O Globo
A nota comemorando a ditadura militar de 64, divulgada ontem à noite pelo Ministério da Defesa, é a pior já divulgada neste governo. Ser assinada pelo general de pijama Walter Braga Netto, que está saindo do cargo para ser candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, era de se esperar. Mas o grave é ter as assinaturas do general, do almirante e do brigadeiro que comandam as tropas. Nesse ponto é uma ameaça ao país. Não se pode esquecer o contexto. Bolsonaro é um defensor de ditaduras, sente “embrulho no estômago” como disse outro dia, de respeitar a Constituição, e passou três anos e três meses no poder vomitando ameaças golpistas. Bolsonaro está disputando a reeleição, em situação desfavorável nas pesquisas, e ontem mesmo voltou a fazer ameaças. Esse contexto piora muito a nota.
Uma solitária verdade na nota é que “não se
pode reescrever a história”. De fato. Mas é isso que eles tentam
fervorosamente. Há um trecho que diz: “Nos anos seguintes ao dia 31 de março de
1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de crescimento
econômico e de amadurecimento político”. Uma coleção de mentiras. Não foi a
sociedade, foram os militares que conduziram o país. Tanto que quando houve a
possibilidade de um vice assumir, Pedro Aleixo, quando Costa e Silva ficou
incapacitado e morreu, o país passou a ser dirigido por uma junta militar. Os
generais conduziram o país para 21 anos de ditadura militar e não um período de
estabilização. O país cresceu no começo dos anos 70, mas houve duas recessões,
calote da dívida externa e no fim o país estava com uma hiperinflação que foi
debelada apenas na democracia. O governo fechou o Congresso, aposentou
ministros do Supremo, cassou e exilou, censurou a imprensa. É triste ter que
lembrar de novo, de novo, de novo.
Os fatos históricos são inarredáveis. O que
eles querem dizer com o trecho em que afirmam que “as Forças Armadas”
observaram “estritamente o regramento constitucional”. Eles rasgaram a
Constituição, fizeram outra e também a rasgaram com os atos institucionais,
principalmente o AI-5 que suspendeu todos os resquícios de democracia. As
Forças Armadas instalaram dentro dos seus quartéis máquinas de prisão, tortura,
morte e ocultação de cadáveres. Em vez de pedirem desculpas ao país, afrontam
ano a ano a verdade histórica.
Nesse ano, repito, é mais grave porque as
ameaças à democracia por parte do presidente têm a chancela de militares da
ativa que mentem, mentem novamente, sobre fatos que aconteceram há 58 anos. O
Brasil é um caso único. As Forças Armadas dos nossos vizinhos não têm o
desplante de mentir sobre a História e afrontar os seus países, da forma que
fazem as Forças Armadas brasileiras.
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