Valor Econômico
Selic de dois dígitos protege, mas não
deixa país imune
O presidente do Federal Reserve (Fed),
Jerome Powell, não excluiu nenhuma possibilidade no combate à inflação muito
alta que assola os Estados Unidos. Pode subir os juros em 0,25 ponto percentual
nas sete reuniões do seu comitê de política monetária previstas para este ano e
até lançar mão de movimentos mais fortes, de 0,5 ponto percentual. O Brasil vai
sobreviver ao solavanco?
Os primeiros dias após a reunião do Fed, que ocorreu na quarta-feira passada, foram relativamente positivos. A bolsa subiu na semana, embora tenha oscilado um bocado. E a cotação do dólar caiu, fechando a R$ 5,39. Em parte, isso se deve à realocação de investimentos, que deixaram ações nos Estados Unidos, sobretudo de tecnologia, e foram para os emergentes, inclusive Brasil.
Mas esse movimento provavelmente não teria
ocorrido se, por aqui, os juros não tivessem subido antes. Com todas as queixas
de que o Banco Central brasileiro está atrás da curva e de que apertou de forma
pouco convincente, sinalizando por um bom tempo um ciclo apenas parcial, o fato
é que a meta da taxa Selic deve chegar nesta semana a dois dígitos, subindo dos
atuais 9,25% ao ano para 10,75% ao ano. É possível que aumente mais nos
próximos meses, para algo em torno de 12% ao ano.
Os juros não resolvem todos os problemas do
Brasil, já que a inflação ainda segue muito alta, falta confiança na política
fiscal e há muita incerteza política. Mas, sem a Selic nos níveis atuais, os
investidores provavelmente estariam mais reticentes em trazer recursos ao
Brasil. Há um grupo de países emergentes que está claramente atrás da curva,
como Indonésia, Índia e África do Sul, que tendem a sofrer mais com o Fed.
O juro alto é uma espécie de vacina que
amortece o impacto da alta de juros pelo Fed, mas não garante imunidade
absoluta. Os economistas estão fazendo as suas apostas sobre qual vai ser o
efeito líquido no Brasil. Tem uma corrente que acha que a alta de juros pelos
Estados Unidos pode ter desdobramentos positivos, pois lida com um foco central
de pressão inflacionária global.
O próprio Banco Central vem chamando a
atenção para isso. Os gigantescos estímulos monetários e fiscais injetados nos
Estados Unidos aumentaram fortemente a demanda por bens industriais e, por
tabela, por insumos usados para produzi-los, incluindo energia. Se os Estados
Unidos forem bem-sucedidos em conter essa pressão, o Brasil terá uma força que
puxa a inflação para baixo.
Mas tudo vai depender, é claro, de quanto a
própria alta de juros pelo Fed vai atingir o Brasil. Mesmo com os juros
internos mais altos, é de se esperar que haja alguma pressão na taxa de câmbio.
Esse seria um vetor que puxa a inflação para cima.
Qual das duas forças tende a prevalecer, ao
final? Vai depender do quão ordenado for o processo de alta de juros nos
Estados Unidos. E da capacidade do Fed de conseguir controlar a inflação.
Um documento publicado há alguns dias pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que a precificação do mercado para
as altas de juros estava aquém do que havia sido indicado em dezembro pelos
membros do Fed. Com uma geração mal acostumada com a política acomodatícia, os
mercados acreditam que o BC americano vai largar a toalha no primeiro sinal de
fraqueza da atividade econômica ou dos preços do ativos. Quando o mercado
acordar para o fato de que Powell fala sério, poderá haver alguns solavancos.
Há muita incerteza sobre o tamanho do
aperto. O chairman do Fed não deu um roteiro claro para a alta de juros. “Não é
possível prever com muita confiança exatamente qual trajetória de juros será
mais apropriada”, disse, em entrevista coletiva. O Bank of America passou a
prever altas de juros em todas sete reuniões que restam neste ano, o que
elevaria a taxa, hoje próxima a zero, para o intervalo entre 1,75% e 2% ao ano.
Experientes economistas dizem que, num ritmo de 0,25 ponto percentual por
reunião, o Brasil aguenta bem, se não houver nada muito negativo nas eleições.
Mas será que esse ritmo de aperto e orçamento seriam suficientes?
Os analistas econômicos estão fazendo as
contas do que seria necessário, em termos de juro, para baixar a inflação
americana, que chegou a 7%. A Nomura, por exemplo, fala que pode ter alta de
0,5 ponto percentual. Um juro nominal de 1,75% ao ano ainda está abaixo da taxa
neutra, que em dezembro os próprios membros do Fed estimaram em 2,5% ao ano.
Qualquer coisa abaixo de 2,5% ao ano, portanto, mantém a política monetária
acomodatícia. Além disso, o que vale é a taxa real. As projeções de mercado
para inflação neste ano estão por volta de 3%.
Outra dúvida é se os Estados Unidos vão
conseguir controlar a inflação tão rápido. Os juros não são a única força que
poderá ajudar a trazer os índices de preços para baixo. Powell citou a retirada
dos estímulos fiscais e uma melhora no lado da oferta na economia, embora
acredite que a retomada das cadeias produtivas possa se prolongar em 2023. Mas
há também forças que podem fazer a inflação ficar mais persistente.
O FMI citou, no seu Panorama Econômico
Mundial, o risco de uma eventual desancoragem das expectativas de inflação de
longo prazo. Esse era um problema que, nos últimos anos, parecia restrito a
economias emergentes, como o Brasil. Os Estados Unidos conviveram por anos com
expectativas de inflação muito baixas. Agora, com o mercado de trabalho muito
apertado, e com desconfianças de que a taxa natural de desemprego subiu pelo
menos temporariamente, assiste a pressões por maiores reajustes salariais. Tudo
isso complica o trabalho desinflacionário.
Para o Banco Central brasileiro, não há
muito o que fazer, a não ser desejar boa sorte para o Fed e cuidar da nossa
própria inflação. Desde que o Brasil abandonou o regime de câmbio fixo, a taxa
de juros passou a ser manejada com vistas ao equilíbrio interno da economia. O
trabalho bem feito dá frutos. Entre 2005 e 2007, o Brasil baixou os juros,
mesmo em meio de um ciclo de aperto nos Estados Unidos.
Um comentário:
Tentando entender um pouco de economia,macroeconomia,microeconomia e afins.
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