quinta-feira, 31 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Alta rotatividade no MEC prejudica políticas públicas

O Globo

Não se discute a demissão de Milton Ribeiro diante das graves denúncias de que verbas públicas eram negociadas de forma nada republicana dentro do MEC, por pastores estranhos ao quadro da pasta. Isolado, Ribeiro não tinha mais o apoio nem da bancada evangélica. Não havia como permanecer no comando de um dos ministérios mais sensíveis da administração. Após três anos e três meses de governo Bolsonaro, o MEC já vai para o quinto ministro.

Como mostrou reportagem do GLOBO, desde a redemocratização, Jair Bolsonaro foi o presidente que, proporcionalmente, mais fez trocas no comando da Educação — uma a cada 296 dias. O que mexeu menos foi Fernando Henrique Cardoso — durante oito anos, teve apenas um ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Certamente não é por acaso que o ensino passou por avanços inegáveis. Dilma Rousseff também fez muitas mudanças, porém num período maior: seis ministros entre janeiro de 2011 e maio de 2016.

Primeiro titular da pasta no governo Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez ficou pouco mais de três meses, gestão marcada por uma sucessão de crises, disputas internas e polêmicas desnecessárias. Em vez de se preocupar com os inúmeros problemas da Educação, Vélez se empenhava em revisar livros didáticos sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Seu desempenho foi tão sofrível que o próprio Bolsonaro reconheceu que não estava “dando certo”.

O sucessor, Abraham Weintraub, ficou pouco mais de um ano. Expoente da ala ideológica do bolsonarismo, promoveu uma gestão incendiária. Quando deixou o governo, era alvo de acusações de racismo e ataques ao Supremo. Carlos Alberto Decotelli, antecessor de Ribeiro, protagonizou uma passagem-relâmpago. Caiu antes mesmo de assumir, em meio a denúncias constrangedoras de informações falsas no currículo acadêmico e plágio em sua dissertação de mestrado.

Por mais que as demissões tenham sido necessárias, é inegável que a descontinuidade afeta as políticas públicas da área. Os resultados desastrosos do setor não deixam dúvidas. O novo ministro assumirá faltando nove meses para o fim do mandato. Volta-se à estaca zero depois de três anos e três meses praticamente desperdiçados. Ainda que mantenha as equipes do antecessor, as diretrizes podem não ser as mesmas. Convém lembrar que, na administração inepta de Ribeiro, houve debandada de quadros qualificados em órgãos vitais, deteriorando o funcionamento da pasta.

Pela quantidade de ministros que embarcaram e desembarcaram em tão pouco tempo, percebe-se que a Educação nunca foi prioridade do governo Bolsonaro, mas apenas um trampolim para divulgar a ideologia bolsonarista e tentar impor programas equivocados. É o caso da nova Política Nacional de Educação Especial, que, na contramão do ensino inclusivo, previa turmas exclusivas para crianças com deficiência — felizmente foi vetada pelo Supremo.

É lamentável que essa sucessão de crises aconteça num momento crucial, quando os desafios são gigantescos, depois de dois anos de escolas fechadas, sob a omissão criminosa do MEC durante a pandemia. Diante do caos vivido até agora na Educação, o mínimo a esperar do novo ministro é que comece a reescrever esse roteiro medíocre.

É inaceitável que deputado Daniel Silveira afronte decisão do Supremo

O Globo

Mesmo que tenha direito às prerrogativas parlamentares, o deputado federal Daniel Silveira (União-RJ) não está acima da lei — nem ele nem ninguém. Lamentavelmente, parece pensar o contrário. Nos últimos dias, numa série de manobras para chamar a atenção, Silveira tem protagonizado algumas das cenas mais bizarras já vistas no Congresso, na tentativa de evitar cumprir a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando que ele passe a usar tornozeleira eletrônica por ter desrespeitado medidas cautelares.

Na terça-feira, em decisão monocrática, que será analisada pelo plenário do STF, Moraes ordenou que a Polícia Federal fosse até a Câmara para fazer cumprir a ordem. Faz parte do jogo democrático, cujas regras, infelizmente, Silveira teima em desprezar. O parlamentar bolsonarista resolveu partir para a afronta ao STF. Afirmou que não acataria a ordem da Corte e condicionou a instalação da tornozeleira a uma deliberação da Casa. “Quem decide isso são os deputados”, alegou. E desfraldou em seguida seus ataques costumeiros, afirmando que Moraes deveria ser “impichado e preso”. Em atitude ridícula, passou a noite em seu gabinete para evitar os policiais federais.

Ainda que monocrática e tomada no âmbito de um inquérito sujeito a críticas, a decisão de Moraes é legítima e tem de ser obedecida. Alvo de investigações sobre a disseminação de desinformação por milícias digitais e a promoção de atos antidemocráticos contra instituições da República, Silveira foi preso em fevereiro do ano passado depois de publicar um vídeo em que fazia ataques a ministros do Supremo e defendia o tenebroso Ato Institucional nº 5, instrumento da ditadura militar para intimidar e calar de forma arbitrária opositores do regime.

Foi libertado em novembro, sob a condição de cumprir medidas cautelares. Entre elas, a proibição de contato com outros investigados e de participar de manifestações. Desrespeitou-a sem pudor. No dia 20, foi a ato em São Paulo com o empresário Otávio Fakhoury, também investigado no inquérito das milícias digitais. Instada por Moraes, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo pediu ao STF que Silveira fosse impedido de tomar parte em eventos públicos e passasse a ser monitorado por tornozeleira.

É desprezível o uso da imunidade parlamentar e da liberdade de expressão como argumentos para disfarçar ameaças a ministros do Supremo e agressões à democracia. A decisão sobre a prisão de Silveira foi tomada por unanimidade no STF e referendada na Câmara por 364 votos a 130. As instituições brasileiras não aceitam o comportamento criminoso de alguém que age como um valentão ginasiano se recusando a arcar com a responsabilidade por seus atos. Considerando a folha corrida de Silveira, não surpreende seu malabarismo para tentar escapar da polícia. Surpreende é que ele ainda frequente a Câmara com mandato outorgado pelos brasileiros.

Pessimismo em alta

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra piora da percepção sobre economia; cenário está em evolução

A nefasta combinação de inflação e desemprego elevados impulsiona piora sensível da percepção do eleitorado sobre as condições da economia brasileira, como sugere a pesquisa Datafolha realizada nos dias 22 e 23 de março.

Os que esperam agravamento geral da situação somam 40% dos entrevistados no país, o dobro exato dos 20% que declaravam expectativa pessimista em dezembro. Para 74%, a alta dos preços vai aumentar, enquanto 50% preveem o mesmo para a taxa de desocupação.

É plausível que o encarecimento brusco dos combustíveis no início deste mês tenha tido influência considerável na deterioração dos humores da opinião pública. Há mais a listar, entretanto.

O perfil da inflação nos últimos meses, com grande peso de produtos cujo consumo não pode ser significativamente reduzido, é especialmente cruel com os mais pobres. São 24% os que relatam que a quantidade de comida em casa é insuficiente para a família —parcela similar às apuradas em maio (25%) e dezembro (26%) de 2021.

Note-se que de lá para cá foi instituído o Auxílio Brasil, versão ampliada do Bolsa Família com a qual o presidente Jair Bolsonaro (PL) procurou ampliar suas chances de reeleição. O Datafolha apurou que 23% dos brasileiros vivem em domicílios atendidos pelo programa, mas que 68% dos beneficiários consideram os valores insuficientes.

Todas as percepções negativas têm sua razão de ser, dadas as frustrações com a retomada da economia do país depois de superado o pior do impacto da pandemia. Mas, se nenhum especialista espera um desempenho brilhante neste ano, restam fatores que podem alterar o quadro e as expectativas.

Analistas projetam uma redução da inflação nos próximos meses, mas, mesmo que tal prognóstico se confirme, o IPCA deve registrar variação de ao menos 6% neste ano —muito acima da meta fixada pelo Banco Central, de 3,5%. A instituição já indicou que deve subir a taxa básica de juros dos atuais 11,75% para 12,75% anuais.

Mesmo com o arrocho monetário, contudo, a atividade econômica pode se beneficiar do aumento da demanda em serviços com a melhora da situação sanitária. Há também a valorização dos produtos primários exportados pelo país, acentuada pela guerra na Ucrânia, que favorece a moeda nacional.

Outro fator é o rápido aumento da ocupação nos últimos meses, que já reduziu o desemprego ao patamar anterior à pandemia. Nesse cenário, pode haver algum incremento de renda adiante.

Tudo somado, não é implausível que a economia mostre alguma melhora de curto prazo mais à frente —sempre a depender, claro, de o governo não cometer novos erros.

Um pequeno passo

Folha de S. Paulo

Negociação entre Rússia e Ucrânia vai além da propaganda, mas está longe do fim

Quando a dissecção desses dias terríveis da invasão russa à Ucrânia estiver concluída, possivelmente será possível dizer que foi uma guerra das mais opacas em tempos supostamente mais transparentes.

Lados beligerantes mentem, distorcem e tentam ganhar o público desde o Peloponeso, para ficar no registro clássico. Mas o misto de guerra com o ambiente de balbúrdia informativa instantânea era inédito até aqui em tal escala.

Com isso, a retomada de negociações presenciais para tentar acabar com o combate —sob a égide do turco Recep Tayyip Erdogan e associada a uma suposta pausa nos ataques russos contra as regiões de Kiev e Tchernihiv— trouxe dupla leitura: ou era um avanço notável ou uma mentira útil, principalmente para Vladimir Putin.

É evidente que o ponteiro aponta mais para a segunda interpretação, mas será engano não concluir que um pequeno passo foi dado em Istambul. O fim do conflito, de todo modo, parece distante.

As demandas russas são conhecidas, mas seus objetivos militares visíveis indicam ambições maiores que a tomada do Donbass, região separatista no leste ucraniano.

Já Kiev não parece se contentar com nada menos do que uma retirada dos russos, para daí aceitar os termos de sua rendição. Ainda assim, deixou uma lista de itens por escrito, o que sugere um amadurecimento das conversas que ocorrem há semanas com Moscou.

Endurecer a retórica faz parte do jogo —inclusive porque todos sairão perdendo de alguma maneira ao fim de um conflito tão destrutivo. O que parece estar na mesa é o tamanho da derrota e o quanto ela poderá ser embalada para os públicos internos como uma vitória.

Para Putin, uma Ucrânia fatiada de áreas pró-Rússia e de vez fora da Otan, o clube militar comandado pelos Estados Unidos, parece mais do que suficiente para esse fim. Tal objetivo não condiz com a escala de sua guerra, é verdade, mas as críticas aos alegados erros militares poderão não ter grande peso para o público doméstico.

Já para o ucraniano Volodimir Zelenski, sobreviver com um acordo no qual Putin pareça o derrotado no Ocidente também soa como um saldo razoável. E o americano Joe Biden terá o que dizer para os eleitores parlamentares de novembro.

Por óbvio, nada disso evitará o impacto da guerra nas relações internacionais, que pode mudar o alcance da globalização, nem o drama humano ora em curso.

A incrível reabilitação de Valdemar

O Estado de S. Paulo

Triunfo do PL na janela partidária marca a volta por cima do mensaleiro, que deveria estar fora da política, mas, sob Bolsonaro, tornou-se chave para o governismo

O Partido Liberal (PL) terminará a chamada janela partidária – período em que deputados federais estão autorizados por lei a trocar de partido sem perder o mandato – com a maior bancada na Câmara. Em 2018, o PL conseguiu eleger 33 deputados, um número considerável, mas suficiente apenas para fazer do partido mais uma das siglas que compõem o Centrão. Até o dia 29 passado, como mostrou recente reportagem do Estadão, essa bancada havia duplicado para 66 deputados, um crescimento que tem o potencial para alterar o balanço de poder na formação da nova coalizão de governo a partir de 2023. Seja quem for eleito em outubro, o próximo presidente provavelmente terá de compor com o dono do PL, o notório Valdemar Costa Neto.

O inequívoco triunfo do partido – afinal, logrou vencer uma disputa pela filiação do presidente Jair Bolsonaro e trouxe a reboque dezenas de deputados seduzidos pela expectativa de poder – representa, em última análise, o auge da reabilitação política de Valdemar Costa Neto, uma personalidade que, fosse a democracia representativa um tanto mais madura no Brasil, há muito estaria proscrita dos fóruns de decisão sobre os rumos do País.

Há quase 30 anos, Valdemar Costa Neto, então deputado e líder do governo Itamar Franco, ganhou súbita notoriedade nacional não por seus feitos legislativos, mas por ter apresentado a modelo Lilian Ramos a Itamar durante os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Fotos constrangedoras daquele encontro entraram para o anedotário nacional. Desde então, Costa Neto tem se notabilizado pela adulação aos governantes de ocasião, independentemente de suas colorações partidárias ou ideologias. A tática de deixar a coerência – e os escrúpulos – de lado para parasitar o poder ao longo de todos esses anos rendeu bem mais do que projeção política ao chefão do PL.

Em 2012, Valdemar Costa Neto foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito do mensalão petista. Como cacique do PR, partido que depois seria rebatizado de PL, foi um dos artífices da montagem do esquema para compra de apoio parlamentar no primeiro mandato do petista Lula da Silva na Presidência. Costa Neto cumpriu parte da pena até 2014 e, dois anos depois, o STF declarou extinta sua punibilidade por aqueles crimes. Do ponto de vista jurídico, portanto, Valdemar Costa Neto é um cidadão quites com a Justiça. O que merece consideração são as circunstâncias de sua reabilitação política e o estado da democracia representativa no

Brasil.

Alguém com um passado tão desabonador como Valdemar Costa Neto ainda ter relevância política em 2022 só é possível porque Bolsonaro é um presidente incapaz de governar o País e não tem densidade moral e política para construir uma base de apoio parlamentar genuinamente fiel a seu governo, seja por princípio, seja por afinidade programática. Até o célebre Eduardo Cunha se sentiu encorajado a voltar para a Câmara dos Deputados nesse ambiente.

Dependente do Congresso para se manter no cargo, Bolsonaro se entregou para todos os que estivessem dispostos a carregar o fardo, pagando em troca dotes para lá de generosos. Ao ingressar no PL e abraçar o Centrão, tão demonizado pelos bolsonaristas, o presidente disse se sentir “em casa”. É nesse contexto que ganham projeção figuras como Valdemar Costa Neto, altamente experientes em aproveitar as deficiências de presidentes fracos.

A longevidade política de Valdemar Costa Neto e de outros da mesma estirpe também lança luz sobre a enorme incapacidade dos partidos – ou a falta de estímulo popular – para arejar suas propostas, trazê-las para o século 21 e, sobretudo, formar novas lideranças. Cabe somente aos eleitores mudar essa realidade a partir de suas escolhas nas urnas.

Enquanto os eleitores permitirem, velhos caciques continuarão ditando os rumos do País, atendendo ao interesse público apenas quando e se este coincidir com seus interesses paroquiais.

Lula promete arruinar a Petrobras

O Estado de S. Paulo

Lula rejeita a política de desinvestimento da Petrobras que vem permitindo à empresa se reerguer depois do saque do PT. Prometeu a volta da velha política petista

Lula da Silva falando sobre como a Petrobras deve funcionar é o equivalente a Jair Bolsonaro discorrendo sobre as melhores práticas em defesa dos direitos humanos. É um deboche que o PT, depois do assalto e do aparelhamento político que realizou na petroleira, deixando-a endividada e vulnerável aos mais diversos aproveitadores, venha dizer ao País o que deve ser feito na empresa.

Diante de tudo o que foi revelado – e, vale lembrar, nada foi negado pela Justiça –, Lula deveria pedir perdão aos brasileiros pelo que seu partido fez com a petrolífera. No entanto, além de agir como se o petrolão não tivesse existido, como se o País não tivesse presenciado a brutal história de corrupção envolvendo o PT e a Petrobras,

o ex-presidente anunciou que, caso volte ao poder, retomará os mesmos passos que levaram a empresa ao endividamento recorde e ao seu aparelhamento político.

Na terça-feira, Lula chamou de “destruição da Petrobras” o plano de desinvestimentos que vem sendo implementado desde o governo de Michel Temer e precisamente tem permitido à empresa reequilibrar sua dívida e retomar sua vitalidade. “Esse país precisa ter novas refinarias, ou pegar as que estão velhas e sucateadas e fazer uma renovação nelas”, disse, em defesa da antiga política petista de expansão de refino. Ou seja, Lula quer a volta da política que ajudou a produzir os escândalos e os bilionários prejuízos da Petrobras. É assombroso.

O ex-presidente petista prometeu também a reedição da “política de fortalecimento das empresas nacionais”. O País bem sabe o que isso significa num governo do PT. Não é fortalecimento do ambiente de negócios, aumento da produtividade nacional ou mesmo inserção da indústria nas cadeias de produção global. É, ao contrário, aquele ambiente fechado e atrasado, no qual políticos detêm poder discricionário sobre a atividade econômica, estabelecendo incentivos para alguns poucos amigos que, depois, são instados a retribuir ao partido e a suas lideranças as benesses recebidas.

Segundo Lula, é preciso “construir uma narrativa” diferente a respeito da relação entre o PT e a Petrobras. A tal narrativa petista, que Lula pede à militância que difunda País afora, é manifesta desinformação, misturando negacionismo com teoria da conspiração. O líder petista quer que os brasileiros se esqueçam das evidências trazidas por investigações policiais, confissões e mesmo devoluções de dinheiro desviado, e acreditem que a Petrobras teria sido saqueada não pelo PT, por Eduardo Cunha ou por tantos condenados no esquema do petrolão, mas pela Lava Jato em parceria com os Estados Unidos. Parece loucura, mas essa é a tese petista: a Lava Jato e os Estados Unidos seriam os causadores do rombo da Petrobras.

Por óbvio, Lula não tem nenhuma solução a oferecer sobre a Petrobras ou mesmo sobre política de preço de combustíveis. Recorre à alta da gasolina apenas para desinformar e para propagar propostas populistas, que, além de equivocadas, são o ambiente propício para a corrupção e o aparelhamento da máquina pública. “Quando o petróleo é nosso, a gasolina é mais barata, o óleo diesel é mais barato, o gás é mais barato”, disse Lula, reiterando a tese petista de que o aumento dos combustíveis seria causado pelo repasse do lucro aos acionistas da Petrobras.

Perante tantas patranhas, é útil recordar algumas verdades fundamentais, como fez o ainda presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, justamente no mesmo dia em que Lula prometia bagunçar a Petrobras para atender a seus projetos de poder. Lembrou que, por lei, a petroleira “não pode fazer política pública” com os preços dos combustíveis e “menos ainda” política partidária. “Empresas que tabelaram combustíveis tiveram perda de capacidade de investimento”, disse. “Essa dívida ‘monstra’ da Petrobras foi de tabelamento de preço.” Foi por pensar assim, em primeiro lugar na Petrobras e no País, deixando em segundo plano os imperativos eleitoreiros do presidente Bolsonaro, que Silva e Luna foi demitido – e, fosse Lula o presidente, teria tido o mesmo destino.

Comunicação pública, benefícios privados

O Estado de S. Paulo

Os órgãos de controle e o eleitorado precisam estar atentos ao uso da máquina pública nas campanhas

Do que se tem notícia, o astronauta Marcos Pontes passou seus três anos de comando do Ministério da Ciência e Tecnologia no mundo da lua. Sua pasta foi um exemplo de inoperância, enquanto no mundo sublunar seu chefe disseminava obscurantismo e desmantelava órgãos de pesquisa. A poucos minutos do jogo entre Brasil e Bolívia pelas eliminatórias da Copa, Pontes surgiu em cadeia nacional para louvar os triunfos científicos do governo.

Pontes é um dos oito a dez ministros que devem deixar o cargo para disputar as eleições, na maior debandada desde a redemocratização. Serão cerca de 40% das pastas. Nos outros governos o índice variou entre 20% e 30%.

O pronunciamento em cadeia nacional é um instrumento crucial da comunicação pública conferido aos Poderes da República e ministros de Estado para divulgar assuntos de interesse nacional.

É difícil imaginar um assunto de maior interesse do que a pandemia de um vírus letal – tanto mais por ter sido acompanhada de uma feroz “infodemia” –, que impactou todos os âmbitos administrados na Esplanada dos Ministérios.

Mas em 2020, nenhum ministro falou à população em cadeia nacional. Era o auge do pânico – mas longe das eleições federais. Em 2021, foram oito pronunciamentos. Nos três meses de 2022, já foram seis – cinco por pré-candidatos.

O Ministério Público (MP) também acusa o uso de aviões da FAB por parte de ministros para participar de eventos de natureza eleitoral. Segundo o MP, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Fábio Faria (Comunicações) teriam se deslocado para compromissos oficiais e realizado “pedido explícito de votos”. Outros, como Ciro Nogueira (Casa Civil) ou Marcelo Queiroga (Saúde), também fizeram uso incomum das aeronaves para participar de eventos em seus redutos eleitorais.

Há poucos dias, funcionários da TV Brasil divulgaram nota protestando contra o aparelhamento da emissora: desde que foi fundida com a emissora do governo (TV NBR), multiplicam-se as entrevistas com ministros e quadros do governo e censuras internas a matérias críticas ao Planalto. “Não há mais como o telespectador diferenciar o que é comunicação pública”, diz a nota, “e a TV do governo, com conteúdo pago por contrato com a Secretaria de Comunicação.”

Enquanto os correligionários de Jair Bolsonaro tentam censurar artistas, sua propaganda corre solta na TV, rádio, rede digital, comícios, motociatas, igrejas e compromissos oficiais. É público e notório que Bolsonaro, seguindo os passos de seu antípoda, Lula da Silva, jamais tirou os dois pés do palanque. A diferença é que agora é ele quem tem as duas mãos na máquina pública.

É flagrante que figuras alçadas da mais espessa obscuridade para a Esplanada dos Ministérios, como Abraham Weintraub ou Damares Alves, usaram suas pastas para se autopromover. Agora outros pré-candidatos entram na dança. Os órgãos de controle precisam estar com os olhos bem atentos a esses abusos. Mas o maior controle é do eleitor. Cabe a ele, nas urnas, afastar da máquina pública tantas mãos que a manipulam para suas ambições privadas.

Até um bom acordo com FMI divide o governo argentino

Valor Econômico

A divisão interna pode sepultar as pretensões de Cristina e de Fernández

O Fundo Monetário Internacional fez um acordo com poucas exigências para refinanciar US$ 45,5 bilhões de dívidas da Argentina, com 4,5 anos de carência. O Fundo aceitou as premissas de um programa basicamente elaborado pelo governo argentino, sem exigir reformas relevantes e mantendo espaço para o crescimento das despesas públicas. Poderia ser um momento de alívio para o presidente Alberto Fernández, mas o mundo está prestes a cair em sua cabeça depois que a vice-presidente Cristina Kirchner se opôs ao acordo e os deputados e senadores kirchneristas votaram contra ele. O Congresso o aprovou por ampla maioria, mas o racha entre as duas alas governistas pode se tornar irreversível.

O Fundo já havia emprestado com muita rapidez US$ 45 bilhões ao governo liberal de Mauricio Macri e teve sua reputação arranhada. O maior empréstimo stand by da história da instituição foi um fracasso, nenhuma de suas metas foi cumprida e ajudou a sepultar a reeleição de Macri. É o que teme agora Cristina Kirchner, para quem as chances de Fernández se reeleger tornaram-se remotas se o governo atender às parcas exigências do Fundo. Ela cogita desembarcar do governo ou seguir manifestando sua contrariedade com os passos do presidente. Em ambos os casos, a estratégia pode aumentar as chances do kirchnerismo e de seu filho, o deputado Máximo Kirchner, de disputar a Presidência nas eleições de 2023.

O Fundo voltou a repetir a avaliação de seu staff que a “dívida argentina é sustentável, mas não com alta probabilidade” e percebeu dissonâncias na Casa Rosada sobre a natureza do programa. “O apoio político pode ser frágil e potencialmente se enfraquecer antes das eleições de 2023, ou antes, se a confiança não for rapidamente reconstruída”.

Para além das dificuldades políticas, o momento da conclusão do acordo não foi auspicioso. O entendimento foi anunciado em 3 de março, pouco mais de uma semana depois que a Rússia invadiu a Ucrânia. A guerra atinge diretamente pontos sensíveis do acordo. A inflação voltou a disparar na Argentina, depois de ter fechado 2021 em 50,9%. O índice de preços ao consumidor subiu 4,7% em fevereiro e seu núcleo, 4,5%. Os analistas privados preveem novas altas em março e um avanço para a casa dos 60% anuais. O objetivo a ser atingido no acordo é suave, prevê um recuo de 5 pontos percentuais por ano durante os 30 meses de vigência e uma estabilização de 10% a 15% no médio prazo - ainda assim, alta.

A Argentina teria de chegar ao fim do ano com inflação entre 38% a 48%. Com uma queda de três pontos percentuais em relação ao ano passado já se cumpriria o combinado. Mas ligado à inflação há um aspecto chave do acordo, que é o da redução dos subsídios da energia em 0,6% do PIB este ano. As cotações de energia e gás estão disparando no mundo inteiro e a Argentina corre o risco de ter o fornecimento reduzido em pleno inverno. A conta de subsídios totais foi de 3% do PIB em 2021 e tem de baixar para 2,2% este ano, 1,9% em 2023. As atuais tarifas cobrem apenas 37% do custo da eletricidade e 44% do gás.

Outro pilar do plano é o fim do financiamento do déficit pelo Banco Central, fonte inflacionária. O BC terá de reduzi-lo de 3% do PIB no ano passado para 1% em 2022 e 0,6% em 2023. Para isso, terá de se financiar em pesos e reverter sua política de juros negativos. A taxa paga para o Estado financiar a dívida de curto prazo subiu de 35% para 40,25% e a de médio, da faixa de 42 a 45% para 47% a 49,25%. Falta algum caminho para se chegar a taxas reais e ele pode ser mais longo se a inflação continuar subindo.

Quanto ao déficit primário, a curva descendente recomendada é suave. De 3% do PIB no ano passado para 2,5% neste ano e 1,9% em 2023. O governo não terá de cortar muito suas despesas, que permanecerão ao redor de 20,7% do PIB porque se espera que a arrecadação cresça. Mesmo assim, há a suposição do acordo de que a economia reduza sua velocidade à potencial, saindo de algo como 4% este ano para 2% a médio prazo.

O governo argentino terá de ser um pouco austero e disciplinado, mas estas virtudes não são comuns entre os ocupantes da Casa Rosada e ainda menos visíveis nos peronistas. Os kirchneristas acham que a dívida não deve ser paga porque foram dilapidadas por Macri, manipuladas com fins eleitorais e que o país não tem condições de fazê-lo. A razão principal é que não querem amarra de gastos para tentarem se manter no poder. Após o governo perder a eleição legislativa de meio de mandato, sua divisão interna pode sepultar as pretensões de Cristina e de Fernández.

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