Folha de S. Paulo
Em democracias estáveis, ministros da
Suprema Corte não precisam se preocupar em acalmar golpistas
O general
Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da defesa de Bolsonaro, ocupará a
direção-geral do TSE durante a campanha presidencial de 2022. Isto é: quem vai
decidir se a eleição valeu será um sujeito armado que até outro dia era
funcionário de um dos candidatos.
Azevedo e Silva já desempenhou papel
semelhante na eleição passada: por algum motivo até hoje inexplicado, foi
assessor de Toffoli no STF durante a eleição de 2018. Naquela oportunidade,
o STF
decidiu que Lula, que tinha 38% nas pesquisas, não poderia concorrer contra
Bolsonaro, que tinha 18%. Bolsonaro venceu e nomeou Azevedo para a Defesa.
Se o leitor conhecer caso semelhante ocorrido em país de democracia estável, peço que envie carta para a Redação.
Defensores da nomeação argumentam que um
general no TSE apaziguará os defensores de Bolsonaro. O presidente da República
já deixou claro que, em caso de derrota (e, portanto, prisão automática pelos crimes
da pandemia), mentirá que houve fraude e tentará um golpe.
Não há, naturalmente, nenhuma apreensão
honesta a ser apaziguada. Os
defensores de Bolsonaro não acham, sinceramente, que as urnas eletrônicas são
fraudadas. Eles estão, do primeiro ao último, mentindo. Se não houver essa
desculpa para tentar um golpe, eles usarão outra. Os bolsonaristas devem ser
desarmados, não refutados.
E mesmo se fossem sinceros, a nomeação de
Azevedo foge à regra. Em 2018, os eleitores de Lula contestavam a decisão
judicial que tirou o ex-presidente da eleição. Ninguém nomeou Gleisi Hoffman
para a direção do TSE como forma de tranquilizá-los. A diferença, é claro, é
que os militantes do PT estavam desarmados.
Supondo que a nomeação de Azevedo
tranquilizará os golpistas, porque não deveria inquietar a imensa maioria do
eleitorado, que, a crer nas pesquisas,
pretende votar na oposição?
Se Lula ou outro oposicionista vencer por
grande vantagem, pode não fazer diferença: ninguém vai conseguir fraudar uma
eleição que perdeu por 30 pontos percentuais. Mas e se a eleição for
equilibrada? Se Bolsonaro vencer por pouco, se for para o segundo turno por
pouco?
Não deve haver militares
no TSE em uma eleição em que um dos candidatos passou quatro anos
tentando cooptar as forças armadas para um golpe de estado, sobretudo se o
militar em questão foi ministro da defesa do referido candidato, sobretudo se o
foi depois de ter supervisionado a eleição anterior sem ter qualquer direito de
fazê-lo, e, sinceramente, eu tenho vergonha de ter que explicar isso.
Segundo a revista Veja, a nomeação de Azevedo foi ideia dos
ministros do STF Alexandre de Moraes e Edson Fachin. Em democracias estáveis,
ministros da Suprema Corte não precisam se preocupar em acalmar golpistas.
Certamente não precisam fazê-lo com o mesmo general por duas eleições seguidas.
De qualquer forma, lanço um apelo àquela
turma do comentariado brasileiro que sempre defendeu que Bolsonaro não
representava risco à nossa democracia: lancem um manifesto contra a nomeação de
Azevedo.
Ela dá munição a alarmistas como eu: se a ameaça de Bolsonaro não é real, por que a nomeação do general foi necessária? Ela foi conduzida por ministros do STF sob aplauso generalizado do establishment político e econômico. Será que essa turma toda também foi enganada pelo livro do Levitsky?
Nenhum comentário:
Postar um comentário