Petista fala em superar rivalidades do passado em jantar organizado pelo grupo Prerrogativas
Carolina Linhares, Bianka Vieira / Folha de S. Paulo
SÃO
PAULO - O ex-presidente Lula (PT) e
o ex-governador
Geraldo Alckmin (sem partido, ex-PSDB) fizeram neste domingo
(19) sua primeira
aparição conjunta em público em meio a articulações para que o
ex-tucano seja vice do petista na disputa
para a Presidência nas eleições de 2022.
O esperado encontro entre os dois ocorreu
durante um jantar promovido pelo grupo
de advogados Prerrogativas, que contou com cerca de 500 convidados
no restaurante A Figueira Rubaiyat, em São Paulo.
Entusiastas da chapa viram
no evento um grande avanço para a formalização da união, que poderia já ser
anunciada no início do ano que vem.
Em discurso de 42 minutos, Lula minimizou o
passado de rivalidade com outros grupos políticos, em recado que pareceu
talhado para os que lembram as trocas
de farpas entre os dois.
"Não importa se no passado fomos adversários.
Se trocamos algumas botinadas.
Se no calor da hora dissemos o que não deveríamos ter dito. O tamanho do
desafio que temos pela frente faz de cada um de nós um aliado de primeira
hora", disse Lula.
"É este o verdadeiro motivo pelo qual
estamos reunidos aqui nesta noite: a nossa fé na democracia."
Dentro do restaurante, a área reservada a
Lula, Alckmin e outros políticos foi separada dos demais convidados do mundo
jurídico. O local era cercado por um biombo. Lula e Alckmin se sentaram na
mesma mesa no jantar.
O clima era descontraído, e a conversa, segundo políticos presentes, girou em torno de assuntos gerais. Os detalhes do acerto entre Lula e Alckmin não seriam discutidos diante do público, dizem aliados de ambos.
Após agradecer a presença de políticos
presentes e citar nominalmente o ex-governador de São Paulo, Lula brincou com o
interesse da imprensa em uma foto dos dois juntos.
"É engraçado que a imprensa está tão
nervosa com uma foto de mim com o Alckmin. É engraçado que eu fui presidente
ele foi governador, eu estive 600 vezes com o Alckmin e ninguém nunca pediu
para eu tirar fotografia com o Alckmin".
Lula disse que ainda não definiu a
candidatura. "Sei da responsabilidade que eu tenho quando disser que sou
candidato. E eu sei que o Brasil que vou pegar em 2023 é muito pior que o país
que eu peguei em 2003, e eu não quero brincar com o povo brasileiro",
disse.
Ao falar da possibilidade
de aliança com o ex-tucano, pediu calma.
"Eu tenho que respeitar o Alckmin. Ele
deixou o PSDB, ele ainda não tem partido, não sei a qual partido ele vai se
filiar. E quem vai dizer se a gente pode se juntar ou não é o partido dele e o
meu partido. Então a gente tem que ter paciência", afirmou.
Alckmin acompanhou a fala de Lula com
atenção, mas não era possível ouvir o ex-presidente no salão. O ex-governador
passou a tentar acompanhar a transmissão pela internet, com o celular no
ouvido.
Questionado pela Folha sobre a
aliança, Alckmin afirmou: "vamos aguardar, um primeiro passo foi
dado". Ele também evitou responder sobre qual partido deve escolher —PSD e PSB são opções.
Para compor chapa com Lula, o caminho deve ser o PSB.
"O processo está começando. Agora é
hora de ouvir bastante, conversar bastante. É hora de grandeza política,
espírito público e união. Vamos aguardar", completou.
A aliança entre Lula e Alckmin vem sendo
costurada pelo ex-prefeito
Fernando Haddad (PT) e pelo ex-governador
Márcio França (PSB), ambos pré-candidatos ao Governo de São Paulo.
O entendimento geral, contudo, é o de que
não há espaço para que a dupla se enfrente nas urnas e, por isso, alguém vai
ter que abrir mão da candidatura.
Na entrada do jantar, petistas defendiam a
manutenção da candidatura de Haddad, enquanto aliados de França pregam que o
petista concorra ao Senado e deixe o caminho para o Bandeirantes livre para o
pessebista.
O argumento no PT é o de que o partido é
maior em São Paulo do que o PSB e, portanto, teria mais estrutura para a
campanha e para angariar votos. Além disso, Haddad está na frente nas
pesquisas.
Para aliados de França, o ex-governador
pode, como candidato e palanque de Lula, ampliar o apoio ao petista no estado,
agregando votos que Haddad não traria.
Do lado de fora do estacionamento, havia ao
menos quatro apoiadores de Lula –um deles com boné do PCO (Partido da Causa
Operária). Seguravam placas com os dizeres "Fora Bolsonaro. Lula
presidente". No verso, à caneta: "Alckmin não".
Um bolsonarista também foi ao local, com
uma camiseta "Supremo é o povo".
As críticas ao governo Jair Bolsonaro, por
vezes chamado de genocida, deram a tônica dos discursos feitos pelos
integrantes do Prerrogativas durante o jantar.
"Nossa irrestrita solidariedade com
quase 620 mil famílias brasileiras que choram hoje a morte de um ente querido.
Mais de 600 mil ausências sofridas, mais de 600 mil histórias interrompidas por
ações e omissões criminosas desse governo genocida que nos envergonha diante do
Brasil e do mundo", afirmou o coordenador do grupo, Marco Aurélio de
Carvalho.
"Não podemos nos esquecer daqueles que
em 2018 acharam que a escolha era difícil. São responsáveis diretos e [têm] as
mãos sujas de sangue. O grupo Prerrogativas, entretanto, nunca se escondeu na
conveniência do silêncio", disse ainda.
Compareceram ao jantar deste domingo os
governadores Paulo Câmara (PSB-PE), Wellington Dias (PT-PI) e Rui Costa
(PT-BA); o prefeito do Recife, João Campos (PSB); e presidentes de partidos
como Gleisi Hoffmann (PT), Gilberto Kassab (PSB), Paulinho da Força (SD),
Carlos Siqueira (PSB) e Baleia Rossi (MDB).
O jantar contou ainda com a secretária de
Relações Internacionais da cidade de São Paulo, Marta Suplicy; com os senadores
Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Omar Aziz (PSD-AM) e o
com ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ).
O ex-senador Arthur Virgílio foi o único
tucano visto entre os políticos. Estavam presentes ainda o ministro do TCU
Bruno Dantas, a chef Bela Gil e a filósofa Djamila Ribeiro.
Lula foi recepcionado para discursar ao som
dos versos "Tu vens, tu vens / Eu já escuto os teus sinais", de Alceu
Valença. Os convidados do jantar também cantaram "Olê Lula".
O petista foi agraciado na noite de domingo
com o troféu "perseverança", concedido pelo Prerrogativas, e com um
quadro de Cândido Portinari, entregue pelas mãos do deputado federal Marcelo
Freixo (PSB-RJ) e do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
O advogado Alberto Toron, que neste ano
defendeu o empresário bolsonarista Carlos Wizard no âmbito da CPI da Covid,
também compareceu ao evento e homenageou Lula com uma beca, como a usada nas
cortes, para simbolizar a justiça.
"Lula será o homem capaz de
transformar este país num país que deixa de ser polarizado para um país de
união", disse Toron.
"Um homem que dentro do cárcere
respeitou as regras do jogo democrático e do jogo do direito também",
afirmou o advogado.
Até agora, a articulação para que o
paulista seja vice de Lula vinha ocorrendo nos bastidores. Para entusiastas da
ideia, a
participação de ambos no evento marca essa aproximação.
Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira
(17) mostra que, para
70% dos eleitores, a hipótese da chapa Lula-Alckmin não altera a chance de
votar no petista, que lidera a corrida com 48%. O presidente
Jair Bolsonaro (PL) aparece
em segundo com 22%.
O jantar ocorre após
a saída de Alckmin do PSDB, anunciada nesta semana. A migração do
ex-governador também foi vista como um avanço na direção da formação da chapa.
Um dia
após a desfiliação, Alckmin publicou no Twitter que "o diálogo
é o primeiro passo para enfrentarmos os desafios, avançar e garantir a retomada
do crescimento".
"Nosso país precisa de
pacificação", disse. "O momento exige grandeza política, espírito
público e união", completa. O discurso faz referência à propagada união de
adversários para a superação do bolsonarismo.
Na manhã deste domingo, em mais uma
sinalização de aproximação com a esquerda, Alckmin tomou café da manhã com o
deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), que publicou uma foto falando em
"diálogo, espírito público e responsabilidade".
A verba arrecadada com o jantar, que contou
com a participação de outros políticos, juristas e professores, será doada para
a campanha "Tem gente com fome", da Coalizão Negra por Direitos.
O jantar angariou mais de R$ 300 mil em
doações para a iniciativa. O valor será revertido em cestas básicas para
famílias em situação de vulnerabilidade social.
"Pergunto se é assim sempre, com um
monte de gente preta", disse Douglas Belchior, integrante da Coalizão e
cofundador da Uneafro, sobre o restaurante de elite A Figueira Rubaiyat, que
sediou o evento.
Belchior ainda presenteou Lula com o livro
"Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus. "‘A fome também
é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo e nas
crianças’", disse, citando uma passagem da obra.
"Nada como já não foi dito, nós já
sabemos. Nós já temos o mapa. Nós temos, inclusive, a oportunidade de repetir
essa experiência no ano que vem com Luiz Inácio Lula da Silva presidente da
República", completou Belchior.
Em encontro com dirigentes de centrais
sindicais, no dia 29 de novembro, Alckmin
obteve apoio para a dobradinha com Lula e disse que a hipótese
caminhava.
Ao comunicar que
iria se desfiliar do PSDB, Alckmin deixou mais claro a pessoas
próximas que hoje está propenso a encampar o projeto de ser candidato a vice ao
lado do petista.
Segundo relatos, o agora ex-tucano
verbalizou que precisa pensar no país e que se aliar a uma chapa pode trazer a
candidatura de Lula para o centro, afastando tentativas de atrelar a ela a
pecha de radical de esquerda.
Aliados de Alckmin que conversaram com ele nos últimos dias o veem maduro na decisão.
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