quinta-feira, 17 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Ocidente deve apostar no caminho da paz

O Globo

A guerra na Ucrânia já mudou o mundo. Antes, a União Europeia acreditava ser possível manter uma relação pacífica com a Rússia baseada na interdependência econômica; havia décadas, os alemães mantinham gastos militares num patamar baixo; existiam dúvidas sobre o futuro da cooperação militar entre americanos e europeus. Passadas três semanas da invasão russa, tudo isso caiu por terra.

Não se sabe como o conflito terminará. Vladimir Putin esperava ganhar com rapidez. Pelo plano original, suas tropas seriam recebidas como libertadoras, e Volodomyr Zelensky, o presidente ucraniano, fugiria para o exílio. Não deu muito certo. As Forças Armadas russas mostraram ser menos eficientes do que se imaginava. Foram registrados problemas de planejamento, logística e equipamentos. Os ucranianos têm — até aqui — resistido. Mas a disparidade militar é tão grande que, mesmo com dificuldades, as tropas russas avançam, provocando mais mortes de civis e mais destruição.

Para deter isso, é preciso apoiar possíveis alternativas para Putin assinar um tratado de paz quanto antes. O rascunho de acordo, em 15 pontos, sobre o qual os negociadores se debruçavam ontem parecia apontar uma saída.

A entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) já era uma possibilidade remota antes da guerra. Na terça-feira, Zelensky afirmou que poderia descartar a hipótese. No rascunho de acordo de ontem, as autoridades russas sugeriram, em contrapartida, estar dispostas a aceitar que a Ucrânia mantenha as próprias Forças Armadas. Mas fizeram exigências sobre a proteção ao idioma russo, a manutenção da neutralidade ucraniana e o veto a instalações militares estrangeiras no país. Não há acordo sobre o destino das áreas ocupadas pelos russos desde 2014, em particular as repúblicas separatistas do Leste.

Como a Rússia é uma potência nuclear, Estados Unidos e países europeus têm negado o pedido de Zelensky para a impor uma zona de exclusão aérea nos céus da Ucrânia. Tal medida implicaria embates diretos entre as forças da Otan e de Putin, lançando a guerra num rumo incerto. A agressão russa precisava ser enfrentada com firmeza. Mas apostar no aprofundamento da guerra com a esperança de haver troca de poder na Rússia seria uma estratégia arriscada. Com certeza aumentaria a destruição e a chance de o conflito se espalhar e sair do controle.

A opção do Ocidente foi impor sanções econômicas sem precedentes. Há dúvidas pertinentes sobre a eficácia dessas medidas. Os danos para a população russa são óbvios, mas não necessariamente significam que Putin saia enfraquecido. As sanções lhe oferecem o pretexto ideal para culpar o Ocidente pelas mazelas — e fortalecer-se enrolado na bandeira do nacionalismo.

Déspotas raramente ficam no poder depois de perder uma guerra. Putin sabe disso e precisa, de algum modo, de uma saída que o torne vitorioso, que possa vender internamente como “missão cumprida”. Não está claro o que seria necessário para convencê-lo a mandar seus soldados para casa. Talvez esteja apenas tentando ganhar tempo com as negociações para preparar novos ataques. Mas, caso ele decida pelo caminho da paz, o Ocidente deveria deixar claro que sanções seriam suspensas e em que termos. O objetivo deveria ser achar uma forma de Putin poder cantar vitória, mesmo que parcial.

Consolidação de partidos em curso melhorará qualidade da política

O Globo

Está indefinido o resultado do troca-troca propiciado pela janela partidária aberta neste ano eleitoral e da formação de federações entre as diferentes legendas para concorrer no pleito de outubro. Mas o cenário que começa a se vislumbrar é animador. Nas palavras do cientista político Jairo Nicolau, “o enxugamento do quadro partidário está em curso”. Confirmada essa tendência — é certo que ainda há várias incógnitas —, o Brasil passaria a ter menos partidos, com maior consistência ideológica e programática.

A consolidação das legendas resulta da mudança na estrutura de incentivos aos políticos, gerada pela proibição de coligações nas eleições proporcionais e pela cláusula de desempenho gradativa que começa a ser exigida pela primeira vez na votação deste ano para a Câmara. Os partidos nanicos obtiveram um respiro com a aprovação da possibilidade de entrarem em federações. Mas felizmente fracassaram todas as tentativas de restabelecer as coligações ou de promover mudanças ainda mais nocivas ao sistema eleitoral (como o famigerado “distritão”).

O resultado é que, sem alianças e fusões (ainda que por meio das federações com quatro anos de validade), os pequenos partidos — e seus donos — ficariam ameaçados. Ao mesmo tempo, quanto maior for uma agremiação, maior o acesso a tempo de TV e ao fundo partidário, portanto maiores as chances de ela manter uma grande bancada na Câmara. Daí o incentivo para os partidos engordarem.

Os blocos partidários que se desenham cercam os dois principais candidatos à Presidência, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Em torno do primeiro, o PL atraiu a maior parcela das migrações na janela partidária e está prestes a se tornar o maior partido da Câmara. Em torno do segundo, embora o PSB tenha desistido de entrar na federação entre PT e PCdoB em virtude de questões regionais, a esquerda se torna mais

Também questões de ordem regional (como as dificuldades impostas pelos palanques presidenciais) impedem compactação maior no bloco de centro-direita, que começou com a fusão entre DEM e PSL para formar o União Brasil. Já houve conversas para uma federação abrangendo PSD, PSDB e MDB. Em vez disso, o PSD tem conseguido crescer sozinho. Atraiu o grupo em torno do prefeito do Rio, Eduardo Paes, e tem boas chances de receber a ala que cerca o ainda tucano e governador gaúcho, Eduardo Leite.

O crescimento do PSD e o esvaziamento de PSDB e MDB apontam um caminho que poderá se tornar inexorável, dependendo do resultado das urnas. Será a cada eleição mais difícil manter legendas pequenas como partidos independentes, por mais tradicionais que sejam. Por depurar o quadro partidário e torná-lo mais representativo de programas e ideologias, a consolidação é a melhor e mais desejável consequência de qualquer reforma política. É um alento que o Brasil esteja enfim nesse caminho. É fundamental, agora, que o país não ceda nas regras eleitorais que permitem seguir nele.

Sinais trocados

Folha de S. Paulo

Negociação na Ucrânia avança, mas com aumento da agressividade de Putin e Biden

A guerra na Ucrânia encerrou sua terceira semana com a coleção usual de horrores: combates renhidos entre forças de Vladimir Putin e os defensores ucranianos, civis sendo mortos ou expulsos de suas casas pela violência da invasão e um mar de desinformação.

Mas esta quinta-feira (16) também foi marcada por uma aparente ciclotimia de expectativas. De um lado, os envolvidos elevaram o tom de suas retóricas. De outro, há sinais palpáveis de que as negociações avançam rumo a pelo menos algum tipo de cessar-fogo.

Na realidade, as duas dinâmicas estão entrelaçadas, dado que ninguém quer sair como derrotado. Assim, Putin foi filmado em mais uma longa digressão acerca dos riscos que via numa Ucrânia ocidentalizada, para justificar o injustificável. Mas o russo enfatizou sua real motivação: se vê em guerra não com Kiev, mas com o Ocidente.

Chamou as sanções impingidas à Rússia de "blitzkrieg econômica" e previu o fim de um certo plano de dominação global por parte dos ocidentais, Estados Unidos de Joe Biden à frente.

Já o presidente americano começou o dia anunciando mais um pacote de ajuda militar e humanitária a Kiev e encerrou chamando Putin de criminoso de guerra, cobrado pelo ucraniano Volodimir Zelenski —este sob cerco russo.

O ucraniano pediu ao Congresso dos EUA que a ajuda seja mais incisiva, na forma de envolvimento da Otan (aliança militar ocidental) no conflito, passaporte para a guerra maior, talvez mundial, nuclear.

Tambores tocados, alguma luz surgiu em meio aos fumos da guerra. Negociadores russos e ucranianos, e mesmo Putin e Zelenski, deram declarações de que pode haver acordo sobre pontos da rendição condicional proposta por Moscou.

Ninguém usará esse termo, mas se aceitar renunciar à Otan e reconhecer territórios perdidos desde 2014, mantendo a cadeira, é o que o país atacado terá aceitado fazer.

Talvez seja a saída possível contra mais derramamento de sangue, e certamente não será o fim do cerco ocidental a Putin e à Rússia, sob o risco de validar a vitória da força bruta sobre a diplomacia.

Uma nova era nas relações internacionais está sendo gestada nesta crise, com a China atenta.

Todos os lados falam grosso porque talvez o momento da acomodação esteja próximo, o que dá sentido lógico aos sinais trocados. Putin precisa parecer forte para legitimar sua nova etapa de poder ante as elites que até aqui viviam em mutualismo com o autocrata.

Biden, a despeito da fraqueza de uma aliança militar que não pode fazer guerras, poderá dizer que venceu Putin com a força do dólar. E Zelenski sai da condição de presidente questionado e impopular à romantizada condição de Churchill do rio Dnipro. Como em todas as guerras, claro, há espaço para tudo dar errado.

Pedágio tucano

Folha de S. Paulo

Instituições devem investigação mais profunda e transparente do esquema em SP

Quem acompanha a política sem ilusões maniqueístas sabe que corrupção não é privilégio deste ou daquele partido. A maioria deles já se envolveu em suspeitas e casos comprovados de desmandos, e o acordo de delação da empresa Ecovias sobre pedágios paulistas oferece novo exemplo desse truísmo.

De acordo com reportagem da Folha, um executivo da companhia relatou pagamento de propina a políticos de ao menos quatro partidos com orientação ideológica diversa: Cidadania, PSDB, PT e União Brasil. A concessionária do sistema Anchieta-Imigrantes afirmou ter comprado proteção em CPI da Assembleia Legislativa.

Ademais, informações dadas por Marcelino de Seras, ex-presidente da empresa, incluem supostos pagamentos de caixa 2 eleitoral, no total de R$ 3 milhões, ao então governador tucano Geraldo Alckmin.

Na raiz da maracutaia esteve um cartel para fraudar licitações envolvendo 12 grupos em ação no estado. Ao todo, 80 empresas participavam dos consórcios mancomunados para lesar o público e o Tesouro paulista, segundo o delator.

O acordo de delação foi homologado na terça-feira (15) pelo Conselho Superior do Ministério Público. Para escapar de persecução penal, a Ecovias se compromete a pagar R$ 638 milhões, e seu antigo dirigente, mais R$ 12 milhões.

A soma de R$ 650 milhões seria ressarcida em dinheiro (R$ 200 milhões) e em obras (R$ 450 milhões), nas quais a empresa ficaria impedida de auferir lucro. O governo paulista descartou a proposta de reduzir tarifas do pedágio.

As investigações prosseguem sob a alçada da Delegacia de Defesa Institucional da Polícia Federal. Com efeito, há muito por apurar, diante da admissão de culpa pela Ecovias.

Não parece crível que mera meia dúzia de parlamentares e um único governador tenham levado vantagem no esquema bilionário —isso tudo, evidentemente, se confirmadas as informações obtidas por meio da delação premiada.

Os malfeitos, segundo Seras, abrangeram os anos de 1998 a 2015. Além de Alckmin, os tucanos José Serra e Mario Covas também foram governadores no período .

As instituições policiais e judiciais estão a dever investigação mais profunda do esquema de concessionárias de rodovias no estado de São Paulo, com total transparência.

Violência contra a Federação

O Estado de S. Paulo.

A título de baratear o diesel, congressistas interferem na autonomia dos Estados e, de quebra, podem ter contribuído para aumentar o preço do combustível

A título de baratear o diesel, congressistas interferem na autonomia dos Estados e podem ter contribuído para aumento.

Mais imposto sobre o diesel, um combustível já muito caro, poderá ser o efeito colateral de um novo lance populista, eleitoreiro e mal calculado – a uniformização do tributo cobrado pelos governos estaduais a título de, ora vejam, reduzir o preço do diesel.

Nove Estados e o Distrito Federal (DF) poderão ser forçados a aumentar a carga tributária para se ajustar à nova lei, já sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. O governo de São Paulo, um dos Estados com alíquota mais baixa, deve estar entre aqueles obrigados a aumentar a cobrança para se ajustar à nova regra. A decisão dos congressistas, alinhada aos interesses pessoais do presidente da República, indica despreparo, improvisação e disposição para intervir de forma autoritária na ordem federativa.

Os governos estaduais tributam o diesel, pelo velho sistema, cobrando um porcentual sobre o preço da bomba de combustíveis. A alíquota do tributo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pode ser diferente em cada Estado. Pela nova lei, será cobrado, em todo o País, um valor fixo, em reais, por litro do combustível.

Na média do preço atual do diesel, a alíquota média do ICMS, convertida em valor, corresponderia a R$ 0,81 por litro, levando-se em conta a média do preço de referência. A alíquota de São Paulo equivaleria a R$ 0,74. Outros oito Estados, além do DF, também teriam espaço para aumentar a cobrança e se ajustar à nova regra. Os dados são de uma simulação produzida por secretários de Fazenda e publicada pelo Estadão.

Ao aprovar essa lei, congressistas embarcaram no populismo tosco do presidente da República, sem examinar as condições atuais da tributação e os problemas de adaptação ao novo sistema. Mostraram desinformação, despreparo e desconhecimento de um padrão tributário implantado há mais de meio século.

Quando o Brasil importou o modelo do tributo sobre o valor agregado, os governos estaduais abandonaram o Imposto sobre Vendas e Consignações e adotaram, em 1967, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (a palavra Serviços e a letra S apareceriam depois da reforma ocasionada pela Constituição de 1988).

Desde a implantação do ICM, há 55 anos, a diversidade federalista produziu efeitos positivos e negativos. Os Estados puderam ajustar o novo tributo às suas prioridades. Houve alíquotas menores para alguns produtos, como alimentos básicos, e maior tributação de itens selecionados, como viria a ser o caso da energia elétrica. Mas a diversidade levaria também à concessão de facilidades para atração de investimentos. Isso facilitou a modernização de áreas menos desenvolvidas, mas criou condições para a guerra fiscal.

Governos estaduais tentaram coordenar seus interesses por meio de um conselho de secretários de Fazenda. Nem sempre conseguiram. Por isso, alguns problemas foram levados, nem sempre com solução rápida e eficiente, ao Supremo Tribunal Federal. Houve, também, tentativas de eliminar a guerra fiscal por meio de reformas legais, às vezes muito tímidas. Mas, de modo geral, evitou-se o risco de soluções contrárias aos padrões federativos, mantidos desde a reforma de 1967.

O ICM, baseado num modelo em vigor na Europa e discutido no Brasil por vários anos, foi implantado, no período militar, como parte de um grande conjunto de reformas. A subordinação do tributo ao poder estadual foi uma diferença importante, e às vezes muito criticada, em relação ao modelo original. Mas a adoção do sistema foi um avanço, apesar de seus muitos problemas, quando comparado com o padrão anterior.

Hoje, é um tanto estranho, e com certeza assustador, ver os valores do federalismo atropelados no Congresso – e especialmente no Senado, a casa da Federação – mais de quatro décadas depois de extinta a ditadura. Mais que a improvisação e os erros técnicos, inquieta ver um Legislativo alinhado aos arroubos autoritários de um presidente da República tão distante dos valores democráticos quanto dedicado a seus interesses pessoais. O debate sobre combustíveis e ICMS envolve instituições, muito mais que problemas de mercado e de finanças públicas.

O dever de regulamentar a greve

O Estado de S. Paulo.

Previsto na Constituição de 1988, direito de greve do funcionalismo ainda não foi regulamentado. A omissão sobrecarrega o Judiciário com tarefas que não lhe cabem

Quase uma década depois da propositura da ação, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento sobre a constitucionalidade do Decreto 7.777/2012, que dispõe sobre a continuidade de atividades e serviços públicos dos órgãos e entidades da administração pública federal durante greves, paralisações ou operações de retardamento. Assinado pela presidente Dilma Rousseff, o decreto estabelece que, em caso de greve, os ministros de Estado têm competência para “promover, mediante convênio, o compartilhamento da execução da atividade ou serviço com Estados, Distrito Federal ou municípios”, bem como para adotar “procedimentos simplificados necessários à manutenção ou realização da atividade ou serviço”.

Segundo o plenário do STF, o Decreto 7.777/2012 é constitucional apenas em relação às atividades e serviços públicos essenciais. Em outras situações, a medida do Executivo federal não é aplicável, uma vez que representaria um esvaziamento do direito constitucional de greve.

A conclusão desse julgamento, mais um entre tantos outros sobre o tema, recorda uma vez mais a omissão do Congresso em relação à regulamentação do direito de greve do funcionalismo público. É uma situação esdrúxula. No ano seguinte à promulgação da Constituição de 1988, o Legislativo regulamentou o direito de greve referente ao setor privado, por meio da Lei 7.783/89. No entanto, até hoje o Congresso não enfrentou o tema em relação ao setor público. Há um vácuo de normas infraconstitucionais, o que, além de privar a Constituição de sua plena eficácia, impõe ao Judiciário a tarefa de fixar os contornos do direito de greve para os funcionários públicos.

É o Congresso que deve regulamentar os direitos previstos na Constituição. Os órgãos da Justiça não dispõem dessa competência, que é de natureza essencialmente política. No entanto, sem a regulamentação legislativa, o Judiciário acaba sendo obrigado, ao julgar os casos que lhe chegam, a definir, na prática, uma regulamentação pela via judicial. Além do déficit democrático – magistrados não foram eleitos, não detendo, assim, poder político para fazer escolhas políticas –, essa situação expõe juízes, que são funcionários públicos, a uma constante pressão do corporativismo de entidades do funcionalismo público. Não é o cenário mais propício a decisões isentas e imparciais.

Em 2006, por exemplo, grevistas da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) conseguiram, por meio de um mandado de segurança, que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro impedisse o desconto no pagamento dos dias parados. A Corte disse que o desconto do salário representava a negação do direito de greve e que, por inexistir regulamentação específica, faltaria base legal para o poder público realizar os descontos. Note-se que, na época, já havia jurisprudência do STF dizendo que, na falta de lei específica para greves no funcionalismo público, deve ser aplicada a legislação comum sobre greve.

O caso da Faetec chegou ao Supremo. Concluído apenas em 2016, o julgamento reafirmou que servidores públicos em greve devem ter os dias parados descontados de seus salários. Só poderia haver pagamento integral em caso de acordo entre as partes ou se o motivo da greve fosse o atraso do salário.

A inexistência de regulamentação do direito de greve do funcionalismo público não é motivada pela escassez de projetos de lei sobre o assunto no Congresso. Apenas entre 1999 e 2015, foram apresentados 8 projetos de lei no Senado e 15 na Câmara. São propostos, mas depois não avançam, o que evidencia a força das pressões do funcionalismo. A ausência de regulamentação é muito benéfica para as entidades de servidores públicos, proporcionando o cenário ideal para uma irrestrita judicialização, com processos que duram décadas, num contexto especialmente vulnerável a pressões corporativistas.

É mais que hora de o Congresso pôr fim a essa omissão, que tem um alto custo para toda a sociedade. Serviço público é para servir a população, não para propiciar situações de privilégio.

Fed inicia ciclo de alta dos juros e BCB amplia o seu

Valor Econômico

O Copom elevou a Selic em um ponto percentual, para 11,75%, mas indicou novo aumento da mesma magnitude na próxima reunião

O Federal Reserve americano iniciou o ciclo de aperto monetário ontem, com um aumento de 0,25 ponto percentual na taxa de juros básica, para 0,5%, o primeiro desde 2018. Mas nas expectativas sobre o rumo da economia americana e da inflação nos próximos anos, assim como na evolução da taxa de juros até 2024, o Fed não deu sinais de que está com pressa. Ainda que indique que os juros devam subir na mesma dose nas sete próximas reuniões, eles atingirão 2% no fim do ano. Ao final do ciclo, pelo cenário de hoje, a taxa básica estacionará em 2,75%, um pouco acima do juro de equilíbrio, de 2,5%.

O cronograma de ajustes foi intensificado em relação ao da reunião de dezembro porque a inflação, tanto pelo índice ao consumidor, como pelo preferido do Fed, o de gastos pessoais de consumo, disparou. A invasão da Ucrânia pela Rússia, que trouxe aumentos fortes das cotações de energia e algumas commodities agrícolas, acrescentou pressões adicionais à inflação, embora o presidente do Fed, Jerome Powell, em entrevista após a reunião do Fed, não tenha dado peculiar ênfase a este fato na mudança de tom do banco.

O Fed, por outro lado, não ratificou as expectativas de um reajuste mais acelerado, de 0,5 ponto nas próximas reuniões, como sinalizado pelo próprio Powell em depoimento ao Congresso americano, embora essa possibilidade não tenha sido de nenhuma maneira descartada. O índice cheio de inflação (CPI) atingiu 7,9% em fevereiro, e a expectativa do banco central é de que o índice de gastos pessoais de consumo, de 6,1% em fevereiro, caia para 4,3% no fim do ano, enquanto que a política monetária mais apertada deve reduzir o núcleo do indicador de 5,2% para 4,1%.

Mais importante que isso é o fato de a inflação média ter se deslocado para o patamar de 4% a 5% neste ano e de 3% no ano que vem, situando-se pelo terceiro ano consecutivo a uma boa distância da meta de 2% e indicando prolongada persistência inflacionária. Segundo projeções dos membros do comitê de mercado aberto do Fed, o PCE só voltará para perto de 2% em 2024 (2,3%). Assim, a trajetória assinalada para o médio prazo não sinaliza aperto monetário intenso, como os mercados chegaram a temer antes e depois da guerra no Leste Europeu.

Powell estimou que a inflação deverá arrefecer a partir da metade do ano. De qualquer forma, mesmo com o nível de preços mais alto em 40 anos, o Fed não vê de imediato a necessidade de um choque de juros, mesmo que existam motivos para isso no cenário. O presidente do Fed disse que o mercado de trabalho está muito aquecido e as projeções mostram que, mesmo com o crescimento menor e juros comparativamente mais altos, o nível de emprego continuará até 2024 mais forte do que sua tendência de longo prazo (3,5% ante 4%). Além disso, segundo Powell, os aumentos salariais hoje deixaram de ser consistentes com a meta de inflação, embora ele enfatize que a economia americana é forte o suficiente para suportar sem problemas o aumento da carga de juros.

Pela trajetória estimada pelos membros do Fomc, os juros básicos vão a 2% ao fim de 2022 e a 2,75%-3% no ano que vem, quando o ciclo de aperto monetário deverá se encerrar. No entanto, este cenário é bem distinto do de dezembro, quando o BC americano projetava apenas três altas de 0,25 ponto percentual em 2022 e estimava um crescimento bem mais vigoroso do que o atual - 4% ante 2,8%. O Fed não parece nervoso e Powell afirmou que a volta da inflação à meta poderá levar mais tempo do que o previsto. Em nenhum momento ele reconheceu que o banco está “atrás da curva”, mesmo com a maior inflação em 40 anos, e desconversou sobre o assunto.

Apesar do viés de baixa do crescimento global, tanto pelos efeitos da guerra como pelo da nova onda de covid-19 na China, Powell descartou qualquer possibilidade de recessão nos Estados Unidos, mesmo com aumento dos juros, como as projeções do banco ontem indicaram.

O Banco Central brasileiro, por seu lado, decidiu aumentar a dose de juros. O Copom elevou a Selic em um ponto percentual, para 11,75%, como era amplamente esperado, mas indicou novo aumento da mesma magnitude na próxima reunião. Com isso, os juros irão pelo menos a 12,75% no final do ciclo, caso ele se encerre a seguir, o que é duvidoso - em um nível superior ao estimado antes das turbulências criadas pelo conflito na Ucrânia.

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