sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia - Editoriais / Opiniões

 

EDITORIAIS

É inaceitável haver ingerência política nas instituições

O Globo

São graves as denúncias de servidores e ex-servidores do Ministério da Justiça sobre pressões dos altos escalões do governo no processo para a extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Já havia indícios de intervenção, suscitados por exonerações de funcionários envolvidos com o caso, cujas condutas desagradaram ao Planalto. Agora os desmandos foram descritos e consignados no inquérito da Polícia Federal (PF) que investiga se houve tentativa do governo de obstruir o procedimento.

A delegada da PF Silvia Amélia Fonseca de Oliveira, ex-diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), subordinado ao Ministério da Justiça, relatou à PF ter recebido telefonema do brigadeiro Antonio Ramirez Lorenzo, chefe do gabinete do ministro da Justiça, Anderson Torres, pedindo informações sobre o caso do blogueiro. Estava de férias e encaminhou o pedido à substituta, Priscila Campelo. Priscila disse ter sido informada por Lorenzo de que o ministro queria detalhes sobre o fluxo do processo.

Silvia Amélia contou ainda que o secretário nacional de Justiça, Vicente Santini, amigo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, mencionara que a falta de informação sobre o caso causara desconforto ao ministro Torres e a ele próprio. Santini determinou então que todos os processos de extradição passassem por ele. À PF, argumentou que não tentou interferir e que sua intenção era dar cumprimento à decisão judicial. Mas funcionários disseram ter sido a primeira vez em que superiores hierárquicos pediram informações, cópias de documentos e tentaram intervir numa extradição. As digitais do Planalto ficaram evidentes também na exoneração de Silvia Amélia e da chefe da Assessoria Especial Internacional do Ministério da Justiça, Georgia Sanchez Diogo, envolvidas no processo.

Em que pese a indiscutível competência da PF para apurar o caso, não deixa de ser uma situação insólita, na medida em que a própria PF tem sido alvo das investidas políticas do Palácio do Planalto. Uma dessas tentativas de ingerência levou o então ministro da Justiça, Sergio Moro, a pedir demissão. Nos últimos meses, essa polícia de reconhecida capacidade técnica lamentavelmente tem capitulado diante dos desígnios ideológicos do Planalto.

Como mostrou reportagem do GLOBO, a atual gestão da PF tem exonerado de postos-chave um delegado por mês. Um dos casos rumorosos foi o de Alexandre Saraiva, que caiu em desgraça após acusar o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de atrapalhar investigações sobre extração ilegal de madeira. Foi exonerado e transferido do Amazonas ao Rio de Janeiro.

Impressiona o empenho do Planalto em favor do blogueiro Allan dos Santos, investigado pelo STF por disseminação de desinformação e atos antidemocráticos e hoje foragido nos Estados Unidos. O que chama a atenção mesmo nas pressões sobre funcionários do Ministério da Justiça é como Bolsonaro submete as instituições de Estado a sua ideologia. Infelizmente o cerco não se restringe ao Ministério da Justiça ou à PF. É inaceitável que, num Estado Democrático de Direito, instituições que deveriam servir à sociedade e ao país sejam capturadas pelo inquilino do Planalto para atender a seus projetos políticos.

IPO do Nubank mostra caminho promissor para economia brasileira

O Globo

A estreia do Nubank na Bolsa de Valores de Nova York foi histórica. O banco digital com sede em São Paulo passou a ter o maior valor de mercado entre todos os bancos listados da América Latina, superior aos de Itaú e Bradesco. A oferta pública inicial de ações — ou o IPO, na sigla em inglês — da empresa criada em 2013 pelo colombiano David Vélez, pela brasileira Cristina Junqueira e pelo americano Ed Wible foi a segunda maior do mundo neste ano, na categoria das fintechs (startups da área financeira).

Se o Nubank fosse um caso de destaque isolado, já seria digno de nota. Mas não é. Trata-se do exemplo mais vistoso de um conjunto de empresas brasileiras, muitas delas ainda estudando o melhor momento de estrear no mercado de ações. O sucesso desse grupo é de imenso significado para a economia do país. As startups digitais fazem parte da vanguarda do que se convencionou chamar de economia do conhecimento. Nascem, crescem — e, muitas vezes, morrem — movidas pelo talento dos fundadores e pelo senso de oportunidade dos investidores (daqueles que fornecem o capital semente aos que compram as ações na Bolsa).

É óbvio que o Brasil e a América Latina como um todo continuam a ter papel periférico na revolução digital. Também é evidente que o recente aumento do interesse de fundos estrangeiros pela região é influenciado pelo que acontece noutras partes do mundo. Os Estados Unidos concentram 49% dos investimentos em capital de risco. A China chegou a atrair 37% , mas, desde que o governo passou a pesar a mão contra o setor de tecnologia, investidores estrangeiros começaram a buscar oportunidades noutros lugares.

No momento em que se comemoram exemplos bem-sucedidos como o Nubank, o governo deveria fazer um exame de como tem agido para criar no Brasil essa cultura de risco capaz de gerar riqueza. Não se deseja mais a adoção de políticas de campeões nacionais ou a proteção do mercado local, que repetidas vezes se mostraram perniciosas no caso da indústria (e, ainda assim, continuam a ser defendidas por candidatos à Presidência).

O papel do governo precisa ser outro. Empresas de conhecimento não dependem de grandes investimentos em máquinas ou equipamentos. Dependem de um ambiente propício aos negócios e de mão de obra criativa e qualificada. Ao mudar as regras no sistema bancário, o Banco Central aumentou a concorrência e permitiu o nascimento das fintechs. Olhando para a frente, uma das metas deveria ser um plano para que mais jovens possam participar da economia do conhecimento. Educação de baixa qualidade é uma barreira inaceitável num país que precisa construir seu futuro. É urgente disseminar as habilidades demandadas por setores dinâmicos. Nem todos serão os novos Vélez, Cristinas ou Wibles, mas milhões poderão ganhar a vida na cadeia produtiva das empresas digitais.

Sem leniência

Folha de S. Paulo

BC acerta ao não tergiversar sobre a inflação, mas há mais fatores a considerar

Com um comunicado incisivo, o Banco Central subiu novamente a taxa básica de juros em 1,5 ponto percentual, para 9,25% ao ano. A preocupação com os repetidos ataques às contas públicas e a renitente tendência altista das expectativas de inflação foram as justificativas, mesmo num contexto de clara desaceleração econômica.

A contundência da autoridade monetária não pode ser considerada extemporânea, pois o quadro de fato é preocupante. As projeções para o IPCA chegam a 10,2% neste ano e 4,7% em 2022, muito acima da meta de 3,5% —o cenário utilizado pelo BC considera que a taxa Selic subirá até 11,75%, caindo a 11,25% no final do próximo ano.

Mesmo que não se chegue a tanto, já está configurado o maior aperto monetário em mais de duas décadas, considerando a variação em pontos percentuais, o que reforça os riscos recessivos adiante.

Os sinais de piora na atividade já são evidentes. No terceiro trimestre, o Produto Interno Bruto caiu 0,1%, e as expectativas mais comuns entre analistas de mercado já apontam para crescimento abaixo de 1% em 2022, o que não exclui projeções de retração.

Diante da absoluta incúria do governo Jair Bolsonaro, que patrocina uma farra com dinheiro público com objetivos eleitorais, o país se vê com poucos instrumentos para conter as pressões de preços e retorna aos juros escorchantes.

A piora na gestão do Orçamento, resultante da aprovação da proposta de emenda constitucional que altera o teto de gastos e dá um calote nas dívidas judiciais, é o que eleva as expectativas de inflação.

Com mecanismos de indexação operantes como sempre, os repasses aos preços tendem a ser rápidos e persistentes, dificultando a tarefa de trazer o IPCA de volta à meta.

Há atenuantes, por certo. Nas últimas semanas houve queda das cotações de commodities. O índice de preços no atacado recuou 0,6% em novembro, e tal dinâmica poderá em breve chegar ao varejo.

Outros fatores são a desaceleração da demanda, que poderá conter altas nos serviços e outros itens. Por fim, há possibilidade de algum arrefecimento em combustíveis e energia, dois vilões no ano.

São sinais incipientes de que o BC poderá em breve retomar o controle da inflação, o que recomenda cautela nas próximas deliberações. Com a Selic próxima dos dois dígitos, menos dinamismo interno e possível acomodação global da demanda por matérias-primas e bens de consumo, é preciso dar mais peso à letargia da atividade.

Ancorar as expectativas em torno das metas é fundamental, mas a esta altura também se mostra relevante considerar os impactos da desaceleração do crescimento econômico na evolução dos preços.

Ainda a 2ª instância

Folha de S. Paulo

Congresso deveria superar politização excessiva e restabelecer execução de pena

O Supremo Tribunal Federal provocou nos últimos anos grande tumulto jurídico —e político— em torno da possibilidade de execução de penas após condenação pela segunda instância do Judiciário.

Foi em 2009 que a mais alta corte do país decidiu que a prisão de condenados só seria possível com o trânsito em julgado, isto é, quando não houvesse mais nenhuma possibilidade de recurso.

Esse entendimento mudou em 2016, num período em que revelações estarrecedoras de corrupção mobilizavam a opinião pública e as instituições. Naquele ano, por margem mínima de 6 votos a 5, os ministros do STF estabeleceram que a pena poderia ser executada a partir da segunda condenação.

Apenas três anos depois, em 2019, nova reviravolta, mais uma vez pelo placar de 6 a 5 e com mudanças nas posições dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

O vaivém da jurisprudência recomenda que o Congresso Nacional dê contornos mais claros e duradouros à questão —idealmente, com a aprovação de uma emenda constitucional capaz de resistir a questionamentos jurídicos.

É o que se pretende fazer com a PEC 199/19, cujo texto restabelece a prisão de condenados em segunda instância. A proposta deveria ter sido votada em comissão especial da Câmara dos Deputados na quarta-feira (8), mas partidos diversos operaram para trocar seus membros no colegiado, o que levou ao adiamento da sessão.

Não se ignora que o debate do tema esteja contaminado por politização excessiva. Do PT ao centrão governista, são muitas as forças que associam a PEC a excessos persecutórios, reais, originados na Lava Jato. Os ânimos se acirram, ademais, com a perspectiva de candidatura presidencial do ex-juiz Sergio Moro, apologista da medida.

Más motivações podem existir de todos os lados —e será generalização tosca atribuir toda a resistência à proposta a interesses inconfessáveis. O fato, entretanto, é que se está diante de uma oportunidade de progresso institucional.

O objetivo da proposta é correto. A execução da pena após a segunda instância segue práticas prevalentes nas democracias desenvolvidas, sem eliminar a chance de recurso a cortes superiores.

Já a experiência brasileira ensina que a norma atual favorece sobretudo os acusados que dispõem de recursos, influência e conhecimento para retardar o andamento dos processos até a impunidade.

Jogo pesado contra a inflação disparada

O Estado de S. Paulo.

Banco Central eleva juros para conter a inflação e evitar a ‘desancoragem’, mas efeitos sobre a política presidencial são incertos

Banco Central eleva juros para conter a inflação e evitar a “desancoragem”, mas efeitos sobre a política presidencial são incertos.

Omaior choque de juros dos últimos 20 anos continuará até a inflação ceder e as expectativas do mercado se acomodarem, promete o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Recém-elevada para 9,25%, a taxa básica de juros deve chegar a 10,75% em fevereiro e seguir em alta ao longo de 2022, agravando as condições de uma economia já estagnada e sem rumo. Assustador para empresários, investidores e consumidores, o recado deveria ser levado muito a sério pelo presidente Jair Bolsonaro e seus acólitos. Um cenário menos sombrio, menos inseguro e menos sujeito à desordem dos preços depende principalmente de um poder federal menos irresponsável, mais voltado para as funções de governo e, tanto quanto possível, mais competente.

A piora das condições externas e internas é claramente apontada no informe do Copom, divulgado na quarta-feira, depois da última reunião. Bancos centrais das maiores economias mostram-se cautelosos diante da inflação persistente e podem apertar suas políticas. Além disso, a variante Ômicron torna mais incerta a recuperação dessas economias.

Internamente, a evolução econômica tem ficado abaixo da esperada, ao contrário da inflação, superior à prevista. No cenário básico, as projeções apontam inflação em torno de 10,2% em 2021, 4,7% em 2022 e 3,2% em 2023, sempre acima, portanto, das metas oficiais. Pelas previsões do mercado, poderiam ter acrescentado os autores do informe, a alta de preços deve bater no limite de tolerância do próximo ano, 5%, ou superá-lo ligeiramente.

Diante da piora das expectativas, o Copom se dispõe, de acordo com a nota, a buscar dois objetivos: conduzir a inflação à meta e restabelecer a confiança no sucesso da política monetária. “O comitê irá perseverar em sua estratégia”, segundo o informe, “até que se consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.” É preciso, avalia o Copom, eliminar o “risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos”.

Surgida recentemente no debate econômico e usada também pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, a palavra “desancoragem” aparece agora na linguagem do Copom. Têm subido as taxas de inflação estimadas, no mercado, também para 2023 e 2024, os dois primeiros anos do próximo período presidencial. Se essas previsões se confirmarem, quem assumir a Presidência em 2023 passará boa parte de seu mandato cuidando de estragos deixados pela atual administração.

Para enfrentar o duplo desafio – inflação muito alta e expectativas muito ruins –, o aperto monetário deverá avançar “significativamente em território contracionista”, segundo o comunicado. Por isso o comitê já indica para a próxima reunião, prevista para fevereiro, mais um ajuste de 1,5 ponto porcentual, deixando aberta a perspectiva de novos aumentos durante o ano. A taxa básica deverá estar em 11,25% no fim de 2022, segundo projeção do mercado registrada na pesquisa Focus divulgada na última segunda-feira. A mesma pesquisa indica inflação de 5,02% no próximo ano e crescimento econômico de apenas 0,51%.

Um aperto maior da política monetária poderá entravar os negócios, dificultar a recuperação do emprego e comprimir o consumo, impondo um freio à elevação de alguns preços. O custo econômico e social dessa política será considerável. Mas poderá ser nulo seu efeito sobre alguns dos principais fatores inflacionários, como a política presidencial e a insegurança das finanças públicas, especialmente num período de eleições.

“Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o comitê avalia que questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevam o risco de desancoragem das expectativas de inflação”, adverte o Copom. Por enquanto, isso enriquece o currículo do presidente Jair Bolsonaro e de seu atencioso ministro da Economia, Paulo Guedes. A palavra “desancoragem” nunca havia sido usada oficialmente para descrever os efeitos da complacência, da temeridade e da irresponsabilidade no manejo das finanças públicas.

A desmoralização da República

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro caminha a passos largos para conseguir o que outros sonharam, mas jamais chegaram tão longe: ter uma polícia para chamar de sua

Na indecorosa reunião ministerial havida em 22 de abril de 2020 no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro, na linguagem chula que lhe é tão característica, afirmou que não esperaria a Polícia Federal (PF) prejudicar (o termo empregado foi outro, impublicável) a sua família para intervir na instituição, vale dizer, para transformar a PF em sua guarda pretoriana. “Eu vou intervir”, disse Bolsonaro. “Ponto final. Não é ameaça. Não é extrapolação de minha parte. É uma verdade.” E assim ele tem feito, com insistência e desassombro inauditos.

Para atender aos interesses particulares de Bolsonaro, departamentos da PF foram mobilizados para dificultar o processo de extradição do blogueiro Allan dos Santos, um dos principais líderes da milícia digital que atua em favor do presidente – e à margem das leis e da decência – nas redes sociais. O blogueiro é tão próximo do presidente e de um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que é tratado como membro da família. Contra ele há um mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Allan dos Santos está escondido nos Estados Unidos e, desde outubro, é considerado foragido da Justiça.

Em depoimento prestado à própria PF no âmbito do inquérito que apura a atuação das milícias digitais, Silvia Amélia Fonseca de Oliveira, exonerada há poucos dias do cargo de diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) da instituição, relatou ter sofrido “pressões e assédio” da cúpula do Ministério da Justiça, em particular do secretário nacional de Justiça, Vicente Santini, para “embaraçar” a extradição de Allan dos Santos e, consequentemente, evitar a sua prisão. Outros três servidores graduados do DRCI corroboraram os relatos da delegada. Segundo eles, a interferência do secretário nacional de Justiça no processo de extradição de Allan dos Santos “não encontra precedentes” na história do departamento.

Santini é um amigão da família Bolsonaro. Desde a posse do chefe do clã, tem pulado de cargo em cargo sempre que seus desvios de conduta são tornados públicos. É extremamente improvável que tenha pressionado a delegada Silvia Fonseca a fornecer documentos do processo de extradição de Allan dos Santos, que estão sob sigilo, sem o conhecimento do chefe, o ministro da Justiça, Anderson Torres, e do próprio presidente da República. Em uma reunião com Vicente Santini, relatou a ex-diretora do DRCI, o secretário teria reclamado do “desconforto” causado a ele pela “ausência de informações” sobre o caso.

É inacreditável que o aparato do Estado seja mobilizado ilegalmente para proteger uma pessoa próxima ao governante de turno, sobretudo um desqualificado como Allan dos Santos, de quem o País jamais ouviria falar não fosse o atual governo pródigo em chamar a atenção da sociedade para figuras obscuras como ele. A ação desabrida só se explica à luz da visão patrimonialista que Bolsonaro tem do Estado e do exercício do poder.

Proteger um dos mais fiéis aliados do presidente, mesmo que isso represente descumprir uma decisão exarada pelo STF, serve tanto como um “prêmio” ao blogueiro por seus “serviços”, evidentemente, como também, e sobretudo, para atender ao interesse eleitoral de Bolsonaro.

Ao mobilizar o Ministério da Justiça e a PF para proteger um dos seus, Bolsonaro transmite aos demais apoiadores a mensagem de que ninguém será abandonado. Com a reeleição sob risco, o presidente sabe que não pode perder o apoio do núcleo duro de bolsonaristas nas redes sociais, do qual Allan dos Santos é um dos expoentes.

Para Bolsonaro não há limites quando o que está em jogo é a sua permanência no poder. Nem o inquérito que tramita no STF para apurar sua interferência ilegal na PF parece capaz de conter seu ímpeto para achincalhar a República.

Contumaz violador das leis e dos princípios da administração pública, Bolsonaro ainda causará muitos danos aos pilares republicanos até o final de seu mandato. A extensão desses danos só será definida pelos obstáculos legais que encontrar pela frente.

BC está mais perto de reduzir o ritmo de ajuste de juros

Valor Econômico

Os efeitos da mais acelerada elevação de juros desde 2002 ainda se farão sentir plenamente adiante

O Comitê de Política Monetária deixará de indicar um ritmo adequado de aumento da taxa Selic de 1,5 ponto percentual a partir de fevereiro, quando “antevê” a necessidade de nova alta desta magnitude. A menção foi retirada do último comunicado do Copom. Há várias suposições dos motivos para isto. Um deles é que mesmo quando a inflação se deslocava para longe das metas de 2021 e 2022, 1,5 ponto foi o ajuste máximo da taxa entre as reuniões. Agora, não seria mais necessário, pois o BC pode estar perto da taxa de juros que considera necessária para trazer a inflação de volta à meta, ainda que isto signifique manter a Selic elevada por mais tempo do que previa. É natural assim que os ajustes nos juros sejam mais finos, na ausência de novas surpresas inflacionárias.

A frase relevante do comunicado do Copom é a que afirma que “ irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. Ou seja, diante da deterioração do cenário inflacionário, o BC se compromete a ir até aonde for necessário com os juros para tornar o IPCA bem comportado de novo. Por outro lado, a frase é meio tautológica. As expectativas de inflação se desancoraram porque a inflação escapou ao controle - elas são uma avaliação do presente projetada no futuro. Quando se consolidar a desinflação, voltarão para bem perto das metas.

A sequência dos comunicados do Copom traça o caminho da piora da inflação e da atividade econômica. Entre o comunicado anterior e o atual, o cenário externo, que “tem se tornado menos favorável”, tornou-se menos favorável de vez. O Federal Reserve começou a remover os estímulos adicionais usados para enfrentar a pandemia e o calendário de aumento de juros, ao que tudo indica, será antecipado. O surgimento da variante ômicron colocou novo ponto de interrogação sobre o ímpeto da recuperação das principais economias do mundo.

A atividade doméstica, que em setembro mostrava “evolução positiva”, passou a ter “evolução ligeiramente abaixo da esperada” em outubro e “moderadamente abaixo da esperada agora”, depois que o PIB do terceiro trimestre foi negativo. Quanto ao cenário inflacionário, o comunicado anterior indicava “pressões adicionais nos itens associados à inflação subjacente”, quando o de agora reconhece plenamente que a alta dos preços foi acima da esperada “também” nestes itens.

As projeções do Copom, a partir das do Focus e com um câmbio a R$ 5,65, são de que o IPCA atingirá 4,7% em 2022 - dentro do intervalo de tolerância da meta - e 3,2% em 2023 - ligeiramente abaixo da meta -, caso a taxa de juros seja elevada para 11,75% em 2022, caia ao fim do mesmo ano para 11,25% e para 8% no ano seguinte. Se não houver surpresas no meio do caminho, a Selic em fevereiro será de 10,75%. A partir daí, os ajustes de juros já terão mais influência sobre a inflação de 2023 do que a de 2022.

Guiar-se então pelo calendário anual pode ser enganoso. Não há sentido em puxar a Selic muito acima dos 11,75% em 2022 se com essa carga de juros a inflação já estará caminhando para abaixo da meta em 2023 e quando, ademais, a taxa terá de ser reduzida ainda dentro do próprio exercício. Com a disparada da inflação e sendo realista, o BC terá de se conformar em não estourar a meta pelo segundo ano consecutivo e recuperar o controle inflacionário integral em 2023. Não é boa política promover um overshooting para pouco meses depois derrubar correndo a Selic.

É importante atentar que os últimos comunicados do Copom não assinalavam que os ajustes na Selic realizados eram compatíveis com o “cumprimento” das metas da inflação, e sim com a “convergência” para as metas no horizonte relevante.

O BC comprometeu-se apenas com um juro maior que o atual. O comunicado progride da necessidade anterior de que a Selic “avance ainda mais no território contracionista” para, agora, que ela “avance significativamente em território contracionista”. O BC contará a seu favor com as contrações cadavéricas da economia que ocorrem mesmo antes de a Selic ter entrado em “terreno contracionista”. Os efeitos da mais acelerada elevação de juros desde 2002 ainda se farão sentir plenamente adiante, com as atividades econômicas rumando para estagnação ou recessão.

Não há razão para otimismo, porque boa parte da reversão da inflação dependerá do dólar em um ano eleitoral em que um mandatário piromaníaco disputa a reeleição convenientemente despido de armadura fiscal.

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