quinta-feira, 17 de março de 2022

Maria Cristina Fernandes: Movimento do eu-sozinho

Valor Econômico

Para ampliar, não basta a Lula colocar Alckmin de vice e prometer um bis no legado

O conjunto das pesquisas publicadas nas últimas semanas demonstrou que a terceira via tornou-se uma questão de dogma ou fé. Cristalizada, a polarização mostra, por um lado, um governo mobilizando o tesouroduto a serviço da reeleição. E, por outro, um ex-presidente que sustenta o favoritismo no gogó do legado. Arrisca dar sorte ao azar.

A formulação que agregou o ex-governador Geraldo Alckmin foi a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está à frente de um movimento e não de um partido. A ideia é reproduzir o apelo à democracia que moveu Tancredo Neves na abertura.

Naquele momento mobilizaram-se lideranças, partidos, movimentos sociais, sindicatos, empresários e banqueiros para levar para dentro do colégio eleitoral o desejo de mudança da campanha pelas eleições diretas. Por isso, quando Tancredo morreu, não houve retrocesso.

O ex-presidente José Sarney deu outra cara à transição, mas a abertura seguiu adiante com a Constituinte e as eleições diretas porque, àquela altura, já se tratava de um movimento amarrado de cima a baixo.

Não se trata de dar amplitude aos temores do PT de um atentado contra Lula. Mas de constatar que o bolsonarismo tem sabido aproveitar melhor o momento em que a terceira via se esfarinha. Isso porque Lula não se tornou um movimento.

Um pouco antes do Carnaval, Lula reuniu-se com 32 economistas mobilizados pela Fundação Perseu Abramo. Pediu ideias, mas alertou: não tenho porta-voz na economia.

Na semana passada, um emissário petista foi conversar com um grupo de empresários e banqueiros que tem mantido encontros frequentes com representantes da terceira via e já começaram a se dar conta de que a barca é furada.

Se ainda navega é porque tem timoneiros bem relacionados que dão a alternativas como o governador Eduardo Leite um tamanho maior do que, de fato, tem, com o objetivo de fazer desta articulação um ativo político para futura negociação.

É um grupo sensível à ausência de interlocutores com os quais possa discutir os rumos de um eventual terceiro governo Lula. Indagado se Lula III seria mais parecido com o I (que gostam) ou com o II (que desgostam), ouviram deste emissário petista que ele é o mesmo que fez o governo no qual todos ali ganharam muito dinheiro. E que um candidato que queira dar um cavalo de pau na economia não escolhe Alckmin para vice.

O emissário ainda lhes disse que do apoio deles dependia 10 pontos percentuais nas pesquisas, pela influência em formadores de opinião. Mas o entendimento pouco avançou. Os empresários acham que Alckmin protagonizou uma rendição incondicional por ter aderido sem negociar um programa mínimo. Não engolem Guido Mantega como signatário de propostas nem tampouco a carta lulista a-garantia-sou-eu.

Em artigo na “Folha de S.Paulo”, o empresário Ricardo Semler, que advoga pela adesão dos seus pares a Lula, apelou a que o PT busque interlocução com Arminio Fraga, Pedro Malan ou Persio Arida.

Sim, também falta renovação no lado de lá, mas é o campo de Lula que está na peleja para agregar. Para não dizer que é mais do mesmo coloca os jovens Guilherme Mello (Unicamp) e Gabriel Galípolo (ex-Fator) na vitrine. Nenhum deles, repita-se, em nome de Lula.

Tampouco falam os mais escolados, como o deputado estadual Emídio de Souza e o governador do Piauí, Wellington Dias, que estiveram na XP. Ou ainda o governador do Ceará, Camilo Santana, que falou aos empresários do Esfera, grupo liderado por João Carlos Camargo protótipo do Lide.

Nas conversas das quais Lula, de fato, participa, repete mais ou menos o mesmo discurso que mantém em público sobre desigualdade, reforma trabalhista e Petrobras. Há um presidente à frente da estatal que busca preservar a empresa de novos assaltos e o PT vai na mesma toada de Bolsonaro e do Centrão de bater nos “lucros extraordinários”. É tão difícil assim perceber que há uma imagem a ser recuperada na gestão da Petrobras?

Foi esse prato requentado que Lula serviu em fevereiro quando jantou com Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), Cláudio Ermírio de Moraes (Votorantim) e Eduardo Sirotsky Melzer (EB Capital). O cardápio foi o de seus governos. Fez oito anos de superávit primário, o maior acúmulo de reservas e mais longo período de crescimento das últimas décadas.

E Dilma? Não soube dialogar, o que, qualquer um vê, não é seu caso. O mundo já girou 12 vezes em torno do Sol desde que Lula deixou o governo mas seu interlocutor precisa acreditar que ele saberá lidar com todas as novidades porque já sentou na cadeira antes. É esta a gênese do movimento eu-sozinho.

O que esses empresários que ouvem Lula e seus interlocutores custam a entender é a razão pela qual o ex-presidente, sem adversários à esquerda, continua com um discurso que, na verdade, é mais esquerdista do que o próprio candidato.

Custa a moldá-lo para conquistar a centro-direita do eleitorado e passa a impressão de que a ampliação da candidatura é centrípeta. Quem está no entorno é que deve se aproximar do seu eixo. E não o contrário.

A coisa muda depois de 2 de abril quando, fechadas a janela partidária, Lula sairá da bolha política? Se o fizer já encontrará um quadro distinto daquele do ano passado, quando Bolsonaro chegou a ser considerado carta fora do baralho e o PT temia o ex-juiz Sergio Moro.

Basta ver a última rodada da pesquisa Genial/Quaest. A favor de Lula concorre a economia, que pesa como o principal problema para a maioria, e a rejeição estratosférica (63%) de Bolsonaro.

Contra a percepção crescente de crise econômica e inflação galopante, o presidente maneja a melhoria nas expectativas de renda e emprego. Depois do auxílio, do vale gás, do perdão do Fies, do corte no IPI e do reajuste para professores vem aí a antecipação do 13º e a liberação do FGTS. E depois de pôr a PF para perseguir a terceira via, agora foi pra cima de Alckmin.

O presidente recuperou uma parte do eleitorado que havia migrado para a terceira via e ultrapassou, pela primeira vez, aqueles que não querem nem Lula nem Bolsonaro. Mas além do movimento que Felipe Nunes, diretor da pesquisa, chamou de “a volta dos que não foram”, Bolsonaro avançou no eleitorado lulista por excelência.

A avaliação negativa do governo caiu pela metade entre os que recebem o Auxílio Brasil. Em 2018 Bolsonaro foi o único dos eleitos pós-ditadura a perder no segmento mais pobre da população. Hoje é ele, o timoneiro do caos, o candidato que amplia.

 

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