As duas últimas cartas com que contava Bolsonaro – sua associação com o Centrão e o chamado Auxílio Brasil –, cujos efeitos eleitorais ainda não se fazem sentir, já foram jogadas. Ademais, se lhe frustram o que espera dessas duas cartas – o Centrão é, como se sabe, volúvel –, suas pretensões, como as atuais pesquisas indicam, arriscam ser afastadas ainda no primeiro turno eleitoral. Para Bolsonaro a via eleitoral é um caminho de pedras, e, consciente disso, já procurou, como no infausto 7 de setembro, atalhá-lo num golpe de mão mal sucedido. O horizonte que se descortina à sua frente, em sua lógica à moda de Donald Trump é a de suscitar o tumulto, como sinaliza em sua política de procurar confrontos a qualquer pretexto, até na vacinação infantil. Por falta de alternativa, trama-se em favor de uma recidiva de um 7 de setembro.
A cena atual da política brasileira está
longe de parecer com um céu de brigadeiro, como os incautos de sempre já se
aprestam a avaliar. Há grossos interesses em jogo beneficiários das políticas
de um capitalismo vitoriano predatório, e uma multidão de pequenos interesses
mafiosos, urbanos e nas regiões de fronteira, que se sentem ameaçados pelo
avanço no terreno da opinião pelas forças democráticas. A reconquista de um
governo democrático não será feita sem sobressaltos e livre de riscos, e sua
possibilidade depende de uma articulação tão ampla quanto possível das forças
políticas em presença. Não há uma terceira via, mas uma única estrada real que
pavimente a irrupção em cena das grandes maiorias e dos seus movimentos sociais
que venha a barrar o fascismo latente que desde os anos 1930 ronda a nossa
história como no Estado Novo, no regime do AI-5 e agora na hora presente.
A construção dessa larga estrada reclama
uma engenharia de vulto, especializada no cálculo de pontes em terrenos de alto
risco e que resistam aos abalos sempre presentes quando a ação humana desafia o
destino em suas criações, que, no caso, se aplica em emancipar a nossa
sociedade das taras que herdamos da nossa desastrada história de formação feita
à sombra das plantations escravocratas. Não é uma tarefa fácil, e outros antes
de nós sucumbiram apesar dos ingentes esforços a que se dedicaram. Não é obra,
pela envergadura e complexidade de que se reveste, de um só ou de poucos, mas
de muitos, de todos aqueles que compreendam que a nossa sociedade está sob
risco de degradação e urge que nos movimentemos para salvá-la.
Nesse sentido, são benvindos os sinais
emitidos por relevantes personalidades políticas, como Lula e Alkmin,
antagonistas em várias disputas eleitorais, de que procuram um caminho de
convergência, tentativa de reedição em nossas plagas da geringonça portuguesa
segundo alguns analistas. Por ora, esse ensaio promissor depende para sua
concretização de negociações exitosas a serem levadas a cabo pela perícia de
políticos envolvidos nessa difícil operação, aos quais não devem faltar o apoio
da opinião democrática e dos partidos e movimentos sociais que venham a suportá-la
a fim de convertê-lo num experimento exemplar de ação pedagógica na política
fragmentada que praticamos.
Em dois momentos, nas eleições de 1988 e
nesta última de 2018, sucumbimos aos impulsos egocêntricos de partidos e
personalidades que levaram à dispersão das forças democráticas com o resultado
nefasto dos triunfos eleitorais de Collor e de Bolsonaro, a gravidade do que
está em jogo na sucessão presidencial que se avizinha reclama imperativamente
que tais equívocos não se repitam. Os canais abertos entre Lula e Alkimin,
embora significativos, ainda são estreitos para dar passagem segura ao trânsito
das demandas reprimidas das grandes maiorias. Alargá-lo é tarefa de todos, é
hora da grande política diante do desafio da ameaça de fascitização da vida
social e do Estado.
A busca por uma frente ampla visa, desde
já, assegurar um sistema de proteção ao calendário eleitoral e a articulação de
forças sociais e políticas que conduzam a uma vitória incontrastável nas urnas
como sinalização forte de que rompemos afinal com a longa história de
autoritarismo político que deixa em seus rastros a monstruosa desigualdade
social reinante entre nós.
No plano das ideias, certamente se poderia
aspirar a que à testa da coalizão democrática que ora se apresenta outros nomes
poderiam se fazer presentes, mas os que temos são estes, e, nesta hora, o que
importa é encontrar gatos que comam ratos, para o que estamos bem servidos.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
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