quinta-feira, 17 de março de 2022

Malu Gaspar: Populismo na largada

O Globo

Todo mundo sabia que a economia seria o tema central da eleição de 2022. Mas quiseram a subida do dólar, a guerra na Ucrânia e a consequente alta na inflação que os dois principais candidatos à Presidência da República fossem confrontados já sobre temas centrais como a política de preços para os combustíveis ou a importância das reformas em seus futuros governos.

Estamos atravessando uma quadra capaz de delimitar os rumos da campanha. Se a cotação do petróleo escalar demais, será impossível conter o preço dos combustíveis e o efeito cascata sobre a inflação, o que favoreceria Lula e sepultaria as chances de Bolsonaro.

Do contrário, se o valor do barril de petróleo parar de subir, e o governo conseguir estabilizar os preços dos combustíveis sem quebrar as contas públicas, o presidente ganha um respiro. Todos os movimentos têm sido feitos de olho nesse cenário, e o que se tem visto até agora é puro populismo.

Sob a justificativa de impedir que a economia vá para o buraco, Bolsonaro vem acelerando o uso da máquina e as benesses indiscriminadas. Façamos as contas: serão R$ 30 bilhões em saques antecipados do FGTS, R$ 56 bilhões com o adiantamento do décimo terceiro para pensionistas e aposentados do INSS, R$ 90 bilhões para o Auxílio Brasil e até R$ 120 bilhões num fundo de estabilização dos preços dos combustíveis. Sem contar os cortes de impostos e subsídios fiscais, que poderão chegar a R$ 230 bilhões. Só aí vão, por baixo, uns R$ 500 bilhões.

Pode acontecer, porém, de todo esse dinheiro ser gasto e, ainda assim, Bolsonaro não conseguir nem reativar a economia, nem ganhar a eleição. A experiência já demonstrou que distribuir recursos de forma indiscriminada não é necessariamente a solução mais eficaz.

Além do mais, não está ao alcance do presidente da República fazer a cotação do petróleo e a do dólar caírem. E intervir na política de preços da Petrobras já foi, no passado, um tiro no pé. O presidente sabe disso, então esperneia contra a Petrobras e tenta empurrar a culpa para o general Silva e Luna, mas não resolve o problema.

O PT assiste de camarote, contando com o cenário pessimista. Em suas projeções, os conselheiros econômicos de Lula estimam que os estragos provocados pela alta do petróleo e pela guerra da Ucrânia serão tão grandes que tornarão a reeleição impossível para Bolsonaro. Por esse cálculo, basta a Lula jogar parado, como se diz no futebol, esperar o adversário se afundar e partir para o abraço.

É uma aposta com razoável probabilidade de sucesso. Mas embute riscos, porque, no caso do PT, existe um componente nada desprezível a combater: o antipetismo, professado por mais ou menos 45% dos eleitores, a depender da pesquisa. É menos que os quase 60% que não votam de jeito nenhum em Bolsonaro, mas ainda assim uma parcela relevante. Nessa batalha de rejeições, o presidente aproveitará todas as oportunidades possíveis para reativar esse antipetismo. E a missão de Lula, pelo menos em tese, é aliviar o peso dessa rejeição.

Não dá, por isso, para entender muito bem por que Lula tem feito um discurso excessivamente voltado para suas bases. Só nas últimas semanas, ele prometeu que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) fará parte de um futuro governo seu e defendeu os regimes autoritários de Cuba e da Venezuela.

Também afirmou que, se eleito, revogará a política de preços da Petrobras. A razão por que Lula tem recorrido a essa estratégia é um mistério até para alguns aliados. Ninguém discute que o petista não será vitorioso em 2022 falando para convertidos, mas até agora é exatamente isso o que ele tem feito.

Sempre que questionados, seus auxiliares mais próximos sugerem que o petista deve migrar para o centro quando o prazo para troca de partido terminar, e as alianças estiverem definidas. Foi o que Lula fez em 2002, com a Carta aos Brasileiros — divulgada só em junho, quando a campanha eleitoral já estava mais adiantada.

Por ora, no entanto, tudo o que os dois principais candidatos à Presidência têm oferecido para as questões complexas com que fatalmente terão de lidar são soluções simplistas que custam caro e adiantam pouco. Não se vê, nessa disputa tão precocemente polarizada, nenhum incentivo para uma discussão mais aprofundada sobre o que pode ser feito para reduzir nossas vulnerabilidades e evitar repetir erros do passado.

Tudo gira em torno de chavões eleitoreiros, enquanto esperamos a guerra acabar para ver o que sobra para nós. Como se já não houvesse razões suficientes, está aí mais uma boa razão para torcer pela paz. 

 

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