O Globo
O governo Bolsonaro vai fazer três anos. O
capitão acha pouco e quer mais. Na semana que passou, ele recebeu um presente
do Congresso. A pretexto de combater a pobreza, ganhou mais R$ 65 bilhões para
gastar até a eleição de 2022.
Todo projeto autocrático depende de um
segundo mandato para se consolidar. É o que lembra o filósofo Marcos Nobre,
professor da Unicamp e presidente do Cebrap. Em seminário na sexta-feira, ele
citou os exemplos de Hungria, Polônia e Turquia, governados por líderes de
ultradireita que ascenderam pelo voto.
“Os populistas autoritários destroem a democracia por etapas”, disse Nobre. “O primeiro mandato é dedicado a minar as instituições. Vão aparelhando progressivamente para que no segundo mandato consigam fechar o regime”, alertou.
Bolsonaro tem seguido a cartilha. Estimulou
movimentos golpistas, asfixiou os órgãos de controle, tentou emparedar o
Judiciário. Para minar a confiança na democracia, liderou uma campanha de
desinformação contra as urnas eletrônicas.
O capitão ensaiou uma trégua após o 7 de
Setembro, mas voltará a radicalizar para manter sua tropa mobilizada, previu o
professor. “Bolsonaro não tem nenhuma pretensão de governar para a maioria.
Pelo contrário: a ideia é governar para uma minoria”, explicou.
Nos últimos dias, o presidente deu razão ao
filósofo. Atacou o passaporte da vacina e exaltou o deputado extremista Daniel
Silveira, preso após ameaçar ministros do Supremo.
Para a cientista política Daniela Campello,
da FGV, Bolsonaro se tornou a “ilustração perfeita” do populista de direita. O
único elemento que destoava do figurino era a defesa da austeridade econômica,
que tinha o ministro Paulo Guedes como fiador. Agora o discurso foi abandonado
em nome da reeleição.
“Ainda me impressiono com quem acreditou
que Bolsonaro e sua turma teriam se convertido ao neoliberalismo”, disse a
professora. Ela lembrou que a gastança eleitoral deve obrigar o próximo governo
a assumir o país num cenário de crise fiscal aguda.
Ainda que seja derrotado nas urnas, o
presidente deixará um legado de destruição institucional, afirmou Campello.
“Hoje o Ibama hoje não defende o meio ambiente, a Funai não defende os
indígenas”, apontou. “Bolsonaro conseguiu normalizar o anormal, e isso já foi
uma imensa vitória”, concluiu.
O cientista político Matthew Taylor, da
American University, ressaltou que o retrocesso poderia ser ainda maior. Ele
disse que a desorganização do governo atrapalhou parte da agenda autoritária.
“Falo com certo alívio. Temos que agradecer a incompetência do Bolsonaro”,
ironizou.
Os participantes do seminário do Cebrap
divergiram sobre os prognósticos para 2022. Para Daniela Campello, a inflação e
o desemprego tornaram “muito pequenas” as chances de reeleição. “Meu temor não
é o Bolsonaro ganhar por vias democráticas. É o que ele vai aprontar para
desqualificar as eleições”, disse.
Para Marcos Nobre, a oposição não deveria
repetir o erro de subestimar o capitão. “O projeto é chegar ao segundo turno e
demonizar o adversário, o que ele sabe fazer bem”, alertou.
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