sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro perde para si mesmo

Folha de S. Paulo

Cerca de 60% do eleitorado não votaria de jeito nenhum no presidente

rejeição a Jair Bolsonaro (PL) parece o fato mais relevante do Datafolha sobre a eleição de presidente. Faltam pouco mais de nove meses para o primeiro turno, ainda haverá dança de candidatos e, não raro, os números de dezembro se desfazem ao longo do ano eleitoral. Por ora, de mais importante, a pesquisa mostra que Bolsonaro perde para si mesmo quando fica sozinho no palco.

Em segundo lugar, o Datafolha mostra que os candidatos de terceira ou quinta via não fazem cócegas nos líderes da disputa, Lula e esse tipo que ocupa a cadeira de presidente.

A questão decorrente é o que Bolsonaro vai aprontar no desespero, caso a grande repulsa persista até meados do ano que vem. O governismo tem poucos recursos políticos decentes ou normais para reverter a situação.

À beira de 2022, 60% dos eleitores dizem que não votariam "de jeito nenhum" em Bolsonaro. Entre os mais pobres, com renda familiar menor do que dois salários mínimos, a rejeição é de 64%. Na região em que no momento causa menos repulsa, a Sul, a rejeição é de 54%. Caso vá para o segundo turno, Bolsonaro perde até para João Doria (46% a 34%), que marca apenas 3% ou 4% na votação de primeiro turno.

Lula (PT) e Doria (PSDB) são rejeitados por 34%. Sergio Moro (Podemos), por 30%.

Como a rejeição a Bolsonaro poderia diminuir (o que significa convencer mais pobres de que não é repulsivo)? O que fará se continuar tão derrotado lá por meados do ano que vem?

O governismo espera que o Auxílio Brasil dê alguns pontos a Bolsonaro. O fim do auxílio emergencial para uns 20 milhões de pessoas, porém, deve tirar outro tanto. No "tudo pelo social", tem quase nada mais a tirar da cartola.

Na melhor das hipóteses, a taxa de inflação deve diminuir, mas o estrago acumulado da carestia, não (não haverá aumento de salário relevante). Mais gente deve estar empregada no ano que vem, mas o crescimento do emprego será bem menor do que o deste 2021 e, na prática, muito ganho virá de bicos, outros improvisos e arranjos desesperados.

A conversa de Bolsonaro terá de ser a de costume: mentiras criminosas, propaganda caluniosa de conspiração comunista, contra a família, contra o "nosso grande Brasil" e acusações gerais de corrupção (mesmo que, até lá, apareça algum resultado dos processos sobre rachadinhas ou Bolsolão). A campanha imunda viria, claro, por meio de tentativas de fraudar os limites legais de uso das redes sociais.

Pode ser que a sujeira funcione. Considere-se ainda que haverá tentativas outras de triturar Lula na campanha, a não ser que o petista consiga fazer o seu acordo com o "centro". Por ora, tal arranjo se resume à tentativa de repetir o truque do "vice confiável" (Geraldo Alckmin). Mas, tanto para enfrentar a campanha e, muito mais sério, para governar, o acordo terá de ser muito mais amplo e fundamentado. O risco de naufrágio precoce de qualquer governo e do país, já em 2023, é enorme.

Enfim, pergunta que não é de todo gratuita, é possível que, em vez de Lula conseguir aliados, se forme uma coalizão contra o petista, com extrema-direita, com tudo?

No caso de continuar repugnante para a maioria, Bolsonaro iria até o fim? Acreditaria que poderia virar o jogo com alguma fraude digital ou revolta incitada contra seu adversário, mais provavelmente Lula? Mesmo se estiver à beira de nem ir para o segundo turno? Tentaria uma medida desesperada, uma confusão político-policial-militar qualquer, violência? Ou começaria a pensar que, derrotado, não é tão pequeno o risco de que ele, filhos e seus comparsas generais passem pelo menos uns dias na cadeia? Até Michel Temer, o "pacificador nacional", ficou um tempo de molho.

 

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