Folha de S. Paulo / O Globo
Agência tem razões para se orgulhar de sua
conduta durante a pandemia. Barra Torres preservou a credibilidade da
instituição, e evitou bate-bocas e provocações
Bolsonaro pintou-se para uma nova guerra:
“Estamos trabalhando agora com a Anvisa,
que quer fechar o espaço aéreo. De novo, porra? De novo vai começar esse
negócio?”
A Anvisa nunca sugeriu que se fechasse o
espaço aéreo mas, diante do surgimento de uma nova variante do vírus, o
presidente anteviu uma nova batalha. Ele não gosta da vacinação, preferia
cloroquina e prefere viver no mundo da negação, supondo que com isso defende a
economia. Há um ano, Bolsonaro dizia que a vacina CoronaVac não seria comprada.
Comprou-a. Condenava o isolamento social e teve que aceitá-lo.
De fato, pode ser que comece tudo de novo, porque o governador João Doria anunciou que instituirá o passaporte de imunização em São Paulo. Ele comprou a vacina chinesa e em janeiro começou a aplicá-la.
A nova encrenca de Bolsonaro com a Anvisa
foi um retrato da disfuncionalidade de seu governo. Com mais de 600 mil mortos,
o governo federal ainda assim teria algo de que se orgulhar. O Brasil está
chegando perto da marca de 300 milhões de doses aplicadas, com cerca de 65% da
população imunizada. Apesar disso, Bolsonaro prefere procurar uma nova briga.
Arrumou um ministro da Saúde capaz de dizer
que prefere perder a vida à liberdade, como se esse dilema estivesse na mesa.
Depois de ter fritado dois ministros que tomaram o partido da ciência e de ter
amparado um general desastroso, o capitão sente-se confortável com o médico
Marcelo Queiroga. É seu estilo, mas não precisava chamar a Agência de
Vigilância Sanitária para a briga. Primeiro, porque a Anvisa é um órgão
independente. Além disso, porque está atirando em um quadro de sua tropa, o
médico e almirante Antonio Barra Torres, cujo pecado seria ter traçado uma
linha no chão, além da qual não pisaria.
Barra Torres pode ser visto como um exemplo
do oficial que atendeu ao chamado do capitão. Militar e cavaleiro da Ordem de
Malta, foi colocado na direção da Anvisa e em março de 2020, quando os mortos
pela Covid eram cinco, acompanhou Bolsonaro numa manifestação que desafiava a
pandemia e o Supremo Tribunal Federal. Ele não se entendia com o ministro Luiz
Henrique Mandetta e tinha tudo para virar um daqueles aloprados que o general
Pazuello levaria logo depois para o Ministério da Saúde.
Sem estridência, Barra Nunes afastou-se do
negacionismo. Recusou-se a patrocinar as virtudes da cloroquina e disse coisas
desagradáveis, tais como: “Estamos trabalhando no mundo real, que é o mundo
científico”, ou “Vamos deixar de bobagem e vamos vacinar”.
Quando foi pressionado, o almirante deu um
recado críptico: “Meu limite está muito longe ainda. Tenho 32 anos de
treinamento militar”. Como tem mandato e dirige uma agência independente, não
cabia na frigideira em que foi jogado o general Santos Cruz. O almirante
preservou a credibilidade da Anvisa, evitou bate-bocas e provocações. Não se
colocou como um ativo contraponto à disseminação de superstições.
Barra Torres, ao contrário do general
Pazuello e do “coronel” Queiroga, não é candidato a nada. É raro que oficiais
da Marinha se metam em política eleitoral.
Não se pode saber que rumo tomará a briga
pela exigência do passaporte. Afinal, Bolsonaro e Queiroga produziram uma
gambiarra. O governador João Doria venceu as batalhas da vacinação e da
CoronaVac, e é candidato a presidente da República.
Uma coisa é certa, Bolsonaro não precisava
encrencar com a Anvisa. Até porque, no atacado, a agência tem razões para se
orgulhar de sua conduta durante a pandemia.
Destruição criadora
A financeira digital Nubank tornou-se o
banco privado mais valioso da América Latina, superando as grandes casas
brasileiras. Seu valor de mercado chegou a US$ 47,6 bilhões. Conseguiu isso em
apenas oito anos de operações.
Oito anos parecem ser um tempo mágico para
a destruição criadora do capitalismo no mercado financeiro de Pindorama.
Fundado em 1943, o Bradesco tornou-se o maior banco privado do país em 1951.
Como?
Amador Aguiar, seu patriarca, percebeu que
os grão-senhores da banca não gostavam de gente com poucos sobrenomes e sapatos
sujos. Diante disso, decidiu que as mesas dos gerentes ficariam na entrada das
agências e os funcionários deveriam ajudar os clientes a preencher cheques. Em
algumas cidades do Paraná, as agências do Bradesco chegavam antes da luz
elétrica.
O Nubank e seus similares fazem coisa
parecida no mundo digital de hoje, correndo atrás de uma fatia de consumidores
deixada de lado pela grande banca. Facilitam os contatos com a clientela e
abrem mão de taxas lucrativas, porém antipáticas.
Destruição destruidora
A gigantesca United Health, dona da
operadora brasileira Amil, livrou-se de sua carteira de planos de saúde
individuais, com 370 mil clientes. Pagou R$ 3 bilhões a uma financeira para que
ela ficasse com os contratos e suas obrigações.
Para a empresa, foi um bom negócio, porque
a operação dava prejuízo. Só o tempo dirá o que acontecerá com os clientes.
Na melhor das hipóteses, fica tudo igual.
Na pior, os clientes vendidos, quando
desatendidos, deverão recorrer à Justiça.
No século XIX, a Santa Casa de Misericórdia
do Rio de Janeiro pôs um anúncio nos jornais pedindo aos donos de pessoas
escravizadas que parassem de depositar negros doentes em seus cemitérios.
Francis cantou a pedra
Paulo Francis foi um jornalista brilhante e
implicante. O caso de Daniel Ortega, que chegou ao poder na Nicarágua no século
passado e está agora no quarto mandato, mostra que havia sabedoria na sua
implicância.
Nos anos 1990 ele pegava no pé do
guerrilheiro sandinista porque, numa passagem por Nova York, ele comprou um
óculos de grife.
Parecia ranhetice. Era premonição.
O guerrilheiro passou a usar lentes de
contato, mas tem a mulher na vice-presidência e suas famílias estão bem postas
na vida.
A Covid de Trump
Mark Meadows, chefe de gabinete de Donald
Trump, revelou que o presidente-machão que desafiava o coronavírus foi ao
debate com Joe Biden em outubro do ano passado tendo testado positivo para a
Covid. Dias depois, levaram-no para o hospital com a taxa de oxigenação do
sangue em 86%, indicando perigo para um homem de sua idade.
Melhorou a marca do tempo que se passa para
que se conheça o estado de saúde de um presidente americano. A patranha segundo
a qual estava tudo bem levou pouco mais de um ano para prevalecer.
Em 1963, depois de levar um tiro na cabeça,
o presidente John Kennedy chegou morto ao hospital, mas esse detalhe levou
tempo para ser aceito.
Em 1981, o presidente Ronald Reagan tomou um tiro no peito e sua turma espalhou que ele entrou no hospital fazendo piadas. Era mentira. Com um pulmão perfurado, tiraram-no do bico do urubu.
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