- Valor Econômico
Se a produtividade da economia não
aumentar, os próximos 20 anos serão desastrosos para todos
A pandemia afetou o mercado de trabalho em
vários países do mundo, mas a queda no emprego foi especialmente severa no
Brasil. Enquanto a atividade econômica já voltou aos níveis de antes da
pandemia, a taxa de desemprego continua bastante alta por aqui, assim como o
número de pessoas que desistiu de procurar emprego. E os trabalhadores menos
qualificados são os que estão sofrendo mais os efeitos da pandemia. Por que
será que o emprego está demorando tanto a reagir? Qual a perspectiva futura
para os trabalhadores jovens que não conseguiram completar o ensino médio?
A figura ao lado mostra índices de emprego medidos através da Pnad Contínua para os trabalhadores que completaram o ensino médio ou superior e também para os que só estudaram até o ensino fundamental ao longo de 2019 e 2020, na indústria, comércio e serviços. Podemos notar que as séries apresentaram um leve aumento ao longo do 2019. Mas, já no início da pandemia, no primeiro trimestre de 2020, o emprego dos trabalhadores menos qualificados começa a declinar acentuadamente, ao passo que entre os mais qualificados a queda é mais suave e concentrada no comércio e serviços.
Com o agravamento da pandemia, o emprego
despencou entre os menos qualificados dos três setores, com cerca de 20% dos
trabalhadores perdendo seu emprego. Já entre os trabalhadores com ensino médio
completo ou superior, a queda foi de 7% no comércio e apenas 3% na indústria e
serviços. Desde então, o emprego tem reagido lentamente para todos os grupos, mas
enquanto os mais qualificados já atingiram o nível de emprego do início de
2019, os menos escolarizados permanecem 20% abaixo. A situação é especialmente
grave entre os mais jovens que não completaram o ensino médio. Por que isso
ocorreu?
Em primeiro lugar, devemos notar que esses
efeitos fortes da pandemia no desemprego não estão acontecendo devido às
políticas de distanciamento adotadas para conter a disseminação do vírus. O
comportamento do emprego ao longo de 2020 foi bastante parecido nos locais que
adotaram políticas de distanciamento mais rígidas logo no início da crise com
relação aos que não as adotaram. Na verdade, esses efeitos decorrem em grande
parte do receio das pessoas de saírem de casa e serem contaminadas pelo vírus.
A taxa de isolamento social em São Paulo,
que antes da pandemia era de apenas 28%, atualmente está por volta de 40%.
Assim, mesmo depois de 1 ano e 2 meses desde o início da crise, 12% das pessoas
que costumavam sair de casa todos os dias para trabalhar ainda permanecem isoladas
em casa. E essa taxa apresentou poucas variações ao longo da pandemia,
independentemente das medidas de isolamento tomadas no Estado.
Junto com o isolamento, a pandemia provocou
alterações na forma de trabalho e nos padrões de consumo. Quase 13% dos trabalhadores
qualificados continuavam trabalhando de casa no final do ano passado, com
poucas alterações nesta taxa ao longo da pandemia. Por outro lado, menos de 1%
dos trabalhadores menos qualificados adotou o home office, pois trabalham em
ocupações que não permitem o teletrabalho. Mas será que as pessoas que estão
trabalhando de casa irão voltar a circular pelas ruas quando a pandemia acabar?
Há evidências de que grande parte delas não
voltará mais ao trabalho presencial, mesmo após o fim da pandemia. Dados do
Instituto de Pesquisa DataSenado (2020) mostram que entre aqueles adotaram o
home office, 75% preferem que no futuro o trabalho permaneça dessa forma. E a
grande maioria acha que a sua produtividade aumentou ou permaneceu igual com o
teletrabalho, o mesmo acontecendo com a produtividade da empresa em que
trabalham. Por fim, 70% afirmam que a adaptação ao home office foi fácil.
Acontece que, devido à alta concentração de
renda no Brasil, os padrões de consumo da parcela mais rica da população têm
muito impacto na geração de empregos dos menos qualificados. Os 10% mais ricos
concentram cerca de 1/3 do consumo total no Brasil. Assim, mudanças de
comportamento e no padrão de consumo dessa classe têm efeitos multiplicadores
no emprego bem maiores do que mudanças nas classes média e baixa. Por exemplo,
se as pessoas com maiores rendimentos permanecerem mesmo trabalhando de casa
após a pandemia, deixarem de frequentar restaurantes em dias úteis e passarem a
comprar comida e outros produtos pela internet, a recuperação dos empregos
menos qualificados pode demorar muito para ocorrer, pois este tipo de compra
não exige a presença de vendedores e garçons.
Em suma, apesar da retomada da atividade
econômica, a taxa de ocupação continua baixa, especialmente entre os jovens e
menos qualificados. Isso reflete uma persistência na taxa de isolamento social,
facilitada pelo fato de que parcela relevante das pessoas com maiores
rendimentos continua trabalhando de casa. Como estas pessoas são responsáveis
por uma grande parcela do consumo agregado no Brasil, sua mudança no padrão de
consumo tem grande efeito sobre o emprego nos setores de alimentos, vestuários,
shoppings e viagens, que empregam uma grande parcela de trabalhadores
não-qualificados. A renda desses trabalhadores, por sua vez, movimenta o
comércio informal nas ruas.
Assim, se grande parte das pessoas com
maior poder aquisitivo permanecer em home office após o final da crise, será
difícil que o emprego dos jovens não qualificados retorne para os níveis de
antes da pandemia, mesmo com a volta da circulação das pessoas nas ruas e nos
shoppings nos finais de semana. E quanto mais tempo os jovens permanecerem
desempregados, mais a sua trajetória profissional será afetada, diminuindo sua
felicidade, produtividade e salários no futuro, empurrando-os para a
criminalidade e aumentando a desigualdade de renda.
*Naercio Menezes Filho, é
professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da
FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências
Um comentário:
Há, possivelmente, um cálculo equivocado expresso no quinto parágrafo ... 12%???
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