EDITORIAIS
O festival de mentiras que assola a CPI
O Globo
Depois de três semanas de depoimentos na CPI da Covid, a ausência mais sentida tem sido a verdade. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi confrontado pelos senadores e chamado de “mentiroso”, tantas as contradições com os fatos. O senador Rogério Carvalho chegou a pedir à mesa que encaminhe o depoimento ao MP para investigação, como foi feito com o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten. O relator, Renan Calheiros, disse que as respostas de Pazuello eram “um espetáculo nunca visto” de contradições e omissões. Propôs a contratação de uma agência de checagem on-line para ajudar os senadores.
Em seu segundo depoimento na CPI, Pazuello
voltou a dizer que os ataques do presidente Jair Bolsonaro à CoronaVac eram
“coisa de internet” e que nunca recebera orientação para não comprar a vacina.
O senador Otto Alencar leu trechos de entrevistas em que Bolsonaro demonizava a
CoronaVac e falava claramente que o governo não a compraria. O senador Randolfe
Rodrigues mostrou que, depois da bronca do presidente, o Ministério da Saúde
apagou um tuíte que falava sobre a compra da vacina chinesa.
A pergunta que não foi feita a Pazuello: se
não houve ordem, então Bolsonaro mentiu ao dizer que tinha mandado cancelar a
compra? Não é questão irrelevante. Convém lembrar que o ex- presidente dos
Estados Unidos Bill Clinton sofreu processo de impeachment por ter mentido à
nação sobre um caso extraconjugal com uma estagiária da Casa Branca.
Pazuello foi colocado contra a parede
também quando falou sobre o aplicativo TrateCov, lançado pelo Ministério da
Saúde para incentivar o famigerado “tratamento precoce” com cloroquina e outras
drogas ineficazes contra a Covid-19. Negou que o aplicativo tivesse sido usado.
Alegou que foi apresentado, depois descartado por um motivo exótico: foi
hackeado. O presidente da CPI, Omar Aziz, ironizou: “Hacker tão bom que conseguiu
colocar matéria extensa na TV Brasil”.
Várias vezes, Pazuello disse ser favorável a medidas de prevenção. Porém o senador Alessandro Vieira lembrou que ele já questionara, numa live, a eficácia de máscaras e distanciamento. “Acredito que medidas de prevenção são necessárias. Não quero dizer que você não escorregue em algum momento de sua vida”, disse Pazuello.
O ex-secretário Wajngarten e o ex-chanceler
Ernesto Araújo também testaram a tolerância da CPI com suas fabulações.
Wajngarten chegou a ser ameaçado de prisão depois de negar fatos óbvios, como a
entrevista à revista “Veja” em que atribuía à incompetência do Ministério da
Saúde o atraso na compra de vacinas. Aziz não aceitou o pedido de prisão, mas
remeteu os autos do depoimento ao MP. Araújo disse nunca ter feito ataques à
China.
Nunca se pensou que o caminho da CPI seria
fácil. O governo tentou de todas as formas impedir que ela surgisse e, uma vez
instalada, fez o possível para miná-la. Agora, o avanço das investigações chega
a um momento decisivo. A cada dia em que mais gente morre, elas se tornam mais
imprescindíveis. Não só para esclarecer por que chegamos até aqui, mas para
identificar e punir os que contribuíram para a tragédia. O festival de mentiras
que assola a CPI não é comédia. Certamente a busca da verdade dá mais trabalho,
mas mentiras costumam ter pernas curtas. Não sobreviverão até o fim dos
trabalhos.
Privatização da Eletrobras avança; cabe ao Senado aperfeiçoar projeto
O Globo
A votação na Câmara da MP que permite a privatização da Eletrobras deixa nas mãos do Senado a missão de aperfeiçoar o projeto. Não há dúvida de que se trata de avanço num setor estratégico para a economia, em que há necessidade de pesados investimentos que a empresa só conseguirá executar sob controle privado. A venda da estatal, na agenda do Congresso desde o governo Temer, é essencial para fazer deslanchar o programa de desestatização e traria um novo dinamismo ao mercado brasileiro de energia. Mas é preciso garantir que isso aconteça mesmo.
O texto aprovado autoriza a privatização
permitindo que a União venda o controle acionário, depois de separar a parte da
Eletrobras que não pode ser privatizada (Itaipu e Eletronuclear) numa nova
estatal, cujo lucro será destinado a programas sociais e ao barateamento da
conta de luz dos consumidores cativos. Na proposta inicial, consumidores
livres, como as grandes empresas, também seriam beneficiados, mas essa
exigência caiu na votação.
Esse é só um exemplo de quantos detalhes
existem num projeto dessa envergadura. Vários especialistas argumentam que uma
privatização desse porte não poderia ser realizada por Medida Provisória, pois
o tempo máximo para votação, fixado em 120 dias, contribui para tornar o
projeto refém das demandas do Legislativo e afasta a possibilidade de ser
mantido um modelo razoável.
O principal problema, alegam, é que os
adendos resultantes da tramitação na Câmara criaram uma intervenção indesejada
no mercado de energia, que poderá resultar no efeito oposto ao desejado. O
texto do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) exige que o governo contrate 6 GW
de geração de usinas térmicas situadas no interior do país, 2GW de pequenas
hidrelétricas, além de renovar por 20 anos os incentivos ao Proinfa, programa
de fontes alternativas gerenciado pela estatal.
Tudo isso resultou da tentativa de atender
a interesses locais e setoriais, em detrimento do funcionamento eficaz do
mercado, que contribuiria para baixar o custo de geração e distribuição. A
obrigação de instalar termelétricas afastadas dos centros de consumo encarecerá
a energia, por elevar o custo de distribuição. Além disso, o investimento num
combustível fóssil precisa ser discutido, ainda que o quadro hidrológico do
país exija atenção a novas fontes energéticas. Em contrapartida, manter um
incentivo tão duradouro às fontes alternativas, como energia eólica ou solar,
pode gerar outra distorção, ao não levar em conta o barateamento veloz dessas
tecnologias.
Nenhuma dessas exigências tem a ver com o
bom funcionamento do mercado. Zelar por ele deveria ser missão da agência
reguladora, a Aneel, não de um projeto cujo objetivo é autorizar a venda da
Eletrobras. O Senado tem a obrigação de corrigir as distorções para que a
privatização resulte em maior benefício à sociedade. É verdade que privatizar
seria um avanço e que sempre haverá críticas a um empreendimento desse porte.
Mas ainda dá para melhorar.
Caso de polícia
O Estado de S. Paulo
As informações segundo as quais Ricardo
Salles enfrenta uma escandalosa denúncia de facilitação de ações criminosas por
parte de madeireiros emporcalham ainda mais a imagem do Brasil
Não é de hoje que a atuação do ministro
Salles é objeto de fortes críticas de ambientalistas, sobretudo em razão de seu
ímpeto para desmontar os mecanismos de fiscalização em nome do que chamou de
“ambientalismo de resultados”. Esse comportamento claramente contrário às
melhores práticas de gestão ambiental ajudou a fazer do País um pária
internacional, justamente no momento em que esse tema domina a agenda política
global.
As informações segundo as quais o ministro
Salles enfrenta uma escandalosa denúncia de facilitação de ações criminosas por
parte de madeireiros emporcalham ainda mais a imagem do Brasil. Para piorar, a
denúncia surgiu de informações fornecidas por autoridades norte-americanas – ou
seja, depois que um governo estrangeiro apontou problemas que funcionários do
governo brasileiro aparentemente gostariam de esconder.
As investigações da Polícia Federal (PF),
em operação autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal, indicam que o Ibama, a pedido de madeireiros, modificou normas de
fiscalização destinadas a impedir a exportação de madeira ilegal.
A modificação teria sido feita depois de
encontro desses madeireiros com o ministro Salles e a diretoria do Ibama, em 7
de fevereiro de 2020, no qual eles reclamaram da apreensão de produtos
florestais que haviam sido exportados para os Estados Unidos entre o fim de
2019 e início de 2020.
Em janeiro do ano passado, o FWS, órgão
ambiental norte-americano, pediu informações ao Ibama depois de apreender
madeira brasileira que havia aportado nos Estados Unidos sem a documentação
adequada. Uma semana depois, o Ibama informou que de fato a empresa exportadora
havia vendido a madeira sem a devida autorização, pois dados falsos haviam sido
inseridos no sistema de controle.
Mas, em fevereiro, o Ibama encaminhou ao
FWS certidões que liberavam a madeira. A contradição era tão óbvia que foi notada
pelo adido do FWS na Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Bryan Landry.
“Apesar da determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação por
funcionários do Ibama, as ‘certidões’ defendiam a liberação”, disse Landry em
ofício à Polícia Federal.
Além disso, o FWS recebeu do presidente do
Ibama, Eduardo Bim, um “despacho interpretativo” segundo o qual a autorização
de exportação não era mais necessária. A nova “interpretação” do Ibama, que
contrariava parecer de técnicos do órgão, foi formulada depois do encontro da
direção do órgão e do ministro Salles com os madeireiros e ignorava o que o
mesmo órgão havia determinado apenas um mês antes.
Em seu despacho, o ministro Alexandre de
Moraes declarou que “a documentação encaminhada traz fortes indícios de um
encadeamento de condutas complexas da qual teriam participação autoridade com
prerrogativa de foro – ministro de Estado –, agentes públicos e pessoas
jurídicas, com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem
brasileira retidas pelas autoridades norte-americanas”.
O ministro Salles alega que o ministro
Moraes foi “induzido a erro” e disse que a operação da PF foi “exagerada”.
Declarou que o Ibama agiu “de forma técnica”, pois a regra invocada pelos
norte-americanos “já deveria, naquela altura, ter sido alterada”. O fato,
contudo, é que a regra não havia sido alterada, e a direção do Ibama queria que
sua contraparte norte-americana a ignorasse, em nome de uma “interpretação”
generosa com os madeireiros.
O escândalo se soma às denúncias do
delegado da PF Alexandre Saraiva sobre o suposto envolvimento do ministro
Salles em ações para “causar obstáculos à investigação de crimes ambientais”. O
ministro, que já devia explicações a respeito dos seguidos recordes de
desmatamento, agora terá que esclarecer como uma importante norma em vigor
havia nove anos foi modificada numa singela canetada.
A mensagem do eleitorado
O Estado de S. Paulo
No Chile, negação da política leva
independentes a serem maioria na Constituinte
O resultado da eleição que definiu os 155 membros da Convenção Constitucional do Chile não deixa dúvida: a política foi a grande derrotada, ao menos a política dita tradicional. “Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma clara e forte mensagem ao governo e às forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados com as demandas e os desejos dos cidadãos e estamos sendo interpelados por novas expressões e por novas lideranças”, disse o presidente Sebastián Piñera, pouco após a divulgação do resultado da apuração.
Nestes tempos estranhos, é de reconhecer o
espírito democrático e o olhar realista de Piñera sobre o deslinde do pleito.
Não é exagero dizer que o próprio presidente foi um dos grandes derrotados
nesta eleição, se não o maior. Os candidatos conservadores e de centro-direita
da frente Vamos por Chile, apoiados por seu governo, obtiveram apenas 37
cadeiras na Assembleia Constituinte que será responsável por redigir, em um
ano, a nova Constituição do país, em substituição à atual Carta Magna,
promulgada em 1980, ainda sob a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Com menos de um terço dos membros do
colegiado, os conservadores e a centro-direita não terão condições de evitar
quaisquer mudanças mais significativas no texto constitucional, em especial no
que concerne à reestatização de serviços públicos que foram privatizados sob a
vigência da Carta de 1980. Não surpreende, portanto, que no dia seguinte à
eleição a Bolsa de Santiago tenha registrado queda de 9,3% e o peso chileno
tenha perdido 2,1% do seu valor em relação ao dólar. É o receio do chamado
mercado quanto aos riscos da irresponsabilidade fiscal que surge no horizonte.
O resultado da eleição no fim de semana
passado é reflexo das manifestações havidas no Chile em 2019, quando milhares
de cidadãos, notadamente estudantes, foram às ruas para protestar,
inicialmente, contra um aumento de 30 pesos chilenos na tarifa do metrô. A
agenda de reivindicações logo se expandiu e envolveu outros setores da
sociedade chilena, como sói acontecer em uma região marcada por profundas
desigualdades políticas e econômicas, chegando, ao final, aos violentos
protestos que reuniram cerca de 1 milhão de pessoas contra a chamada “classe
política”, clamando por uma nova Constituição.
Os candidatos ditos independentes, ou seja,
sem vinculação com os partidos políticos tradicionais, foram os grandes
vitoriosos na eleição e comporão a maioria da Constituinte, com nada menos do
que 65 das 155 cadeiras. É um grupo heterogêneo, formado por acadêmicos,
artistas, profissionais liberais, estudantes e ativistas políticos sem qualquer
vinculação partidária formal e tampouco unicidade de propósitos.
A esquerda, formada pela Frente Ampla e
pelo Partido Comunista Chileno, obteve 28 cadeiras na Assembleia Constituinte.
Já a centro-esquerda, com candidatos da Concertacíon que governou o país por
duas décadas após o fim da ditadura, conquistou 25 cadeiras.
Os independentes venceram de forma
avassaladora porque foram muito hábeis em dialogar com setores da sociedade
descontentes com os chamados políticos tradicionais, compreendendo melhor os
seus anseios e oferecendo-lhes respostas que a política partidária não foi
capaz de dar. O Brasil foi seduzido por este discurso personalista,
antipolítica, que, em geral, oferece soluções simples e facilmente assimiláveis
para os problemas sociais, mas não necessariamente as corretas.
Partidos políticos são fundamentais em
qualquer democracia, pois, em linhas gerais, têm a função de organizar a
miríade de interesses da sociedade. À falta deles, ainda que não do ponto de
vista formal, mas de seu enfraquecimento, abre-se uma larga avenida para
aventureiros. Aqui estão os brasileiros, pagando dia sim e outro também por
esta malévola negação da política.
Não se sabe, evidentemente, qual será o
produto da Assembleia Constituinte. Tanto menos gravoso para a sociedade
chilena ele será, agora ou no futuro, se o diálogo entre políticos e sociedade,
que faltou nos últimos anos, prevalecer no curso dos debates entre as forças
sociais representadas no colegiado.
Vacinação para o PIB
O Estado de S. Paulo
Ministério da Economia mostra em estudo o
valor da vacinação para a retomada segura
Contrariando o negacionismo do presidente Bolsonaro, o Ministério da Economia aderiu abertamente aos padrões do mundo civilizado ao destacar, em seu Boletim Macrofiscal de maio, a importância da vacinação para o crescimento econômico. “A vacinação em massa, a consolidação fiscal e as reformas pró-mercado, todas em curso, pavimentarão o caminho para um crescimento sustentável que dê suporte a emprego, renda e maior nível de bem-estar da população brasileira”, afirmam os autores do relatório já no resumo apresentado na primeira página. Esse destaque, incomum na comunicação oficial do governo, tem sido rotineiro, desde o ano passado, em publicações do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras entidades multilaterais.
Nenhum outro chefe de governo, pelo menos
no mundo retratado pela imprensa internacional, resistiu tanto quanto o
presidente Jair Bolsonaro, e por tão longo tempo, à aquisição de vacinas contra
a covid-19. Além disso, nenhum outro dedicou tanto esforço a desacreditar a
segurança e a eficácia dos imunizantes Nem seu guia político e espiritual, o
americano Donald Trump, se engajou tão claramente em campanha contra qualquer
imunizante. Ao contrário, o governo dos Estados Unidos apoiou a pesquisa e
encomendou grandes volumes de vacinas apenas prometidas, naquela fase, pelos
laboratórios envolvidos na pesquisa.
Só com muito atraso o governo brasileiro
abrandou a campanha contra a vacina – sem a abandonar inteiramente – e mostrou
algum interesse em comprar imunizantes. Em outubro do ano passado, quando a
vacinação ainda era apenas uma esperança, a importância de uma possível
imunização já era mencionada em documento do Fundo Monetário Internacional
(FMI). Em janeiro, na versão atualizada desse documento, o Panorama Econômico Mundial, a
palavra “vacina” apareceu logo na primeira frase. O otimismo dessa menção foi
em seguida contrabalançado por uma advertência sobre o risco de novas ondas da
covid-19 e de variantes novas do coronavírus.
Referências como essas têm sido comuns em
comentários, estudos e análises produzidos fora dos ambientes mais dominados
pelo espírito bolsonarista. Ao comentar os efeitos econômicos, em março, de
novas medidas de isolamento seguidas em várias cidades, o pesquisador Claudio
Considera, coordenador do Monitor
do PIB-FGV, apontou a importância de acelerar a vacinação. Essa
medida valerá, acrescentou, como “primeiro passo para que a economia possa
crescer de forma mais sustentável a longo prazo”.
Coronavírus, covid-19, novas ondas da
pandemia e vacinação rápida tornaram-se variáveis muito importantes para a
análise econômica. São essenciais para o exame dos fatos imediatos e também
para as projeções.
Bolsonaro e seus seguidores, no entanto,
continuam tratando atividade econômica e cuidados com a saúde como preocupações
contrastantes. Ao incentivar as aglomerações, o desprezo às precauções
sanitárias e uma falsa normalização da vida, o presidente da República tem
contribuído para mais contágios, mais internações, mais mortes e novos atrasos
na retomada.
A observação desses fatos, conhecidos e
lamentados internacionalmente, ilumina de forma especial o novo Boletim Macrofiscal do
Ministério da Economia. Na edição anterior havia aparecido uma referência à
relevância da vacinação para o crescimento seguro. Na edição atual, no entanto,
uma página especial é dedicada ao tema, com o resumo de um estudo sobre a
experiência de 30 países no período de novembro de 2020 a abril deste ano.
Esse estudo sugere, entre outros pontos, a
seguinte conclusão: cada aumento de 10 pontos porcentuais nas doses aplicadas
por 100 habitantes está associado à elevação de 0,13 ponto porcentual na
projeção de crescimento econômico em 2021. Imunizar significa permitir
mobilidade com risco menor e retorno mais seguro à produção e ao consumo. Esses
fatos básicos podem parecer óbvios, mas foram rejeitados por muito tempo pelo
presidente Jair Bolsonaro. Falta calcular quantos bilhões de dólares isso pode
ter custado – e quantas vidas.
Olho nas UTIs
Folha de S. Paulo
46% dos brasileiros veem epidemia controlada,
mas hospitais continuam cheios
Ninguém pode afirmar com grau de certeza,
diante da situação atual da Covid-19 no Brasil, se virá ou não pela frente uma
muito temida terceira onda da doença. Fato é que, decorridos 17 meses de
epidemia, a lição mais importante a extrair das mais de 440 mil mortes está na
precaução, desprezada amiúde pelo poder público.
Os números recentes de infecções e ocupação
de leitos de terapia intensiva não inspiram otimismo, ainda que a média móvel
de mortes esteja em discreto recuo. Seria rematada imprudência dar por
controlada uma enfermidade que ainda mata quase 2.000 brasileiros ao dia.
E, no entanto, aumenta de modo acentuado o
contingente de entrevistados pelo Datafolha a declarar que a pandemia está
controlada no país. Em março, quando a escalada de óbitos já caminhava para
ultrapassar 4.000 por dia, a tal avaliação era compartilhada por apenas 19% dos
brasileiros; agora, esse é o entendimento de 46% (outros 53% pensam o oposto).
Nada menos que 14 estados e 14 capitais
mantêm ocupação de UTIs de 80% para cima, metade
ultrapassando 90% —vale dizer, no limiar de repetido colapso.
No estado de São Paulo, 79% dos 12.766
leitos de cuidados intensivos se encontram tomados. A média de internações em
UTIs ultrapassara 13 mil no pior momento, em abril, e recuou para o patamar de
10 mil —mas
já parou de cair.
Como a média de casos voltou a crescer, não
se pode excluir que em algumas semanas os hospitais se vejam mais uma vez
inundados de doentes graves. Nessa hipótese, será questão de tempo as mortes
voltarem a proliferar.
Do governo federal embebido no mais abjeto
negacionismo nada mais se pode esperar, mas governadores e prefeitos na
administração cotidiana do combate ao coronavírus precisam agir de maneira
racional e responsável.
Entende-se a ansiedade dos cidadãos pela
volta célere das atividades —os danos provocados pela pandemia vão dos
psicológicos aos econômicos, passando por um desastre no aprendizado das
crianças mais pobres. O mundo político e as autoridades não podem nem devem
ficar alheias a essa situação.
Entretanto há que ponderar os riscos nas
decisões relativas a prolongar horários de abertura do comércio e permitir
festas e eventos públicos, pois as estatísticas dão pistas preocupantes.
Flexibilizações —como a programada pelo
governo paulista a partir de 31 de maio— precisam sempre ser planejadas de
acordo com a capacidade dos hospitais.
Fogo suspenso
Folha de S. Paulo
Pressão internacional ajuda a interromper
mais grave crise em Israel desde 2014
Depois de 11 dias de confrontos e
hostilidades envolvendo israelenses e palestinos, ambas as partes acordaram
um cessar-fogo a partir desta sexta (21), interrompendo, ao menos por
ora, a mais grave crise na região desde 2014.
Nesse período, a espiral de violência
infligiu sofrimentos enormes a civis de ambos os lados, em especial aos que
vivem na Faixa de Gaza.
Naquela área palestina controlada pelo
Hamas, morreram ao menos 232 pessoas, incluindo 65 crianças.
Estima-se que ali os bombardeios de Israel
também arrasaram ou danificaram seriamente cerca de 450 construções —dentre
eles um edifício de 13 andares que abrigava veículos de imprensa
internacionais, como a Associated Press e a TV Al Jazeera.
A destruição afetou hospitais e agravou a
escassez de alimentos, água potável e medicamentos, além de ter forçado mais de
50 mil palestinos a deixarem suas casas.
Com uma força de ataque e defesa
incomparavelmente mais poderosa que a do Hamas, Israel conseguiu não somente
produzir danos colossais em Gaza como minimizar os ataques do inimigo. Mesmo
assim, 12 pessoas, entre elas 2 crianças, morreram do lado israelense.
Nos últimos dias, os confrontos já haviam
ultrapassado os limites de Gaza. Grandes protestos explodiram em vários pontos
da Cisjordânia, a outra parte do território palestino, controlada pelo Fatah e
ocupada por Israel, gerando enfrentamentos e mortes. Além disso, uma greve geral
cerrou comércios e escolas em Ramallah e outras cidades da região.
Outra frente da crise —esta uma novidade
particularmente preocupante— foi a eclosão da violência sectária entre cidadãos
israelenses judeus e árabes, grupo que perfaz 20% dessa população.
Diversas cidades registraram confrontos,
com ataques a sinagogas e a empresas de propriedade árabe, assim como
linchamentos de parte a parte.
Com a escalada do conflito,
intensificaram-se também as gestões com vistas a um cessar-fogo. Os Estados
Unidos, que vinham agindo com discrição, passaram a pressionar Israel
abertamente por uma redução significativa e imediata dos combates. Nesta
quinta-feira (20), a Assembleia Geral das Nações Unidas se reuniu pela primeira
vez para tratar do assunto.
Esses e outros esforços, ao que tudo
indica, foram os principais responsáveis pela suspensão dos ataques. Mas, se a
pausa na violência é um sinal auspicioso, a verdadeira paz, na qual ambos os
povos possam coexistir de forma pacífica, ainda permanece distante.
Caso da madeira ilegal põe em xeque gestão de Salles
Valor Econômico
Com a operação ordenada pelo STF, Salles
junta-se ao rol dos operadores de Bolsonaro emparedados por outros poderes
Após a maior apreensão de madeira extraída
ilegalmente no país, em dezembro de 2020, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, tomou providências e agiu diretamente - a favor dos madeireiros, contra
a Polícia Federal. A PF investigou o caso, encaminhou ao Supremo Tribunal
Federal suas suspeitas e o ministro Alexandre de Moraes ordenou 35 mandatos de
busca e apreensão contra Salles e funcionários do ministério, além de afastar o
presidente do Ibama, Eduardo Bim e nove funcionários. A Polícia Federal reuniu
indícios de que possa haver algo mais do que uma simples “posição ideológica”
do ministro ao apoiar os madeireiros.
Ao desmontar gradualmente os órgãos de
fiscalização e desregulamentar a legislação que lhes dá base para seu trabalho
de fiscalização, Ricardo Salles cumpriu à risca seus propósitos e os de seu
chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Salles, ao procurar acabar com a “indústria
da multa” desfigurou o Ibama e a ICMBio, e criou um comitê para revisar as
autuações, cujo número despencou, e, mais importante, sinalizou um salvo
conduto aos vândalos do meio ambiente.
O que ocorreu com a atuação no caso da
apreensão da madeira exportada ilegalmente foi um passo além - e que pode lhe
custar caro. O adido americano Brian Landry tropeçou também na lógica avessa do
Ministério ao cuidar do destino da apreensão de madeira vinda do Brasil pelo
porto de Savannah, na Georgia, em nome da Tradelink Madeira Ltda, do Pará. Ele
estranhou a documentação completamente irregular. Não era pouca coisa, segundo
o despacho de Alexandre de Moraes: coordenadas do documento de origem que não
coincidem com a autorização, ausências de coordenadas das origens da madeira,
datas de transporte fora do período de validade, volumes de madeira não
coincidentes, destino falso e sem rota marítima (Valor, 20 de maio).
Com tudo isso, em 5 de fevereiro, o Ibama
enviou documentos aos EUA requerendo o desembaraço da carga. Em 25 de maio, o
presidente do Ibama, Eduardo Bim, informou sobre um despacho seu de 2020 que,
com uma canetada, eliminou a necessidade de autorização do Ibama para a
exportação de madeira da região. Assim, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem
americano (FWS) mostrou, com a apreensão da carga, o resultado prático da
mudança das regras feita pelo presidente do Ibama - o contrabando de madeiras,
fruto da dilapidação ilegal da floresta, está praticamente liberado no Brasil.
A Tradelink tem problemas na Justiça por
contrabando e outros crimes, entre eles trabalho escravo, e autuações de R$ 7
milhões (O Estado de S. Paulo, ontem). Estão sendo investigadas também as
associações dos exportadores de madeira do Pará e a de empresas de
concessionárias de florestas, com as quais Salles se reuniu antes de
desautorizar o delegado Alexandre Saraiva.
As suspeitas no governo recaem, entre
outros, sobre um assessor especial de Salles, denunciado por funcionário do
Ibama, Leopoldo Butkiewics, que intercedeu a favor dos autuados por exportação
ilegal. Além disso, a PF investiga o afastamento de servidores que levam a
fiscalização a sério e o pagamento de propina a funcionários.
Ao mesmo tempo, o Coaf detectou operações
atípicas de R$ 14,1 milhões feitas pelo escritório de advocacia do qual o
ministro do Meio Ambiente é sócio, o Carvalho de Aquino e Salles Advogados. O
Ministério Público paulista já levantara suspeitas de enriquecimento ilícito de
Salles, cujo patrimônio entre 2012 e 2018, após passagem pela Secretaria do
Meio Ambiente estadual, subira de R$ 1,4 milhão para R$ 8,8 milhões. Salles
chegou a ser condenado em primeira instância por alteração do plano de manejo
da várzea do Tietê, que beneficiou mineradoras, mas foi depois absolvido pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo.
Com a operação ordenada pelo STF a pedido
da PF, Salles junta-se ao rol dos operadores de Bolsonaro emparedados por
outros poderes. Após a queda de Eduardo Pazuello, da Saúde, e de Ernesto
Araújo, das Relações Exteriores, o presidente pode se ver obrigado a livrar-se
de Salles, que agia mais do que pregava para “passar a boiada”. Boa parte da
desconfiança doméstica e internacional sobre a capacidade de o atual governo
mudar sua política de destruição ambiental se deve a sua permanência no
governo, sob auspícios do presidente. Bolsonaro já mostrou que muda de opinião
sob pressão - esbravejando, como sempre, para não perder a pose.
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