Folha de S. Paulo
A decisão do movimento de amadurecer nunca
teve a coragem de ir até o fim
Ir do Brasil
para a Ucrânia em pleno conflito armado para ajudar na resistência
contra os invasores russos? Era obviamente um golpe de marketing, um exemplo
extremo de vale-tudo para aparecer, mas era também o tipo de coisa para
capturar a atenção dos eleitores.
Não se vence eleição com debate técnico; é
preciso fazer barulho. Aprove-se ou não seus métodos, o
MBL é craque na comunicação das redes sociais.
Não contavam, contudo, com o desastre
dos áudios de Arthur do Val sobre as mulheres ucranianas. Mistura de
machismo com o detalhe sórdido extra da exploração da pobreza pelo turismo
sexual.
Comparar uma fila de refugiadas com uma fila de mulheres na balada não é o que se espera de um defensor da família. E isso veio poucas semanas depois do episódio em que Kim Kataguiri defendeu a liberdade à defesa do nazismo.
O MBL nasceu dos protestos de junho de 2013
que reconfiguraram a política brasileira. Tanto nas propostas quanto na
comunicação eram a cara do sentimento antissistema que marcou aqueles dias. Seu
mix de linguagem
das redes (cortes de vídeos e memes), pose de outsider virtuoso, indignação
moralista e liberalismo econômico radical funcionou muito bem nos protestos
contra o governo Dilma e também nas eleições de 2018, em que optaram por ser
linha auxiliar do bolsonarismo.
Pessoas próximas ao MBL protagonizaram as
primeiras milícias digitais, verdadeiros gabinetes do ódio e fábricas de fake
news contra adversários e desafetos, como Marielle Franco.
E, no entanto, o governo Bolsonaro, que
ajudaram a eleger, foi também uma janela para uma possível redenção. Ao se
negarem a serem coadjuvantes do governo, foram cuspidos pelo bolsonarismo e
perderam uma boa fatia de seu público.
Daí em diante o MBL
se converteu em movimento de oposição democrática, estabelecendo pontes
inclusive com políticos e pensadores de todo o espectro político, inclusive
comigo.
A decisão de amadurecer, contudo, nunca
teve a coragem de ir até o fim. Talvez porque perdessem justo aquilo que os
destaca. É difícil combinar comunicação sensacionalista e que tende ao
extremismo —sempre com ataques, rótulos e oportunismo de sobra— com postura
responsável no exercício do poder. Apesar do discurso de renovação, voltaram
várias vezes às velhas práticas, como quando moveram campanha
contra o Padre Júlio Lancelotti.
O deputado Kim Kataguiri ilustra bem o
dilema do grupo. É inegável que amadureceu muito depois de eleito (apesar dos
deslizes de um ex-libertário), e hoje é um deputado produtivo, propositivo e,
ademais, disposto a trabalhar junto de todos os seus colegas.
Posso lamentar muitas de suas pautas (como
o desprezo pela questão ambiental) e mesmo assim reconhecer que, em sua
conduta, é um deputado acima da média. Mas será que, para se reeleger, vai se
erguer sobre seus méritos ou apostar no sensacionalismo agressivo que o elegeu
em 18? Tem sentido, para um deputado sério, continuar no MBL?
Uma coisa é construir uma aparência; outra
é manter a substância longe das câmeras. Arthur Do Val, em sua conduta
predatória, não é diferente de tantos outros supostos "conservadores"
que nos governam; apenas se deslumbrou mais e falou mais.
No vale-tudo para ficar por cima, divulgar
áudios destruidores de alguém que se considerava seu amigo é só mais uma
ferramenta. O MBL agora experimenta um pouco dos linchamentos virtuais que ele
próprio ajuda a promover. Oportunismo, falta de escrúpulos, histrionismo tudo
por fama, sexo e poder; será que suas virtudes na comunicação são separáveis de
tudo isso?
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