O Globo
Jair Bolsonaro cansa. O Brasil está exausto
de um presidente que dedica seus dias a atrapalhar o andamento do país.
Toda intervenção do presidente da República
é voltada a estorvar, atrapalhar o andamento dos ministérios, dos demais
Poderes, das outras instituições, da relação entre os entes federativos, do
combate ao desmatamento, da vacinação, da fiscalização da vacinação, do Enem… A
lista não tem fim.
Porque, quando há uma área em que ainda não
deu um pitaco e ele descobre, Bolsonaro trata de meter o bedelho nela também.
Conviver com um chefe de Estado com essas
características — inéditas entre tantas outras, as mais deletérias, as mais
exóticas, as mais intoleráveis —, entre tantos que já se revezaram no poder no
Brasil, é uma tarefa que desafia a lógica, a paciência e, no caso de muitos
auxiliares e bajuladores, o amor-próprio, a coerência e o bom senso.
Parecia que o Brasil tinha entendido, desta
vez rápido, que há uma nova variante do coronavírus circulando, a Ômicron, e
decidira não deixar para agir depois de todos, sob o risco de enfrentar uma
nova onda de contágio, internações e mortes.
E aí veio Bolsonaro. Como ele não se dedica a estudar os assuntos, a se reunir com ministros, a ler pareceres e recomendações, e quer sempre apenas dar pitacos aleatórios, começou a bradar que “jamais” seu governo exigiria passaporte da vacina, que comparou a uma “coleira”, para viajantes entrarem no Brasil.
Criou-se um impasse, a modalidade
preferencial de governança do presidente de turno. Travestido em
sua persona que ruge, Bolsonaro vociferou contra a Anvisa, os
governadores e o Supremo, alguns dos culpados de sempre em seu discurso manjado
para a galera terraplanista.
Conseguiu a adesão bovina do ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga, que já se mostrou disposto a mandar às favas todos os
atributos de personalidade que listei acima, a começar pelo amor-próprio, além
da ética médica. “Melhor perder a vida que a liberdade”, foi a pérola que ele
proferiu orgulhoso, repetindo o chefe. Liberdade, nesse caso, é simplesmente
poder andar por aí sem se vacinar, nada a ver com feitos heroicos de outros
que, de fato, arriscaram a vida em nome de ideias respeitáveis.
Pois bem, depois de rugir em público,
Bolsonaro miou na surdina. Seu governo, o libertário Queiroga à frente, editou
uma portaria que, na prática, exige o tal passaporte da vacina. Os antivacinas
de outros países que quiserem vir ao Brasil terão de fazer quarentena de cinco
dias, ao final dos quais terão de se testar.
Por que tanto auê antes, então? Porque
Bolsonaro segue a lógica de manter sua turba atiçada. Como num circo, é o leão
que ameaça sair da jaula para manter os olhos esbugalhados daqueles que se
exaltam com a balbúrdia.
Quando mia, Bolsonaro geralmente dá um
jeito de distrair os fãs para que não percebam seu recuo. Nesse episódio, foi
dirigindo um palavrão a João Doria, que disse que em São Paulo seria exigido o
certificado de imunização, sendo seguido por outros governadores e prefeitos, o
que deixou Bolsonaro isolado.
Depois que afina, como fez também em
relação ao Supremo Tribunal Federal (STF) no episódio da cartinha de Michel
Temer, Bolsonaro espera o tempo passar para tentar ficar valente de novo.
Então, como miou no passaporte da vacina,
ele voltou a arreganhar os dentes para o ministro Alexandre de Moraes com
várias estocadas. Vai durar até Moraes, que também anda numa fase tranquilona,
tornar a colocar fogo na frigideira dos aliados que o capitão insiste em
proteger usando a estrutura de Estado. O STF entendeu que tem de lidar com
Bolsonaro como com uma criança birrenta.
Esse mia-ruge presidencial é uma das causas
de nosso retrocesso generalizado. Seria bem mais simples (e inteligente)
governar, se ele soubesse como.
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