Folha de S. Paulo
Não há quem investigue a presença miliciana
em orgia de ilegalidades
O novo desmonte no sistema institucional
difere dos anteriores. Enfraquece, por abandono ou deformação, quantidade muito
maior das obrigações de Estado e de governo. Atingida é a Polícia Federal, que
vive uma crise silenciosa, com os afastamentos
sucessivos de chefes e delegados de alto conceito, medidas
injustificáveis e a direção exercida mais pelo ministro da Justiça do que pelo
diretor Paulo Maiurino.
Inexpressivo como delegado, Anderson Torres, como ministro, é visto pelos indignados da PF como um agente de Bolsonaro e filhos. Maiurino, como alguém que oscila entre a sujeição e a omissão. Uma situação em que os objetivos da PF se esvaem e as atividades da função emperram. A autonomia fundamental da PF e sua condição de órgão do Estado, não do governo, estão oprimidas por interesses políticos e outros. Para um país diante de difícil processo eleitoral e com prolífica criminalidade, a deterioração de uma polícia federal já insuficiente é, no mínimo, mais uma ameaça antidemocrática.
Polícia sob influência política ou de
outros interesses é como força auxiliar da ilegalidade, ao relegar suas
funções. As atividades ilegais na Amazônia, postas há pouco em breve destaque
pelo garimpo no
rio Madeira, exemplificam bem essa deformação.
Não é recente o conhecimento da PF e das
Forças Armadas de que milícias do Sudeste dirigem focos crescentes de garimpo,
desmatamento e contrabando de sua produção.
Muito mais amplo foi o conhecimento de que
o Ministério do Meio Ambiente se tornou incentivador
das atividades ilegais, desde que Bolsonaro entregou a Ricardo
Salles a tarefa de direcioná-lo.
A combinação devastadora desses dois
fatores, porém, não gerou a reação devida pelo governo. As raras
iniciativas foram logo
reprimidas, como na exoneração do delegado Alexandre
Saraiva por investigar as relações de Ricardo Salles com a
exploração e o comércio ilegais de bens amazônicos. As fotos impressionantes de
200 ou 300 balsas recolhendo ouro no Madeira, para envio ao exterior e a São
Paulo, obrigaram a PF a agir: incendiou algumas balsas, afundou algumas outras,
e a ação se encerrou com a publicação das fotos. Bolsonaro não faltou com uma
explicação, indireta mas clara, para a inação da PF: deu apoio aos garimpeiros
ilegais.
As sete autorizações para exploração
mineral em área de preservação no Amazonas decorrem dos mesmos fatores e
conexões. O general Augusto
Heleno só entrou com a assinatura para a doação. A defesa que faz da
ordem recebida e cumprida vem de uma distorção, como sempre. Sua
secretaria tem obrigação de zelar pela faixa de fronteira, dando parecer sobre
atividades aí, não tem poder de conceder a exploração privada do subsolo que é
patrimônio da União. Nem os presenteados com os privilégios não poderiam ser
escolhidos a dedo. São suspeitos e já está visto que incluem ao menos um com
passado de ilegalidades.
Não há quem investigue a presença miliciana
e das quadrilhas já conhecidas nessa orgia de ilegalidades. Se o Senado, em
outro acesso de respeito ao país, decidisse fazer uma CPI para investigar as
ligações de milícias com o Poder, dependeria de investigações que a PF não
faria. Ou não faria como devessem ser.
Entre os chamados federais há, e não seriam
poucos, os que atribuem o fuzilamento
do capitão Adriano da Nóbrega, no interior da Bahia, à sua exigência
de proteção em troca de silêncios que, quebrados, seriam fatais para numerosos
integrantes e circunstantes do poder. A importância desse capitão no subpoder
criminal mede-se pelas homenagens que Bolsonaro lhe prestava, com discurso na
Câmara, condecoração e, depois, defesa contra as condenações. Os filhos tiveram
a missão de visitantes-emissários do preso.
Hoje, as milícias têm mais poder e proteção
do que as polícias que têm hostilizá-las. E, a respeito, nada há a fazer. Bem,
há, mas não há quem faça.
Quem paga
Dona da Amil, a americana United Health
repassa à Assistência Personalizada de Saúde, que tem pouco mais de 10 mil
segurados, e ao recente fundo Fiord Capital, os 370 mil segurados de saúde
individuais da sua filiada. O motivo é o alto prejuízo dado por esses planos
antigos, com contratos rígidos quanto a correções. Para que os brasileiros
fiquem com o problema, os americanos
lhes pagariam R$ 3 bilhões, sob a forma de quatro hospitais e ainda
perto de R$ 2 bilhões para seguir cobrindo o prejuízo da carteira.
É uma venda em que o vendedor é q uem paga.
Já motivo de estranheza, portanto. As expectativas de fim do prejuízo são
ridículas. Se aplicado para cobri-lo (destaque para o se), o dinheiro não
duraria nem dois anos. E depois?
Plano de saúde idêntico ao desse negócio
levou a um sem número de processos judiciais, quando repassado da Golden Cross
para a Unimed. Os segurados, é óbvio, foram os prejudicados. A Agência Nacional
de Saúde, no entanto, não emite sinais de memória. Negócio de bilhões, sabe-se
é.
Sem saída
O projeto para prisão em
segunda instância judicial terá remarcado, nos próximos dias, seu
exame pela comissão especial. Foi retirado da sessão na semana passada pelo
relator, à vista da derrota certa. Para possibilitar
a prisão antecipada, que a Constituição não admite antes de
esgotados todos os recursos, o deputado Fábio Trad (PSD) propõe a extinção dos
recursos ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça. Ainda assim
insatisfeito, vai ao extremo de propor a extinção de recursos também ao
Tribunal Superior do Trabalho e ao Tribunal Superior Eleitoral.
Eduardo Cunha é mais um a ter a maior condenação anulada, por correr o processo em vara criminal, devendo ser na Justiça Eleitoral. As anulações de condenação pelas Lava Jatos comprovam a correção jurídica do estabelecido na Constituição. E ainda há mais anulações previstas para desconstruir processos e sentenças errados, não só por má-fé à la Moro. Não há saída: ou se fica com a Constituição, e prisões só quando esgotados os recursos, ou se aceitam prisões arbitrárias e injustas: as sentenças do ódio.
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