quinta-feira, 17 de março de 2022

Maria Hermínia Tavares: Palavras de mulher

Folha de S. Paulo

Oito em cada dez estão insatisfeitas com o tratamento que recebem da população

Na semana passada, pelo transcurso do Dia Internacional da Mulher, o Brasil teve de se haver de novo com manifestações patéticas, típicas do clamoroso reacionarismo do presidente, dessa vez secundado pelo procurador-geral da República. Um e outro incapazes de entender o valor da igualdade de direitos entre mulheres e homens numa sociedade civilizada, muito menos os avanços na matéria nas últimas décadas.

Eis por que merece leitura atenta o "Observatório Febraban 2022 – mulheres, preconceito e violência", que apresenta os resultados de uma sondagem com 3.000 brasileiras, esmiuçando seus pontos de vista sobre diferentes dimensões das iniquidades de gênero no país.

Embora considerem que as coisas melhoraram um pouco, oito em cada dez entrevistadas no estudo se disseram insatisfeitas com o tratamento que recebem da população —as negras mais do que as brancas, as solteiras mais do que as casadas.

Oportunidades semelhantes no mercado de trabalho e na educação; combate à violência de gênero e punição dos agressores; acesso a cargos de liderança; e o compartilhamento efetivo do trabalho doméstico são considerados indicadores de igualdade mais importantes do que a superação de normas conservadoras de conduta, maior liberdade sexual ou o direito ao aborto.

Em consequência, as manifestações mais sentidas de iniquidade são os desníveis de salário e as oportunidades profissionais desiguais; o fardo da faina doméstica; e os papéis sociais de coadjuvantes a que são relegadas as mulheres. Somando-se às manifestações rotineiras de preconceito e discriminação; ao assédio sexual e moral e à violência —vivida sobretudo em casa—, constituem, para as brasileiras, o núcleo das desigualdades de gênero. Dele já não faz parte o acesso à educação, percebido como um caminho aberto às mulheres. Já a sub-representação política, embora reconhecida, parece menos relevante.

As brasileiras reconhecem o papel das feministas para o avanço da igualdade. Uma em cada duas entrevistadas cita a Lei Maria da Penha —que visa punir a violência de gênero—, como o principal marco dessa jornada. Bem à frente do direito ao voto, lembrado por 19% das entrevistadas. Talvez por desconfiança do jogo político, a maioria (55%) se opõe às cotas partidárias, entendendo que a representação feminina deve ser espontânea e fruto do mérito individual.

Nem a agenda dos direitos reprodutivos, nem a da representação política fluem das prioridades captadas pela pesquisa da Febraban. Condições necessárias para uma sociedade mais justa, só podem ser obra de paciente persuasão.

 

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