quinta-feira, 31 de março de 2022

Maria Hermínia Tavares: Extrema direita põe democracia na mira

Folha de S. Paulo

Minoria radical se prepara para as eleições como se fossem uma guerra de extermínio do adversário

No porão das redes sociais por onde escoa o lodo da extrema direita, circulam duas mensagens similares. Na primeira, a imagem estilizada de um Lula barbudo com a arma apontada para um corpo sem rosto ocupa a mosca de um alvo crivado de balas. Na outra, em vídeo, um homem anuncia que é "dia de brincadeira de Magnum 357" e aperta o gatilho enquanto exclama: "Olha lá um petista passando".

Na edição de 11/3, a revista Crusoé, insuspeita de simpatias esquerdistas, informa que clubes de tiro frequentados por apoiadores de Jair Bolsonaro são estimulados a usar imagens do candidato do PT em seus estandes de tiro. Impossível dizer se isso é a regra ou exceção. É certo, porém, que, sob o incentivo declarado do governo, os indicadores de afeição pelas armas e a facilidade de comprá-las dispararam feito metralhadoras.

Dados do Instituto Igarapé, obtidos via Lei de Acesso à Informação, mostram que cresceram os registros oficiais de armas de fogo em poder de pessoas físicas —alarmantes 134% entre 2018 e 2021; assim também o total conhecido nas mãos de CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores): 127% no mesmo período; e o contingente com registro ativo nessa categoria. Em 2021, foram concedidos mais de mil novos registros por dia: 388 mil CACs foram autorizados a comprar armas de fogo. O Instituto Igarapé revelou também que até novembro de 2021 existiam 1.802 clubes de tiro espalhados pelo país, um em cada três criado naquele ano.

Esses dados —já de si inquietantes por seus efeitos potenciais para o desfecho de desavenças da vida cotidiana— tornam-se assustadores quando se leva em conta que armamentos podem ser carreados para o crime organizado. E deveriam acionar os mais ruidosos alarmes, à medida que uma minoria radical se prepara para as eleições como se fossem uma guerra de extermínio do adversário.

Sobretudo, o modo pelo qual encaram a busca do voto popular é incompatível com a democracia. Como argumenta o cientista político Adam Przeworski, da Universidade de Nova York, o sistema, ancorado em votações periódicas, é a solução para o trato pacífico dos conflitos de interesse e opinião. Ao permitir a alternância no poder pelas urnas —e só por elas—, a democracia aumenta os custos da violência e reduz os incentivos para que os vencidos contestem os resultados adversos.

Seria absurdo supor que essa tese não se aplique ao Brasil, mas ela requer a rejeição pública e inequívoca da minoria de extrema direita que, com o patrocínio do governo, deseja ir à guerra em outubro para manter o seu chefe onde está.

 

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