sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Naercio Menezes Filho*: Retrospectiva 2021

Valor Econômico

Além da pandemia, as políticas do governo federal estão provocando retrocessos em várias áreas

Está na hora de fazermos um balanço de 2021. A maioria das notícias nesse ano foram negativas, destacando-se a volta da fome em grande escala, que achávamos que havia terminado por aqui. Uma das únicas notícias positivas foi o avanço da vacinação em todo o país, apesar dos apelos contrários do presidente. O que aconteceu de mais importante em 2021? O que podemos esperar para 2022?

Neste ano que se encerra ainda sofremos bastante os efeitos da pandemia, que foram ampliados pelas políticas equivocadas do governo federal em várias áreas. Esses fatores estão provocando um teste de estresse contínuo no arcabouço institucional e social construídos no Brasil nos últimos 30 anos. Nesse período, construímos um sistema público de saúde gratuito, que ajudou a diminuir bastante a mortalidade, e um programa de vacinação exemplar. Esse sistema, aliado à descoberta de novas vacinas em tempo recorde, fez com que conseguíssemos vacinar grande parte da população brasileira, mais do que em muitos países mais desenvolvidos. Este ano muitos moradores de bairros ricos entraram num posto de saúde pela primeira vez na vida.

Entretanto, o estresse sobre o sistema de saúde em 2022 será grande. Muitas vacinas contra outras doenças estão atrasadas, como a da poliomielite, assim como exames preventivos e cirurgias. O desenvolvimento infantil foi bastante afetado pelos efeitos da pandemia sobre o desemprego, renda e estresse dos pais. A saúde mental de todos foi abalada pelo isolamento social e pela perda de parentes. Esses efeitos persistirão por décadas se nada for feito para atenuá-los, e como as famílias mais vulneráveis foram as mais afetadas, farão com que a “geração covid” se torne a mais desigual dos últimos tempos.

Em termos educacionais, várias medidas ao longo dos anos 1990 e 2000 aumentaram as matrículas em todos os níveis, levando à universalização da frequência no ensino fundamental, aumentando a permanência de grande parte dos jovens até o ensino médio e as matrículas no ensino superior público e privado. Mas como essas crianças e jovens ficaram muito tempo fora das escolas nesses últimos dois anos, muitas sem acesso ao ensino remoto, o desafio será imenso. Muitas não aprenderam a ler e escrever no momento certo e várias perderam o aprendizado que já tinham.

Além disso, as políticas federais na educação têm sido desastrosas, o que está contribuindo para piorar o quadro. Começando pela tentativa de fomentar a educação domiciliar, passando pela condução temerária do sistema de avaliação educacional, incluindo os percalços no Enem e o desmonte do sistema de avaliação da Capes, praticamente nada se salvou nessa área. A cereja do bolo foi a medida provisória com mudanças no programa de bolsas para alunos de escolas públicas no ensino superior privado (o Prouni), que são muito ruins.

O Prouni foi uma das melhores inovações no ensino superior nos últimos anos, ao permitir que alunos pobres das escolas públicas (e bolsistas nas escolas privadas) com boas notas no Enem pudessem frequentar a faculdade com bolsas de permanência, sem onerar demasiadamente os cofres públicos. É muito legal ver vários ex-bolsistas do Prouni entrando nos mestrados e doutorados mais concorridos do país. Porém, ao mudar a exigência de que os bolsistas têm que vir necessariamente de escolas públicas, a medida provisória faz o Prouni deixar de ajudar quem mais precisa, para satisfazer os anseios de algumas faculdades privadas.

Além disso, a ciência, que tanto contribuiu para esclarecer a população nessa pandemia, foi bastante afetada pela restrição de recursos, utilizados em grande parte para fins menos nobres.

O próprio censo demográfico, essencial para entender o Brasil e formular políticas públicas, foi adiado duas vezes e corre o risco de ficar novamente sem recursos.

Em termos sociais, a atuação do governo foi um pouco melhor. O auxílio emergencial implementado em 2020 foi muito importante, fazendo com que a pobreza e desigualdade se reduzissem mesmo no auge da primeira onda. Sua implementação foi rápida e eficiente, apesar dos valores e da cobertura terem sidos um pouco exagerados. Se não tivéssemos tido o auxílio emergencial, a fome e os prejuízos para o desenvolvimento infantil teriam sido muito maiores, pois ninguém sabia ao certo o que iria acontecer e quanto tempo a pandemia ainda estaria entre nós.

O auxílio evitou uma catástrofe social. Entretanto, a demora que ocorreu entre o fim do auxílio e a implementação do novo programa social fez com que a pobreza extrema e a fome voltassem em 2021, pois várias famílias perderam seus empregos durante a crise e ainda não estão cadastradas nos programas sociais.

Em termos de produtividade, que é o principal motor do crescimento econômico sustentado, a situação é ainda mais crítica, pois tivemos poucos avanços nos últimos 30 anos, ao contrário da área social. E o governo atual pouco fez nessa área. Foram feitas várias “tentativas de reformas” na área fiscal, anúncios de privatizações e abertura comercial, que no final não aconteceram, por falta de habilidade política. E o fim do teto de gastos colocou em risco a solvência fiscal no futuro, afetando os investimentos privados. Assim, as perspectivas de crescimento para 2022 são muito ruins.

O novo programa social, intitulado Auxílio Brasil, vai conseguir suavizar a transição para o novo governo, apesar de seus fins claramente eleitoreiros. Com valores mais elevados e foco na primeira infância, o programa deverá ser suficiente para evitar o pior em 2022, principalmente se as filas para entrar no programa forem zeradas. Mas isso não deverá ser suficiente para elevar muito a popularidade do presidente, pois os altos índices de desemprego, inflação e consequente queda do salário real deverão ser mais determinantes.

Em suma, os últimos anos têm sido os mais difíceis já enfrentados pelos brasileiros desde a estabilização da inflação. Além da pandemia, as políticas do governo federal estão provocando retrocessos em várias áreas e muito pouco tem sido feito para aumentar a produtividade. E 2022 (ano eleitoral) promete ser ainda pior. Apertem os cintos!

Naercio Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências,

 

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