O Globo
Tudo está conectado. Não é por acaso que,
no mesmo dia em que o deputado federal bolsonarista Daniel Silveira resiste a
uma ordem judicial para colocar tornozeleira eletrônica, o presidente Bolsonaro
tenha voltado, do nada, a criticar a urna eletrônica. Ambas as situações têm
como alvo um único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de
Moraes, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições e
determinou novas punições ao parlamentar.
Os ataques a outro ministro, Luís Roberto Barroso, reduziram-se na medida em
que ele deixou a presidência do TSE. Pesquisadores que monitoram as redes
sociais bolsonaristas constataram uma evidência inescapável: os verdadeiros
adversários de Bolsonaro são as instituições STF, TSE e seus ministros, e não
Lula ou Moro. Eles são mais buscados e citados nas redes sociais ligadas ao
bolsonarismo que os adversários políticos.
O asilo do deputado Daniel Silveira dentro da Câmara faz dela uma trincheira
contra a Justiça, o que pode causar uma crise institucional. A Câmara é muito
corporativista e não permitirá que entrem para colocar tornozeleira eletrônica
no deputado que, por sua vez, quer não apenas contestar o ministro Alexandre de
Moraes, mas se promover pessoalmente. Fez bem o Supremo em marcar uma sessão
para que o plenário analise a decisão de Alexandre de Moraes, caso contrário
uma crise institucional se instalaria sem que, aparentemente, haja motivo.
No submundo das redes bolsonaristas encontra-se a explicação para essas provocações.
À medida que a eleição se aproxima, a milícia digital aprofunda seu trabalho
com a intenção de marcar o TSE, o STF e o ministro Alexandre de Moraes como
carrascos que impedem a livre manifestação do pensamento. Se a derrota for
inevitável, como parece, esse questionamento permanente servirá para resistir à
transferência de poder ou, caso não tenham força suficiente para um golpe
desses — já tentado e rechaçado no 7 de Setembro do ano passado —, manter os
aliados unidos na oposição de um governo eleito democraticamente, como foi
Bolsonaro em 2018, pelas mesmas urnas eletrônicas hoje contestadas.
Pesquisas eleitorais que surgem nos últimos dias dão mais alento aos
bolsonaristas, com indicações de que a diferença entre Lula e Bolsonaro está
sendo reduzida. A ideia de que Lula poderia ganhar no primeiro turno parece já
anacrônica, o que indica um segundo turno mais acirrado do que era previsto até
há pouco tempo. Mapear os riscos que um segundo turno mais apertado pode
representar, e construir um “estado de opinião na sociedade, uma vacina” em
defesa da integridade do sistema eleitoral e da democracia, é o papel de um
grupo de pesquisadores acadêmicos que se dedicam a fornecer ao TSE dados sobre
as redes sociais.
Foram localizados nesse trabalho 1.700 vídeos considerados de “alta toxidade”,
com termos hostis à democracia no YouTube: “Artigo 142 da Constituição” — que
os bolsonaristas usam para alegar que a Constituição autoriza uma intervenção
militar — e “Eu autorizo o presidente”, usado para ratificar atitudes de
Bolsonaro de ataque à democracia. Também as redes evangélicas e de militares da
ativa e da reserva indicam que as mensagens do presidente Bolsonaro
estabeleceram um contato direto com seus integrantes, sem a intermediação da
cúpula dos pastores ou da hierarquia militar.
A crise na Petrobras, em que o general colocado na presidência por Bolsonaro
para uma intervenção acabou sendo retirado por não tê-la realizado, demonstra
como o presidente tem força para manipular os militares, sem criar crises.
Também o caso dos pastores que intermediaram negociatas no Ministério da
Educação demonstra que Bolsonaro protege-se demitindo um ministro pastor
presbiteriano sem perder o apoio entre o eleitorado evangélico. Afinal, o caso
está sendo conhecido popularmente nas redes sociais como “Amémsalão”.
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