afeto.
A violência contra as crianças e os
adolescentes em 2021, indica a ocorrência de 50.098 casos denunciados, sendo
que “a mãe aparece como a principal violadora, com 15.285 denúncias; seguido
pelo pai, com 5.861; padrasto/madrasta, com 2.664; e outros familiares, com
1.636 registros. Os relatos feitos para a Ouvidoria Nacional dos Direitos
Humanos (ONDH) são, em grande parte, de denúncias anônimas, cerca de 25 mil do
total”.
A violência infantil deixa marcas para a
vida inteira, seja a violência física ou psicológica e atinge diretamente o
desenvolvimento da criança, provocando impactos profundos. Estudiosos que
tratam dessa questão relatam seus efeitos como sério problema social para o
país.
A violência contra a criança também aparece
na forma da negligência e abandono, na prática do trabalho infantil, nos atos
relacionados ao abuso sexual e na pedofilia, na tortura e no tráfico.
Algo semelhante acontece com os idosos.
Negligência e exploração. Mais de 12 milhões de idosos são hoje considerados
chefes de família – sustentam filhos que não têm renda e netos – a grande
maioria com recursos de aposentadoria e benefícios da previdência.
A violência também prolifera com o avanço
do machismo na sociedade, cuja maioria é constituída por mulheres (52,2-IBGE),
e ainda é considerada minoria.
Os agressores apresentam em grande medida
problemas que têm origem nas relações familiares e nos processos educacionais,
como carência afetiva, dificuldade na comunicação, dificuldade na solução de
problemas, variações cognitivas, baixo nível de altoestima, baixa tolerância ao
lidar com frustrações e os transtornos de personalidade, segundo estudo
publicado por Camila Rodriguez Fernandez, especialista em sexologia e
psicologia.
Essas reflexões vêm à
propósito dos dados sobre a violência contra as mulheres em Pernambuco,
revelados pela imprensa na semana que passou e praticados por autoridades que
têm por dever proteger os direitos humanos.
Segundo informação do Tribunal de Justiça
de Pernambuco (TJPE), foram concedidas 12.876 medidas de proteção para mulheres
vítimas de violência durante esse ano, enquanto a Polícia Civil informou que
entre janeiro e outubro foram registrados 34.240 casos de crimes contra as
mulheres.
O Núcleo de Mulheres de Pernambuco,
composto por 20 entidades de defesa dos direitos da mulher, manifestou o seu
repúdio e solicitou imediata apuração dos casos.
Por meio de nota, o Grupo Mulheres do Brasil,
através do Núcleo de Mulheres de Pernambuco, afirmou se manifestar em nome das
mais de 100 mil mulheres que compõem a entidade nacionalmente “em prol do seu
compromisso institucional, de sua atuação na defesa e proteção dos direitos das
mulheres e da luta constante em repudiar a violência contra a mulher”. (G1)
É preciso mudar esse rumo. Sobretudo, é
necessário que tenhamos atitudes concretas contra os vários tipos de violência
instaladas no país.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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