sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Vera Magalhães: A vacina nos salvou de Bolsonaro

O Globo

O ano de 2021 foi salvo única e exclusivamente pela vacina. Foi ela, chegando finalmente e contra todas as ações possíveis por parte do governo federal, que nos salvou não só do vírus, mas de um acometimento ainda mais grave do mal que é Jair Bolsonaro.

Devemos à vacina, de sua elaboração em tempo recorde à tão esperada aplicação, aos fabricantes, aos cientistas, ao Butantan, aos governadores — e aí sobretudo ao de São Paulo, João Doria, é preciso dar a César o que é de César —, aos senadores da CPI da Covid e à imprensa. Sem esse consórcio atuando em desafio à disposição permanente de Bolsonaro e de seus ministros em melar a imunização, sabe-se lá a que número de mortos poderíamos ter chegado.

Mas eis que, mesmo diante da constatação óbvia até para terraplanistas irrecuperáveis, Bolsonaro segue barbarizando e espalhando sandices a respeito da imunização contra a Covid-19.

Cheguei a conferir se era a conta mesmo do presidente da República, e não a de um fake, que postara, em resposta a um post do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que tratava de ferrovias (!), um comentário de um anônimo chamando as vacinas de “porcarias”. Não era um fake. Era Bolsonaro. Claro que era Bolsonaro.

No mesmo dia em que a imprensa cumpria o dever desconcertante de noticiar mais essa diabrura do chefe de Estado, a Anvisa finalmente liberava a vacina da Pfizer para aplicação em crianças. Por que tanta demora? E por que a agência não analisa o pedido reiterado do Butantan para que também a CoronaVac — desenvolvida a partir da tecnologia de vírus inativado, comum em imunizantes ministrados em crianças — seja aplicada nessa faixa etária?

Dois anos de pandemia depois, o Brasil anda, na vacinação contra a Covid-19, na desesperadora marcha de um passo à frente a cada dois para trás. Aos trancos e barrancos chegamos a uma cobertura superior à de países da Europa e de outros em que campeia o negacionismo criminoso. Mas sempre lutando contra o presidente, seus ministros, seus bocas de latrina a soldo das redes sociais e de emissoras alinhadas e até, em alguns casos, a Anvisa, cuja atuação teve altos e baixos ao longo da crise sanitária, ora agindo de forma técnica, ora titubeando diante da pressão política explícita exercida por Bolsonaro.

Pois não há explicação para uma agência ter levado tanto tempo para liberar as vacinas para crianças num cenário em que o mundo já o fez, os fabricantes já prestaram todas as informações necessárias acerca da segurança de seus fármacos, uma nova variante, a Ômicron, vai se espalhando pelo mundo e o verão, com festas e viagens de férias, está se aproximando no calendário.

Da mesma forma, a demora específica no caso da CoronaVac cheira a temor da reação de Bolsonaro, desde sempre um detrator da vacinação que primeiro esteve disponível para começar a proteger profissionais de saúde, idosos e pessoas com comorbidades, que, não fosse isso, teriam morrido em número ainda mais intolerável que o que a gente já vergonhosamente ostenta.

A superação definitiva do trauma de uma pandemia que se prolonga só se dará se enfiarmos na cabeça que o único caminho seguro para ela é a vacina.

Desenvolvidas com a pressa que a praga exigia, as diferentes tecnologias possivelmente terão de ser atualizadas, revistas, incrementadas. Mas atirar contra sua segurança mesmo diante do dado óbvio de que elas — diferentemente de medicamentos sem nenhuma eficácia propagandeados e enfiados goela abaixo da população por Bolsonaro e pelos seus soldados — funcionam é mais um crime cometido além dos inúmeros já relacionados no relatório da CPI da Covid. Que, aliás, vai pegando poeira na gaveta de Augusto Aras, que finge tomar providências preliminares quando está só empurrando com a barriga mesmo.

 

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