EDITORIAIS:
Quase na mesma
Folha de S. Paulo
Com Lula na frente e Bolsonaro estável,
Datafolha apura impacto restrito de Moro
A nova
pesquisa Datafolha indica que a entrada do ex-juiz Sergio Moro
na disputa presidencial acirra a concorrência na faixa da chamada terceira via,
mas não altera o cenário mais amplo que vem se repetindo nas últimas sondagens.
Novamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva lidera com folga as intenções de voto para o Planalto em 2022. O
petista, em cenário com Jair Bolsonaro (PL), Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT) e
João Doria (PSDB), tem a preferência de 48% do eleitorado —fatia que supera a
soma dos demais.
Bolsonaro permanece em segundo lugar, com
22%. O mandatário sofreu grande desgaste ao longo do ano e seu apoio vai se
reduzindo à base eleitoral mais ideológica e fiel.
Distantes dos dois protagonistas, surgem os
nomes que se acotovelam em busca de um lugar ao sol que possa eventualmente
levá-los a um segundo turno. Os resultados até aqui não são animadores para
esses postulantes.
Nesse pelotão, Moro, que experimentou um
momento de considerável exposição ao se filiar ao Podemos e se apresentar como
futuro candidato, não foi de todo mal ao marcar 9% das intenções. Resta saber
se e como poderá evoluir.
O veterano Ciro empata na margem de erro
com o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, com 7%. Já Doria colhe 4% das
intenções, percentual fraco em se tratando do governador do estado mais rico da
Federação —e nome que frequentou o noticiário de maneira positiva ao liderar
esforços pela imunização contra a Covid-19.
É sempre prudente sublinhar que a pesquisa reflete o momento em que se realiza. A dez meses do pleito, não pode ser vista como um desenho que se repetirá nas urnas.
Lula mantém elevado índice de rejeição
(34%), o mesmo de Doria; Moro não fica muito atrás: 30% descartam a hipótese de
votar nele.
Bolsonaro
lidera de longe nesse quesito negativo, com 60%, mas contará com a
máquina federal, incluindo o novo Auxílio Brasil, e as alianças fisiológicas no
Congresso para tentar recuperar terreno.
O líder petista alimenta a expectativa de
uma chapa com o ex-tucano Geraldo Alckmin —o que, em tese ao menos, poderia
ajudá-lo a construir uma imagem de candidato mais inclinado ao centro.
Não se veem sinais de que se repetirá em
2022 o fenômeno de negação da política tradicional observado em 2018. Por ora,
esboça-se uma clivagem socioeconômica nas intenções de voto, com maior apoio da
população de baixa renda e menor escolaridade a Lula, também favorito no
Nordeste.
Restam pela frente um delicado debate
programático, ainda incipiente, e a exploração dos não poucos aspectos
controversos nas trajetórias dos principais candidatos.
Trancos e barrancos
Folha de S. Paulo
STF e Anvisa tomam decisões certas, e
Bolsonaro ainda sabota política sanitária
Até um indicado pelo governo Jair Bolsonaro
(PL) ao Supremo Tribunal Federal consegue tumultuar a gestão da pandemia. Nesta
quinta (16), o ministro Kassio Nunes
Marques manobrou para interromper um julgamento em que já havia
ampla maioria a favor da exigência do passaporte da vacina contra a Covid-19
para a entrada no país.
Ao que parece, a norma, já imposta antes
por liminar, permanecerá em vigor. Entretanto restam dúvidas em torno da
execução da medida que não podem ser respondidas por magistrados.
O governo prossegue na sabotagem dos
esforços para o controle do vírus, enquanto instituições, unidades da Federação
e órgãos de Estado fazem sua parte —como a Anvisa, que autorizou a
aplicação do imunizante da Pfizer em crianças a partir dos 5
anos de idade.
Por mais que a queda dos números de novos
casos, internações e mortes mereça comemoração, precauções ainda são
necessárias. Transcorridos dois anos da Covid-19, a versatilidade do
coronavírus não cessa de surpreender. Neste momento é a variante ômicron que
põe o mundo em prontidão.
No alto das preocupações está a celeridade
com que a cepa se dissemina, sem precedentes. A Organização Mundial da Saúde
tem registro de sua presença em 77 países, inclusive no Brasil, apenas um mês
depois dos primeiros casos detectados em Botsuana e África do Sul.
Essa rápida transmissão se dá mesmo em
países com boa parte da população imunizada com duas doses. Há indícios, porém,
de que uma terceira dose de reforço conseguiria combater a variante.
Quanta à gravidade da síndrome respiratória
desencadeada pelo vírus modificado, permanece alguma incerteza. Uma primeira e
isolada morte se confirmou no Reino Unido, mas é prematuro concluir que a
variante seja de fato mais benigna, como parece ser o caso.
O ensinamento a extrair se mostra o mesmo
de quando surgiram as outras variantes: na dúvida, prevalece o princípio da
precaução.
Por aqui não temos vigilância genômica
decente. Não mais de dois terços da população tomaram duas doses. O ministro da
Saúde foi picado pela mosca azul eleitoral. Sua pasta está refém de hackers, e
até estatísticas fundamentais perdem em agilidade e confiança.
O presidente continuará a combater vacinas
e máscaras —em busca de agradar à parcela minoritária do eleitorado que pode
levá-lo ao segundo turno da eleição.
Paulo Guedes contra o FMI
O Estado de S. Paulo.
Como Bolsonaro, o ministro da Economia demonstra dificuldade para aceitar críticas e para entender o valor de entidades multilaterais
Ministro quer mostrar um Brasil próspero
que só existe nas suas fantasias.
O ministro da Economia, Paulo Guedes,
conseguiu superar com folga a esquerda mais folclórica, aquela do “fora, FMI”.
Hostilizado pelo ministro, o Fundo Monetário Internacional anunciou a decisão
de fechar seu escritório de representação em Brasília. “Estamos dispensando a
missão do FMI”, declarou Guedes durante encontro com empresários na sede da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Dissemos para eles
fazerem previsões em outro lugar”, acrescentou. Previsões sombrias têm sido
rejeitadas pelo ministro, empenhado em mostrar ao mundo um Brasil próspero e
bem ajustado, só existente em suas fantasias. Mas o limite parece ter chegado
quando Ilan Goldfajn, economista respeitado dentro e fora do País, foi nomeado
para um importante cargo no Fundo, a direção do Hemisfério Ocidental.
Ex-presidente do Banco Central (BC), Ilan
Goldfajn ocupa atualmente a presidência do Conselho do Crédit Suisse e assumirá
o novo posto no próximo ano. Geralmente discreto, suas opiniões continuam sendo
ouvidas e registradas com interesse. Serão necessários, disse ele recentemente,
pelo menos dois anos de muito trabalho para reconduzir a inflação à meta.
“Passamos os últimos dois anos com incertezas fiscais, econômicas, políticas e
institucionais. Um dia a conta vem”, comentou no começo do mês em entrevista ao
Estadão/Broadcast.
“Ilan também tem o direito de criticar”,
disse Guedes em sua fala na Fiesp. “Mas, já que tem um brasileiro que critica o
Brasil indo para o FMI, ele não precisa mais ficar aqui”, completou o ministro,
um tanto confusamente. Ninguém criticou “o Brasil”. Goldfajn falou sobre a
incerteza fiscal, o rompimento do teto e a inflação distante da meta, fatos
conhecidos, inegáveis, incorporados nos cálculos do mercado e refletidos na
instabilidade cambial. Dólar acima de R$ 5,60 é um dos efeitos dessa desordem e
da insegurança quanto à evolução das contas públicas. São façanhas atribuíveis
ao presidente da República e a sua equipe, com destaque para o ministro da
Economia.
Guedes ainda se refere a um erro de
previsão para sustentar seu discurso contra o FMI. No ano passado, o Fundo
chegou a estimar para a economia brasileira uma queda de 9,1%, mais que o dobro
da perda registrada, meses depois, nas contas oficiais (4,1%). Houve um erro,
de fato, mas alguns meses depois os técnicos do FMI começaram a rever seus
números. Para este ano a projeção divulgada em outubro indica expansão de 5,2%,
parecida, naquele momento, com a do mercado. As novas estimativas correntes no
setor financeiro, no entanto, já estão abaixo de 5%. Para 2022 o Fundo ainda
prevê para o Brasil uma expansão de 1,5%, bem superior às do mercado, próximas
de 0,5%.
Ao contrário de Guedes, economistas do
setor privado, de escolas e de entidades internacionais, como o FMI, o Banco
Mundial e a OCDE, costumam rever suas contas e avaliações. Todas essas
instituições têm um currículo de serviços importantes à comunidade internacional.
O FMI, por exemplo, ajudou cerca de 90 governos a enfrentar os efeitos
econômicos e sociais da pandemia, desde o ano passado.
Não por acaso essas organizações são
valorizadas por governos de países de todos os grupos. A maior fatia de capital
do FMI é controlada pelos Estados Unidos. A segunda maior, pelo Japão; a
terceira, pela China. A da Rússia, bem abaixo na lista, supera a do Brasil. A
maior parte dos países-membros do FMI compõe grupos, para somar suas cotas e
aumentar seu poder de voto. Líder de um desses grupos, o Brasil ocupa um
assento na diretoria executiva, órgão política e administrativamente
importante.
Em várias ocasiões o governo brasileiro
recorreu à instituição para enfrentar dificuldades cambiais e fiscais, mas
conseguiu dispensar essa ajuda nas últimas duas décadas. Isso de nenhum modo
reduz a importância do Fundo ou de outra instituição multilateral. Americanos,
alemães e chineses sabem disso. Guedes, como seu chefe Bolsonaro, parece ter
dificuldade para perceber o valor da ordem e da cooperação internacionais.
Procurador-geral de quem?
O Estado de S. Paulo.
Decisão de Moraes de abrir investigação
contra Bolsonaro expõe a letargia da Procuradoria-Geral da República quando se
trata de apurar a conduta do presidente
Em recente decisão, o ministro Alexandre de
Moraes acolheu requerimento da CPI da Pandemia para instauração de inquérito
contra o presidente Jair Bolsonaro. O requerimento noticia que, em uma de suas
“lives”, o presidente associou a vacina contra a covid-19 ao vírus da aids. O
requerimento também pede a suspensão do acesso de Bolsonaro às redes sociais,
afirmando a existência de indícios de autoria, pelo presidente, dos crimes de
epidemia e infração de medida sanitária.
A abertura do inquérito foi determinada por
Alexandre de Moraes, apesar das manifestações em contrário da Advocacia-Geral
da União, representando Bolsonaro, e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A Procuradoria, como se sabe, é chefiada por Augusto Aras, a quem cabe oferecer
denúncia contra o presidente pela prática de crimes comuns.
Como também se sabe, Augusto Aras foi
pinçado por Bolsonaro a quilômetros de distância da lista tríplice submetida ao
presidente pelo Ministério Público (MP). Bolsonaro não era obrigado a escolher
alguém da lista, de resto uma reivindicação corporativa do Ministério Público
transformada em estranha tradição. No entanto, a escolha recaiu sobre Aras
porque, segundo o próprio presidente declarou, o procurador-geral desempenharia
o papel de “rainha” no tabuleiro de xadrez de seu governo – ou seja, seria a
peça mais poderosa na defesa da administração e no ataque aos desafetos.
E Aras não decepciona. Além de resistir a
um sem-número de iniciativas incômodas ao presidente, frequentemente chancela
aquelas a que Bolsonaro é simpático. A quem o critica, Aras alega que atua nos
limites do Direito e que não é instrumento de peleja política. Sem corar.
Mas pode ser que, com a recente decisão de
Alexandre de Moraes, essa desenvoltura do procurador-geral não mais baste. É
que o ministro fez questão de registrar em sua decisão, primeiro, que uma coisa
é a exclusividade do Ministério Público para a promoção da ação penal
(pública), e outra é a investigação que a antecede, que independe da iniciativa
do MP.
Além disso, para Moraes, “não há dúvidas de
que as condutas noticiadas do presidente, no sentido de propagação de notícias
fraudulentas acerca da vacinação contra a covid-19, utilizam-se do modus
operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais”. Daí a
necessidade de adoção de medidas que elucidem os fatos investigados,
“especialmente diante da existência de uma organização criminosa” identificada
no inquérito das fake news contra o Supremo.
Moraes afirma, portanto, a interdependência
entre o inquérito recém aberto contra Bolsonaro e as investigações que têm por
objeto a disseminação de fake news, o que parece ser uma preparação do Supremo
para o que virá na eleição presidencial do ano que vem – eleição que terá
Moraes como presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
A essa presteza do STF, opõe-se a letargia
da Procuradoria-Geral da República, que se limita a abrir procedimentos
investigatórios preliminares, os quais, sem nenhum controle externo, relaxam na
gaveta infinita de Aras.
Isso aparentemente foi detectado por
Alexandre de Moraes. Como se extrai da sua decisão, uma coisa é a exclusividade
do Ministério Público para a promoção da ação penal, outra é “o dever do Poder
Judiciário de exercer sua atividade de supervisão” da atuação do MP.
Daí não bastar, como disse Alexandre de
Moraes à Procuradoria-Geral, “a mera alegação de que os fatos já estão sendo
apurados internamente”. A supervisão a ser exercida pelo Supremo impõe que a
PGR apresente documentos que detalhem as investigações que o Ministério Público
diz estar conduzindo.
A PGR, ao invés de apresentar o
procedimento, preferiu apresentar um recurso contra a decisão de Moraes. A
resposta do ministro foi dura: a PGR pode recorrer da decisão, mas não pode
descumpri-la, o que, como lembrou Moraes, constituiria desobediência a uma
ordem judicial e obstrução de justiça.
O Supremo, em suma, quer ver o que o
procurador-geral está fazendo e também – o mais importante – o que não está
fazendo.
Foi atropelo mandar prender condenados por
incêndio da Kiss
O Globo
É compreensível o afã do ministro Luiz Fux,
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em acelerar o cumprimento das
penas dos condenados pelo incêndio da boate Kiss, que matou 242 pessoas em
2013. O caso levou nove anos até ir a julgamento, numa sucessão de manobras
protelatórias que a legislação penal brasileira oferece aos réus. O tribunal do
júri julgou culpados os quatro acusados pelo incêndio, mas um habeas corpus
(HC) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) permitiu que
recorressem em liberdade. Fux suspendeu o HC por meio de uma liminar, atendendo
a um mandado de segurança do Ministério Público gaúcho.
A percepção de impunidade e de que a
Justiça brasileira demora a agir é um sentimento legítimo, ainda mais num caso
que gerou tamanha comoção. Apesar disso, não justifica a decisão de Fux. O
entendimento do próprio STF a respeito da execução de penas, mesmo em casos
julgados pelo tribunal do júri, estabelece que só comecem a ser cumpridas uma
vez esgotados os recursos à disposição dos réus (no jargão, quando a sentença
“transita em julgado”).
Não cabe ao presidente do Supremo tentar
acelerar o cumprimento da pena num caso particular que nem foi submetido ao
tribunal, por mais que a decisão lhe pareça justa. Se e quando o caso chegar ao
STF pelos caminhos adequados, a decisão caberá ao colegiado. Vale lembrar a ministra
Rosa Weber, que, apesar de discordar das prisões após a decisão em segunda
instância, sempre respeitou em seus votos essa jurisprudência do tribunal
quando estava em vigor. Até a sessão em que o plenário voltou a debater a
questão, quando ela deu o voto de desempate em favor da execução de penas só
após o trânsito em julgado (hoje vigente).
Naquela sessão havia uma sugestão — do
ministro Dias Toffoli — para que se abrisse uma exceção para os casos decididos
na terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou por júri. Ela
foi derrotada. Depois disso, a Lei Anticrime de 2019 incluiu um dispositivo
determinando a execução imediata das penas superiores a 15 anos quando houver
uma decisão de júri. Fux invocou essa lei em sua decisão. Mas tramita no STF um
recurso que contesta a constitucionalidade desse dispositivo, pelo conflito com
o entendimento em vigor (o julgamento está suspenso por um pedido de vista do
ministro Ricardo Lewandowski). Em tal contexto, Fux deveria ter sido mais
cauteloso.
Para poder decidir no caso da Kiss — um HC
cujo mérito nem havia sido submetido ao STF —, ele aplicou uma lei de 1992
feita para proteger o Estado do festival de liminares em ações de Direito
Público (como suspensão do pagamento de impostos ou contribuições). O uso dessa
lei numa ação penal é questionável e abre precedentes insondáveis. O
procedimento recomendável seria Fux ter aguardado o momento próprio para o STF
se manifestar. Ele atropelou instâncias e o entendimento do próprio Supremo.
Não quer dizer que seja o melhor
entendimento para a sociedade — certamente não é. Mas os caminhos para revê-lo
passam pelo plenário ou pela PEC da Segunda Instância que tramita no Congresso.
Com sua decisão, Fux forneceu mais argumentos aos críticos do açodamento e do ativismo
judicial. Na certa haverá recurso, e o plenário deverá examiná-lo,
provavelmente na volta do recesso. Faria bem em rever a decisão, para o bem da
estabilidade nas regras e da segurança jurídica no Brasil.
É inadmissível demora do governo para sanar
apagão de dados no SUS
O Globo
É inconcebível que, em uma semana, o governo
não tenha sanado o apagão de dados nos sistemas do Ministério da Saúde. É como
se não fosse prioridade para a pasta pôr fim aos transtornos que afetam milhões
de brasileiros. Na sexta-feira da semana passada, um ataque digital derrubou a
plataforma ConecteSUS, que armazena o histórico de vacinação dos cidadãos,
inclusive contra a Covid-19. O serviço é usado para comprovar a imunização em
lugares que exigem apresentação do passaporte sanitário. Ontem quem acessava a
plataforma deparava com a informação: “Aguarde até dez dias úteis para que seu
registro de vacina apareça no ConecteSUS”.
Não é a primeira vez que apagões de dados
prejudicam a rotina de acompanhamento da Covid-19. Em agosto, uma mudança nos
critérios de registro de testes positivos da doença, feita sem discussão com
estados e municípios, afetou a transparência das informações. De uma hora para
outra, a pasta passou a exigir que número de lote e fabricante dos testes de
Covid-19 constassem nos registros efetuados pelas secretarias de Saúde, provocando
atraso desnecessário nas notificações e distorção na sequência dos dados.
Desta vez, o apagão não atinge apenas o
ConecteSUS. Afeta os registros sobre casos, mortes e vacinação nos estados. Na
quarta-feira, Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins não informaram os dados
devido aos problemas. Com estatísticas incompletas, análises sobre a evolução
da doença ficam prejudicadas. O Ministério da Saúde tem dito que espera
restabelecer tudo até o fim de semana. É tempo demais.
Os dados do ConecteSUS são importantes para
comprovar a vacinação, por mais que o governo Bolsonaro rechace a
obrigatoriedade da vacina. O certificado é exigido por prefeituras, estados e
empresas como forma de incentivar a imunização e aumentar a segurança dos
cidadãos, como acontece em vários países. É ferramenta essencial também para
embarque nos aeroportos.
Na quarta-feira, ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) formaram maioria para confirmar decisão do ministro Luís
Roberto Barroso que determinara a exigência do passaporte sanitário para
viajantes que chegam ao país. Embora a medida já esteja em vigor, ainda carece
de uma portaria interministerial. Espera-se que a demora em publicá-la seja
apenas questão técnica.
Fez bem o STF em agir com base na ciência.
A decisão do governo de permitir a entrada de viajantes não vacinados desde que
cumprissem quarentena era temerária, por ser de difícil aplicação.
Especialmente num momento em que a variante Ômicron se espalha. Estados e
municípios já tinham deixado claro que não teriam como fiscalizar o cumprimento
das normas.
A decisão do STF sobre o passaporte
sanitário reforça a necessidade de o Ministério da Saúde restabelecer quanto
antes o funcionamento do ConecteSUS. É impensável que brasileiros que chegam ao
país tenham de recorrer a documentos de papel para comprovar a vacinação quando
o mundo inteiro usa o passaporte digital.
Relatório de inflação do BC tangencia
aperto monetário
Valor Econômico
São grandes as incertezas em ano eleitoral,
com um governo que desdenha austeridade
O Relatório de Inflação do Banco Central de
dezembro deixa no ar dúvidas sobre os rumos do ciclo de aperto monetário “mais
contracionista” do que o do cenário básico em 2022 e 2023, o horizonte
relevante. As projeções que constam do cenário do BC são as mesmas que as da
ata do Comitê de Política Monetária e nelas, uma Selic de 11,75% seria
suficiente para trazer a inflação de 2023 à meta (3,25%). Uma das hipóteses,
olhando os números, é que o BC provavelmente não elevará os juros além disso,
ou os elevará marginalmente. Mas é provável que os juros serão reduzidos mais
lentamente do que a queda do IPCA permitiria, dando margem de segurança à
autoridade monetária para não estourar o teto da meta pela segunda vez
consecutiva.
O relatório indica que mesmo com juro de
11,75%, a possibilidade de a inflação ultrapassar o limite superior da meta em
2022 é elevada, de 41%. Já para 2023, a chance é muito menor e, o que é
significativo, é praticamente igual tanto para superar o teto quanto para furar
o piso (13% e 15%, respectivamente). Não parece conveniente, à primeira vista,
levar a meta Selic muito além daí, bastando conservar o juro mais elevado por
mais tempo durante o ano que vem.
É um nível respeitável de aperto. Com
11,75% no horizonte, no segundo trimestre de 2022 a taxa de juros real atingirá
6,3%, acima da taxa neutra de 3,5% (revista, 3% era o nível anterior). Ainda
que o cenário básico preveja declínio a partir de outubro, para encerrar o ano
com Selic a 11,25%, o hiato do produto (uma medida da diferença entre o
crescimento atual em relação ao potencial) subiria dos atuais -1,7% para -2,1%
ao final de 2022. O Banco Central reviu sua projeção para o Produto Interno
Bruto do ano que vem de 2,1% para 1%.
A Selic de 11,75% será fortemente
contracionista no segundo trimestre porque o BC está indo mais rápido no
reajuste da taxa nominal do que o aumento observado nas expectativas de
inflação. “Em outras palavras”, observa o relatório, “o deslocamento da curva
de juros nominal da pesquisa Focus também significou elevação da taxa de juros
real”. O ritmo acelerado de aumento dos juros, no entanto, que em tese busca um
aperto monetário maior em um período menor de tempo em relação a outras
possíveis trajetórias, não parece estar de acordo com um aperto “mais
contracionista” durante 2022 e pelo menos parte de 2023.
Porém, mesmo no cenário básico, segundo o
relatório, em que da taxa real de juros começa a cair a partir do terceiro
trimestre de 2022, ela mesmo assim “fica acima da taxa real neutra no horizonte
considerado”, ou seja, é contracionista em algum grau. A dúvida então é quão
“mais contracionista” o ciclo de aperto precisa ser para satisfazer a política
mencionada na ata do Copom?
Mesmo com a revisão da taxa de crescimento
para 1%, o BC está razoavelmente acima das projeções de mercado, de 0,5% com
viés de baixa, enquanto que aumentou o número de bancos e consultorias que
preveem recessão ou estagnação. Isto é, as projeções privadas, que tem norte em
11,75%, imaginam uma retração maior do PIB do que o BC, que prevê um
crescimento maior mantendo um aperto “mais contracionista”.
Entre ser “mais contracionista” e “deverá
ser mais contracionista” da ata há a menção às expectativas inflacionárias, que
terão de voltar a estar alinhadas com as da autoridade monetária. Este tom mais
duro cumpre a função de agir sobre elas, ao mostrar a intenção do BC de que
fará o que for preciso para trazer a inflação de volta à meta. A comunicação do
BC teve que ser feita sem rodeios, não só porque a inflação passou dos dois
dígitos, mas também porque sua credibilidade está em jogo, com mais críticas de
que o banco teria ficado muito “atrás da curva”.
O BC cortou caminho aumentando várias vezes
o ritmo de alta, de 0,75 ponto para 1 ponto e depois, 1,5 ponto percentual, com
objetivos diferentes - dos suaves forward guidance e “normalização parcial”, à
normalização total, depois juro no terreno contracionista e significativamente
contracionista, até o estágio atual.
Ao acrescentar a reancoragem, o BC terá de
vencer a batalha das expectativas, expressas, entre outras, no Focus. Como esse
trabalho é demorado, é possível que o BC tenha de passar do compromisso verbal
à ação - mas talvez não. A inflação ainda estará perto dos dois dígitos em
fevereiro (9,9% pelo relatório) e em 8,2% ainda no segundo trimestre. São
grandes as incertezas em ano eleitoral, com um governo que desdenha
austeridade.
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