Valor Econômico
Ação de Putin vai provocar inflação elevada
em todo o mundo e levar Rússia ao isolamento e empobrecimento ainda maior
anos uma guerra mundial sanitária,
provocada pela covid-19, depara-se agora com uma guerra convencional, detonada
pela vontade do autocrata russo Vladimir Putin.
A invasão da Ucrânia pela Rússia era uma
das ameaças que pairavam sobre o planeta, capaz de impedir a recuperação global
iniciada com a redução da pandemia. Analistas não acreditavam que Putin fosse
tão insano a ponto de autorizar uma invasão no momento em que o mundo começa a
superar a pandemia. Ele provou que é.
A despeito de suas reservas de US$ 630 bilhões, já parcialmente bloqueadas, e de seu poderio nuclear, herança da ex-União Soviética, a Rússia tem um desempenho econômico pífio nas duas últimas décadas. Jim O’Neill, em entrevista ao Valor de quarta-feira (2/3), disse que a Rússia está querendo ser “mais do que seu peso econômico lhe permite”, 2% do PIB global.
O’Neill é o economista criador, quando
trabalhava na Goldman Sachs, do célebre acrônimo Bric, dando origem ao grupo
que reuniu a princípio os grandes emergentes - Brasil, Rússia, Índia e China -
e que posteriormente ganhou um “s” ao incorporar a África do Sul. Em 2001, ao
concluir seu estudo, O’Neill previa que os quatro emergentes deveriam se
tornar, até 2050, a maior força econômica mundial, superando em valor do PIB os
países do G6, que são EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália.
Na entrevista ao Valor,
O’Neill observou que Rússia e Brasil foram uma “grande decepção” nas duas
últimas décadas: não conseguiram fazer crescer suas economias de acordo com o
nível previsto pelo trabalho.
Após a declaração de O’Neill, o economista
Robinson Moraes, do Valor Data, comparou os dados projetados no estudo original
dos Brics com o crescimento efetivo nos últimos 21 anos. O resultado, retratado
nos gráficos ao lado, comprovam a declaração. A Rússia continua pobre, mas
arrogante (finge ser rica), a ponto de invadir um país vizinho e ameaçar o
mundo com seu arsenal nuclear. Seu crescimento acumulado no período foi de
90,8%, ante uma expectativa de 134,8% indicada no trabalho de O’Neill.
O desempenho do Brasil é ainda mais
decepcionante, ocupando a lanterna do grupo: crescimento de 54,2% ante uma
previsão de 109,2%. China e Índia brilharam e expandiram o PIB bem além do
previsto pelo trabalho. O que levou O’Neill a dizer que, em vez de Bric,
deveria ter criado o acrônimo IC.
Até 2013, tanto Rússia quanto Brasil
apresentaram índices de crescimento econômico que confirmavam a trajetória
prevista pelo trabalho de O’Neill. A partir de 2014, passaram a ter expansão
sempre inferior à projetada e seguem de braços dados - conduta que parece
agradar a Jair Bolsonaro - como retardatários do bloco. Na Rússia, as principais
razões da semiestagnação são conhecidas: sanções econômicas aplicadas pelas
potências ocidentais após a anexação da Crimeia, em 2014, e a queda dos preços
do petróleo, principal produto de exportação do país.
Para a doença da estagnação brasileira há
diferentes diagnósticos. Os economistas mais ortodoxos sustentam que decorre de
políticas irresponsáveis dos governos petistas, especialmente o de Dilma
Rousseff, que desestimulou investimentos com sua irresponsabilidade fiscal. Os
heterodoxos sustentam que a economia desabou por causa da queda das commodities
e depois que passou a prevalecer, em 2014/15, a política radical de contenção
de gastos e austeridade fiscal.
As declarações de O’Neill, de qualquer
forma, parecem marcar o triste fim do grupo do Brics, que se uniu, criou um
banco, mas não evoluiu para um relacionamento efetivo. Agora que um dos membros
do grupo invadiu o vizinho europeu, a ineficácia do grupo se tornou ainda mais
evidente. O próprio banco do Brics suspendeu empréstimos à Rússia. A ONU aprovou
resolução em que condenava o ataque russo na Ucrânia e pedia a imediata
retirada das tropas. O Brasil votou a favor da resolução, embora com algumas
ressalvas - a posição do presidente Jair Bolsonaro é de neutralidade. China e
Índia se abstiveram.
Seja qual for o destino da guerra, a
economia da Rússia será duramente afetada durante mais uma década, a menos que
o povo russo force um acordo de paz e a retirada de Putin do poder, o que é
pouco provável.
Putin deve levar o mundo para um período de
inflação elevada, e o povo russo para um isolamento e empobrecimento. Mas esse
desastre econômico tende a ser uma lição exemplar, que deve servir para outros
países potencialmente agressores ou que não se adequem às novas unanimidades
globais, como as da área ambiental.
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