Valor Econômico
Temor é de que para atrair o centro, Lula
espante a periferia
Antípodas políticos, o presidente Jair
Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazem cálculos políticos
quase convergentes para escolher o companheiro de chapa.
O primeiro quer, de novo, um general da
reserva para se blindar de um golpe do Congresso. O petista quer um
ex-adversário, possível símbolo de uma ampla aliança política, para se blindar
de um golpe militar.
Dois fatores traduziriam a escolha de Geraldo Alckmin, um ex-algoz do PT, para compor a chapa presidencial com Lula. O capital político do ex-tucano para ajudar o PT a tentar eleger pela primeira vez o governador de São Paulo, façanha nunca antes alcançada pela legenda.
Em segundo lugar, o desafio de construir a
mais ampla aliança política desde a redemocratização, para tentar blindar Lula
e o PT do risco de um eventual golpe militar, num contexto de declarações de
Bolsonaro de que não aceitaria a derrota nas urnas.
Ontem a perspectiva do ex-tucano se tornar
vice de Lula avançou várias quadras no tabuleiro após a reunião de Alckmin com
a cúpula do PSB, em que sua filiação ao partido foi selada. Mas apesar da
evolução, esse movimento ainda gera profundo descontentamento em alas do PT e
na militância.
Na sexta-feira, uma discussão online,
puxada pelos ex-presidentes do PT Rui Falcão e José Genoino, amplificou a
insatisfação nos andares de baixo do partido.
Há um desconforto no fato de que,
empenhados em atrair as forças de centro, Lula e o PT se arrisquem a espantar
os votos da periferia, outrora reduto cativo da legenda. Lembre-se que em 2016,
o tucano João Doria - hoje presidenciável do PSDB -, impediu a reeleição do
prefeito Fernando Haddad e venceu o páreo, com votos da periferia.
“O que estou observando nas favelas do Sol
Nascente, Pôr do Sol, Estrutural, é que nossas irmãs [e irmãos] pretas e pretos,
que já tinham aquecido seus corações para trabalhar pelo Lula e pelo PT e por
Dilma, que é adorada na periferia, esse aquecimento, com o anúncio de Alckmin
como vice, vem arrefecendo”, protestou a pastora Wall Moraes, liderança do PT
entre negros e evangélicos no Distrito Federal.
O ativista Carrapa, de 57 anos, liderança
do PT na favela da Vila Kennedy, na zona oeste do Rio de Janeiro, também
questionou a opção pelo ex-tucano: “do ponto de vista das favelas, das
comunidades, estações de trens, metrô, barcas, o Alckmin é um chuchu, ele não
agrega eleitoralmente nada para o Lula, não é ele que vai trazer essa
conciliação [na política]”, criticou.
Carrapa não poupou nem Lula, que declarou
que Alckmin é uma pessoa preocupada com os pobres. “Isso não é verdade, Alckmin
sempre foi uma pessoa preocupada em espancar professores, o índice de
assassinatos de periféricos, de negros como eu, subiram quando Alckmin era
governador”, completou. Ele ressalvou que votará em Lula, mas se sentirá
constrangido de pedir votos para a chapa por causa do ex-tucano.
Para o deputado Rui Falcão (SP), o problema
é que o PT enfrentará uma “campanha de guerra”, com “milícias, ‘fake news’,
ameaças de não ceder à vitória se ela provir”, entre outros desafios. E nessa
conjuntura de adversidades, teme que impor um ex-adversário como vice de Lula
desmobilize a militância, em uma campanha em que o engajamento, o corpo a
corpo, a conversa olho no olho farão a diferença para conquistar votos.
Em contrapartida, o secretário-geral do PT,
deputado Paulo Teixeira (SP), argumenta que num cenário de “tanta destruição e
da ameaça de um golpe militar, o esforço do partido é a construção de uma chapa
ampla” para reverter tudo isso. Teixeira não acredita no risco de
desmobilização dos militantes, porque todos teriam a “dimensão dos danos que
esse presidente causou ao país”.
Mas Teixeira ressalta que a discussão do
vice de Lula se dará em outro momento e com a participação da militância. “O
que está em debate hoje é a candidatura do Lula e o programa de governo, o vice
é o passo seguinte”. O PT prepara o lançamento da pré-candidatura de Lula para
a primeira quinzena de abril.
No outro front
Em outra frente, a sondagem ao comandante
do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, para assumir o Ministério da Defesa a
partir de abril, mostra que ganhou corpo nos bastidores do Palácio do Planalto
a reedição da chapa encabeçada por Bolsonaro, tendo um general da reserva na
vice - no caso, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto.
A conclusão de Bolsonaro e de uma parcela
de aliados é de que, apesar dos percalços com o vice atual, o general Hamilton
Mourão, ele efetivamente blindou o presidente de um eventual impeachment -
palavra que circulou vivamente no Congresso no primeiro ano da gestão do
ex-capitão, antes da aliança com o Centrão.
O vice de Bolsonaro não será definido antes
de junho, mas há expectativa de que ele solicite a Braga Netto que se
desincompatibilize no prazo legal e fique à disposição para ser escalado como
eventual vice em sua chapa. Se isso não ocorrer, ele engrossaria o time da coordenação
da campanha, já que prefere não disputar outros cargos eletivos.
Braga Netto ostenta um perfil ainda mais
adequado que o de Mourão para o cargo pela notória discrição e apreço ao
silêncio. Até hoje, as generosas declarações de Mourão à imprensa causam
arrepios no presidente.
Eventual escolha do general Paulo Sérgio
Nogueira para o lugar de Braga Netto daria oportunidade a Bolsonaro para
escolher outro comandante para a força terrestre. A possibilidade, todavia,
gera desconforto em setores da força terrestre: seria a terceira sucessão no
comando sob um mesmo presidente.
Outro incômodo entre militares é que
eventual nomeação do comandante para um ministério resgataria a polêmica
associação entre governo e Exército. Não completou uma semana a aguardada publicação
no Diário Oficial da União do decreto de transferência do general de Divisão e
ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello para a reserva remunerada. A relação
entre Exército e o governo federal é harmoniosa, mas os militares da ativa
preferem ver cada um no seu quadrado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário