Folha de S. Paulo
Minoria radical se prepara para as eleições
como se fossem uma guerra de extermínio do adversário
No porão das redes sociais por onde escoa o
lodo da extrema direita, circulam duas mensagens similares. Na primeira, a
imagem estilizada de um Lula barbudo com a arma apontada para um corpo sem
rosto ocupa a mosca de um alvo crivado de balas. Na outra, em vídeo, um homem
anuncia que é "dia de brincadeira de Magnum 357" e aperta o gatilho
enquanto exclama: "Olha lá um petista passando".
Na edição de 11/3, a revista Crusoé, insuspeita de simpatias esquerdistas, informa que clubes de tiro frequentados por apoiadores de Jair Bolsonaro são estimulados a usar imagens do candidato do PT em seus estandes de tiro. Impossível dizer se isso é a regra ou exceção. É certo, porém, que, sob o incentivo declarado do governo, os indicadores de afeição pelas armas e a facilidade de comprá-las dispararam feito metralhadoras.
Dados do Instituto Igarapé, obtidos via Lei de Acesso
à Informação, mostram que cresceram os registros oficiais de armas de fogo em
poder de pessoas físicas —alarmantes 134% entre 2018 e 2021; assim também o
total conhecido nas mãos de CACs (colecionadores,
atiradores esportivos e caçadores): 127% no mesmo período; e o contingente com
registro ativo nessa categoria. Em 2021, foram concedidos mais de mil novos
registros por dia: 388 mil CACs foram autorizados a comprar armas
de fogo. O Instituto Igarapé revelou também que até novembro de 2021
existiam 1.802 clubes de tiro espalhados pelo país, um em cada três criado
naquele ano.
Esses dados —já de si inquietantes por seus
efeitos potenciais para o desfecho de desavenças da vida cotidiana— tornam-se
assustadores quando se leva em conta que armamentos podem ser carreados para o
crime organizado. E deveriam acionar os mais ruidosos alarmes, à medida que uma
minoria radical se prepara para as eleições como se fossem uma guerra de
extermínio do adversário.
Sobretudo, o modo pelo qual encaram a busca
do voto popular é incompatível com a democracia. Como argumenta o cientista
político Adam Przeworski, da Universidade de Nova York, o sistema, ancorado em
votações periódicas, é a solução para o trato pacífico dos conflitos de
interesse e opinião. Ao permitir a alternância no poder pelas urnas —e só por
elas—, a democracia aumenta os custos da violência e reduz os incentivos para
que os vencidos contestem os resultados adversos.
Seria absurdo supor que essa tese não se
aplique ao Brasil, mas ela requer a rejeição pública e inequívoca da minoria de
extrema direita que, com o patrocínio do governo, deseja ir à guerra em outubro
para manter o seu chefe onde está.
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