Dentro da terceira via, poucos acreditam que a senadora disputará a Presidência, mas quase todos querem ela para compor a chapa em 2022
Letícia Casado/ Revista Veja
A chamada terceira via ainda não chegou a um acordo que permita o lançamento de uma candidatura única do grupo à Presidência da República. Em discursos públicos, políticos dizem que há um esforço suprapartidário nesse sentido, mas o fato é que, nas últimas semanas, novos nomes entraram na corrida ao Palácio do Planalto, acirrando ainda mais a disputa. O mais recente deles foi o da senadora Simone Tebet (MDB-MS), a primeira e única mulher a se lançar no páreo até agora. Em solenidade na quarta-feira 8, Simone repetiu duas estratégias caras aos presidenciáveis ditos de centro. Primeiro, criticou a polarização e os governantes que “dividem o país ao meio e promovem o nós contra eles”, numa referência a Jair Bolsonaro (PL) e a Lula (PT). Depois, concentrou sua artilharia no ex-capitão, de quem os expoentes da terceira via acham mais fácil tomar a vaga num eventual segundo turno da próxima eleição presidencial. “Essa missão tem o clamor da urgência, urgência porque o nosso povo, o povo brasileiro, está morrendo de fome, depois de centenas de milhares de brasileiros terem morrido por uma saúde pública omissa, insensível e negacionista”, declarou a nova pré-candidata.
Em seu primeiro mandato no Senado, Simone Tebet tem a exata dimensão do tamanho de seu desafio. Dentro de seu partido, há quadros interessados em apoiar outros concorrentes. Caciques do Nordeste, por exemplo, flertam como sempre com Lula. Políticos de estados da Região Sul, sobretudo de Santa Catarina, querem marchar ao lado de Bolsonaro. Além de conseguir um mínimo de unidade interna, o que não é necessariamente uma precondição para ela manter a candidatura, já que as divisões e as traições são da essência do MDB, Simone tem de conquistar principalmente apoio popular. Segundo as pesquisas, ela tem apenas 2% de intenção de votos. Num acordo com a direção do partido, ficou combinado que, para continuar na disputa, a senadora precisa alcançar 10% até abril de 2022. Não será fácil. Em pré-campanha há muito mais tempo, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o eterno presidenciável Ciro Gomes (PDT) ainda não atingiram a casa dos dois dígitos. A diferença de Simone para os demais postulantes da terceira via é que ela — apesar de sonhar com a Presidência e prometer trabalhar com afinco por ela — tem como “missão” principal impedir a reeleição de Bolsonaro e a volta de Lula ao poder. Por isso, não descarta ser vice em outra chapa para atingir esse objetivo.
Interessados no casamento não faltam. Prova
disso é que representantes do PSDB, do União Brasil e do Cidadania prestigiaram
o lançamento de sua pré-candidatura. Dentro da terceira via, poucos acreditam
que Simone disputará a Presidência, mas quase todos querem ela como vice. Doria
já declarou que pretende convidar uma mulher para compor a chapa e elogiou
Simone. O ex-ministro Sergio Moro, hoje o postulante de centro mais bem
colocado nas pesquisas, já deixou claro em conversas reservadas que Simone é a
vice de seus sonhos — embora uma aliança com o MDB, cujos principais líderes
foram fisgados pela Operação Lava-Jato, seja algo absolutamente impensável no
momento. Até o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que está na
rabeira das intenções de voto, cogitou a mesma parceria. “As pesquisas mostram
intenção de voto muito tímida, mas pode crescer. Ela está em renovação de
mandato e teria chances grandes de ser reeleita para o Senado, enquanto nada
garante que vai conseguir o que quer em nível nacional”, afirma o cientista
político Claudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas, fazendo uma
análise sobre as possibilidades da senadora que é repetida à exaustão no
mundinho da política em Brasília.
Advogada e professora universitária, Simone
planeja a pré-candidatura em etapas. O primeiro passo é conseguir 4% de
intenção de votos até o fim do primeiro trimestre do ano que vem, o que,
acredita, permitirá que tenha influência nas negociações políticas e peso no
resultado final da votação. Com 4%, ela seria, na pior das hipóteses, uma
candidata a vice com força eleitoral. Alcançar esse patamar é possível, já que
Simone ganhou visibilidade nacional após a CPI da Pandemia do Senado, quando se
destacou na análise de documentos e na inquirição de testemunhas. Foi graças à
insistência dela, por exemplo, que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) citou o
líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), como o responsável por
fazer pressão para acelerar o processo de liberação da vacina indiana Covaxin.
Antes de se destacar na comissão, Simone se tornou a primeira mulher a comandar
a poderosa Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Ela também foi a
primeira mulher a concorrer à presidência do Senado, mas perdeu para Rodrigo
Pacheco, que recebeu votos até de emedebistas.
A direção do MDB aposta na senadora para
acelerar um processo de renovação da sigla e mudar a imagem do partido,
associada à velha política e a caciques cujas façanhas são conhecidas do grande
público e detalhadas em processos judiciais. Para a cúpula partidária, Simone
tem condições de subir nas pesquisas porque, além de ter uma imagem pessoal
considerada positiva, contará com uma estrutura com capilaridade nacional. O
MDB controla o maior número de prefeituras no país. Em 2020, elegeu 772
prefeitos, 660 vice-prefeitos e 7 277 vereadores. A legenda também
tem a maior bancada do Senado (quinze de 81) e a sexta maior na Câmara
(34 de 513). Um dos desafios de Simone é fazer essa engrenagem trabalhar por
ela. Ciente disso, em seu discurso na quarta, ela teceu elogios à história da
sigla em busca de apoio interno. Nas ruas, a sua tarefa é a mesma da dos demais
presidenciáveis ditos de centro: conquistar quem não quer nem Lula nem
Bolsonaro, grupo que hoje representa 24% do eleitorado, segundo pesquisa da
Quaest Consultoria divulgada na quarta-feira 8.
Apesar desse porcentual, alguns
especialistas afirmam que a margem real para crescimento de uma alternativa é
mais estreita. A terceira via só teria chances reais de competir caso
apresentasse um único nome, e não houvesse pulverização de candidaturas, como
ocorre atualmente. Estatístico especializado em eleições, Paulo Guimarães, da
Unicamp, diz que Bolsonaro e Lula devem somar 55% dos votos, enquanto brancos e
nulos outros 15%. Sobrariam 30%, que hoje são divididos por diferentes nomes,
quase todos abaixo de 10%. “Tem de combinar com o eleitorado de votar em apenas
uma pessoa para tirar Bolsonaro do segundo turno, porque Lula tem mais chances
de estar nele”, afirma Guimarães. Doria quer ser essa pessoa, com Simone de
vice. Moro também quer ser essa pessoa, com Simone de vice. Até mesmo Ciro
Gomes tenta cavar um espaço nesse promissor território alternativo.
Consciente, a senadora não descarta ser
vice nem disputar a reeleição pelo Senado, mas, articulada e combativa,
acredita que também pode superar os outros pré-candidatos e liderar a terceira
via. Na CPI da Pandemia, ela não era titular da comissão, mas conseguiu uma
cadeira para a bancada feminina e assumiu um papel de protagonismo que, de
início, se imaginava reservado a outros senadores. “Eu acredito. Eu sou de um
lugar de pioneiros, de um lugar de conflito, mas de gente corajosa, que soube
trabalhar a terra e dela render seus frutos”, diz Simone no vídeo apresentado no
lançamento da pré-candidatura. “Não tenho medo de desafios e confrontos.” O
principal desafio dos candidatos que se apresentam como alternativa é evitar um
confronto fratricida que possa resultar exatamente naquilo que eles se propõem
a impedir: Lula e Bolsonaro no segundo turno.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768
Nenhum comentário:
Postar um comentário