O Globo
Essa quarentena de cinco dias é patética,
injusta e impossível de fiscalizar, especialmente num país continental como o
Brasil. Quem afirma é a Dra Margareth Dalcolmo. “O passaporte vacinal é o
mínimo civilizatório neste momento. Todos os países pedem. O Brasil será uma
exceção e, desculpe o termo forte, vai virar uma espécie de bordel de entrada
de pessoas não vacinadas. Para onde elas irão viajar no fim do ano e nas férias
se nenhum país aceita? Patético”.
O período é curto demais também para a incubação e detecção do vírus. “Cinco dias é um número arbitrário, sem base científica, alguns países estabelecem sete dias, outros, como a China, 21 dias”. Como me disse a Dra Margareth, que acaba de lançar seu livro “Um tempo para não esquecer”, o Brasil complica ao apelar a esse arremedo de isolamento. Uma barreira muito mais complexa e trabalhosa do que a requisição de um passaporte sanitário.
“É uma medida injusta com nossa população.
Vai expor os brasileiros, depois de tanto esforço para conseguir um ritmo de
cruzeiro em nossa imunização”. Tivemos a adesão em massa do povo às vacinas.
Pais, mães, filhos. De todas as classes. Fizemos fila. O Brasil surpreendeu
positivamente. Confiamos na ciência, no SUS e nos médicos sérios. Fomos
solidários e ótimos, em comparação com os europeus.
Quando cheguei a Paris em maio, o Brasil
estava na zona vermelha. Éramos turistas indesejados no mundo. Punidos pela
irresponsabilidade, ignorância e desprezo à vida do governo Bolsonaro. Quem
conseguia entrar na França era sujeito a várias exigências. Além do PCR antes
de ir e teste antígeno ao chegar ao aeroporto, era preciso informar endereço,
celular, e-mail. No mesmo dia de minha chegada, recebi a visita de dois
gendarmes, uma moça e um rapaz, para checar se eu estava isolada. Durante 10
dias, policiais, de farda e à paisana, foram a meu endereço em horários
diversos. Se eu não estivesse, a multa seria de 1.500 euros, ou R$ 10
mil.
Uma funcionária da Assurance
Maladie me telefonou para saber se eu tinha sintomas
estranhos ou se estava bem. Pediu desculpas por incomodar. E
mandou um e-mail orientando como fazer, no meu bairro, um PCR no
penúltimo dia da quarentena. Essa é uma quarentena à francesa. Como seria
a quarentena à brasileira? Em pleno verão? Ah sim, a fiscalização ficaria por
conta dos Cievs – centros de informações estratégicas em vigilância em
saúde.
Alguém realmente acredita que os não
vacinados serão fiscalizados e monitorados? Ou estarão no bar e na praia no dia
seguinte? A quarentena tropical é pra gado dormir. Até agora nem se falou de
multa ou punição para quem transgredir.
Um leitor escreveu para o Globo contando
como foi bem recebido, sem restrições, no Brasil, chegando de Lisboa. “Ninguém
me exigiu teste de Covid que fiz em Portugal e nem o formulário Anvisa que
preenchi via internet. Só passaporte. Vim de uma cidade que apresenta casos da
nova variante. E se estivesse contaminado ou sem teste?” O leitor, Luiz Renato
Quintanilha, chamou o que viveu de “gravíssima negligência oficial” e
“descontrole sanitário”. Ninguém consciente se sente a salvo hoje chegando a um
país assim.
Mas o cardiologista e ministro da Saúde
Marcelo Queiroga discorda. Ele acha “melhor perder a vida do que a liberdade”.
Talvez ache melhor perder o diploma do que o cargo. Melhor perder o pescoço do que
a boquinha. Se o saudoso e irônico Xexéo estivesse vivo, Queiroga seria
fortíssimo candidato a mala do ano. Mala não, baú.
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