quinta-feira, 17 de março de 2022

Míriam Leitão: Juros em alta e economia fraca

O Globo

Os juros subiram aqui e nos Estados Unidos. E vão continuar subindo. Nos dois países, as taxas foram elevadas não por causa da guerra, mas para combater a inflação que já estava alta, antes de o primeiro tanque russo tomar a estrada para Kiev. Contudo, aqui e lá a pressão inflacionária e o cenário econômico pioram muito com a guerra. O Fed deixou claro que este é o início do ciclo que pode incluir mais outras seis elevações com movimentos mais fortes do que o 0,25 ponto percentual aprovado desta vez. O Copom subiu a taxa em um ponto percentual, avisou de uma próxima alta da mesma magnitude e alertou que tudo piorou na economia internacional.

Há diferenças importantes. O Brasil está estagnado, e os Estados Unidos, crescendo. O Brasil tem alto desemprego e os Estados Unidos estão com o mercado de trabalho aquecido. Tanto que esse foi um dos motivos alegados pelo próprio presidente do Fed, Jerome Powell, para elevar os juros. Lá a taxa estava próxima de zero, e aqui já subiu muito e agora foi para 11,75%. Para um país, como o Brasil, cuja previsão de crescimento não passa de meio por cento é uma enormidade.

O Banco Central justificou a alta dos juros explicando que o ambiente externo “se deteriorou substancialmente”, as condições financeiras pioraram e aumentou a incerteza. A guerra da Ucrânia, segundo o BC, produziu um “choque de oferta” que tem “o potencial de exacerbar as pressões inflacionárias”.

O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que a incerteza geopolítica coloca uma pressão a mais na inflação de curto prazo. O Fed elevou sua projeção de inflação para 4,1% a 4,7%. Mas no ano passado foi de 7%. O cenário de juros subindo nos Estados Unidos movimenta todo o fluxo de capitais e isso pode produzir uma alta do dólar aqui. Os próximos dias serão fundamentais para se entender a leitura dos mercados sobre a mudança da política monetária americana, em sua primeira alta desde 2018. O dólar caiu no começo do ano, mas isso está mudando. Mesmo com a alta dos preços das commodities, a valorização do real não deve se sustentar nos próximos meses, porque o ano é de muita instabilidade política e da política econômica.

Os últimos dias foram ilustrativos da confusão que é o processo decisório na área econômica a partir do reajuste da gasolina. O presidente Bolsonaro está claramente criando constrangimentos públicos para que o presidente da Petrobras, general que ele mesmo nomeou, deixe o cargo. É uma encenação eleitoreira. Com isso Bolsonaro quer dar a impressão de que está ao lado do consumidor, seja o dono de carro da classe média, seja o caminhoneiro. E assim tenta se descolar da impopularidade que a alta dos preços dos combustíveis provoca.

O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, na entrevista que concedeu a Manoel Ventura, foi bem claro ao explicar a dinâmica dos preços, confirmando o risco de desabastecimento. “Hoje, 41% (dos derivados) são produção de outros ou são importação. Se o indivíduo comprar por 10 e a Petrobras estiver vendendo por cinco, ele vai trazer para o mercado aqui? Não. Então é um risco.”

Há um bate cabeça também em torno do subsídio à gasolina e ao diesel. Já foram dados R$ 20 bilhões na eliminação do PIS/Cofins do diesel, GLP e querosene de aviação. Bolsonaro quer que seja feito o mesmo com a gasolina, o que seria outro gasto de R$ 27 bilhões. Para o governo é uma perda de receita exorbitante, para o consumidor faria pouca diferença.

A preocupação de Bolsonaro se concentra no posto de gasolina, mas a do consumidor é também com o supermercado e a padaria. As cadeias do trigo, do milho e da carne já estão sentindo o efeito da alta das cotações e a dúvida sobre a oferta dos produtos. O preço dos fertilizantes está contaminando os custos da safra que nem foi plantada ainda. A energia terá reajustes fortes este ano, mesmo com o fim da bandeira de escassez hídrica que derrubará o índice de inflação em maio. O empréstimo que as distribuidoras estão pegando será pago por todos nós, a partir do ano que vem. E como os juros estão subindo, o custo será alto.

A situação econômica ficou ainda mais desfavorável à reeleição do presidente. Bolsonaro fará tudo o que puder para tentar mudar o jogo. Ele tem a máquina, ele tem o cofre, ele tem uma equipe econômica submissa. O Banco Central sabe disso. Tanto que alertou contra o risco fiscal presente e futuro.

 

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