Valor Econômico
Além da pandemia, as políticas do governo
federal estão provocando retrocessos em várias áreas
Está na hora de fazermos um balanço de
2021. A maioria das notícias nesse ano foram negativas, destacando-se a volta
da fome em grande escala, que achávamos que havia terminado por aqui. Uma das
únicas notícias positivas foi o avanço da vacinação em todo o país, apesar dos
apelos contrários do presidente. O que aconteceu de mais importante em 2021? O
que podemos esperar para 2022?
Neste ano que se encerra ainda sofremos bastante os efeitos da pandemia, que foram ampliados pelas políticas equivocadas do governo federal em várias áreas. Esses fatores estão provocando um teste de estresse contínuo no arcabouço institucional e social construídos no Brasil nos últimos 30 anos. Nesse período, construímos um sistema público de saúde gratuito, que ajudou a diminuir bastante a mortalidade, e um programa de vacinação exemplar. Esse sistema, aliado à descoberta de novas vacinas em tempo recorde, fez com que conseguíssemos vacinar grande parte da população brasileira, mais do que em muitos países mais desenvolvidos. Este ano muitos moradores de bairros ricos entraram num posto de saúde pela primeira vez na vida.
Entretanto, o estresse sobre o sistema de
saúde em 2022 será grande. Muitas vacinas contra outras doenças estão
atrasadas, como a da poliomielite, assim como exames preventivos e cirurgias. O
desenvolvimento infantil foi bastante afetado pelos efeitos da pandemia sobre o
desemprego, renda e estresse dos pais. A saúde mental de todos foi abalada pelo
isolamento social e pela perda de parentes. Esses efeitos persistirão por
décadas se nada for feito para atenuá-los, e como as famílias mais vulneráveis
foram as mais afetadas, farão com que a “geração covid” se torne a mais
desigual dos últimos tempos.
Em termos educacionais, várias medidas ao
longo dos anos 1990 e 2000 aumentaram as matrículas em todos os níveis, levando
à universalização da frequência no ensino fundamental, aumentando a permanência
de grande parte dos jovens até o ensino médio e as matrículas no ensino
superior público e privado. Mas como essas crianças e jovens ficaram muito
tempo fora das escolas nesses últimos dois anos, muitas sem acesso ao ensino
remoto, o desafio será imenso. Muitas não aprenderam a ler e escrever no
momento certo e várias perderam o aprendizado que já tinham.
Além disso, as políticas federais na
educação têm sido desastrosas, o que está contribuindo para piorar o quadro.
Começando pela tentativa de fomentar a educação domiciliar, passando pela
condução temerária do sistema de avaliação educacional, incluindo os percalços
no Enem e o desmonte do sistema de avaliação da Capes, praticamente nada se
salvou nessa área. A cereja do bolo foi a medida provisória com mudanças no programa
de bolsas para alunos de escolas públicas no ensino superior privado (o
Prouni), que são muito ruins.
O Prouni foi uma das melhores inovações no
ensino superior nos últimos anos, ao permitir que alunos pobres das escolas
públicas (e bolsistas nas escolas privadas) com boas notas no Enem pudessem
frequentar a faculdade com bolsas de permanência, sem onerar demasiadamente os
cofres públicos. É muito legal ver vários ex-bolsistas do Prouni entrando nos
mestrados e doutorados mais concorridos do país. Porém, ao mudar a exigência de
que os bolsistas têm que vir necessariamente de escolas públicas, a medida
provisória faz o Prouni deixar de ajudar quem mais precisa, para satisfazer os
anseios de algumas faculdades privadas.
Além disso, a ciência, que tanto contribuiu
para esclarecer a população nessa pandemia, foi bastante afetada pela restrição
de recursos, utilizados em grande parte para fins menos nobres.
O próprio censo demográfico, essencial para
entender o Brasil e formular políticas públicas, foi adiado duas vezes e corre
o risco de ficar novamente sem recursos.
Em termos sociais, a atuação do governo foi
um pouco melhor. O auxílio emergencial implementado em 2020 foi muito
importante, fazendo com que a pobreza e desigualdade se reduzissem mesmo no auge
da primeira onda. Sua implementação foi rápida e eficiente, apesar dos valores
e da cobertura terem sidos um pouco exagerados. Se não tivéssemos tido o
auxílio emergencial, a fome e os prejuízos para o desenvolvimento infantil
teriam sido muito maiores, pois ninguém sabia ao certo o que iria acontecer e
quanto tempo a pandemia ainda estaria entre nós.
O auxílio evitou uma catástrofe social.
Entretanto, a demora que ocorreu entre o fim do auxílio e a implementação do
novo programa social fez com que a pobreza extrema e a fome voltassem em 2021,
pois várias famílias perderam seus empregos durante a crise e ainda não estão
cadastradas nos programas sociais.
Em termos de produtividade, que é o
principal motor do crescimento econômico sustentado, a situação é ainda mais
crítica, pois tivemos poucos avanços nos últimos 30 anos, ao contrário da área
social. E o governo atual pouco fez nessa área. Foram feitas várias “tentativas
de reformas” na área fiscal, anúncios de privatizações e abertura comercial,
que no final não aconteceram, por falta de habilidade política. E o fim do teto
de gastos colocou em risco a solvência fiscal no futuro, afetando os
investimentos privados. Assim, as perspectivas de crescimento para 2022 são
muito ruins.
O novo programa social, intitulado Auxílio
Brasil, vai conseguir suavizar a transição para o novo governo, apesar de seus
fins claramente eleitoreiros. Com valores mais elevados e foco na primeira
infância, o programa deverá ser suficiente para evitar o pior em 2022,
principalmente se as filas para entrar no programa forem zeradas. Mas isso não
deverá ser suficiente para elevar muito a popularidade do presidente, pois os
altos índices de desemprego, inflação e consequente queda do salário real
deverão ser mais determinantes.
Em suma, os últimos anos têm sido os mais
difíceis já enfrentados pelos brasileiros desde a estabilização da inflação.
Além da pandemia, as políticas do governo federal estão provocando retrocessos
em várias áreas e muito pouco tem sido feito para aumentar a produtividade. E
2022 (ano eleitoral) promete ser ainda pior. Apertem os cintos!
Naercio
Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor
associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências,
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