EDITORIAIS
Novo presidente da Petrobras terá de conter
Bolsonaro
O Globo
Não é difícil entender a intenção do
presidente Jair Bolsonaro com a troca no comando da Petrobras. Seu objetivo
sempre foi usá-la como arma política. Para interferir nas decisões da empresa,
demitiu o primeiro presidente em seu governo, o economista Roberto Castello
Branco, e, agora, decidiu demitir seu substituto, o general Joaquim Silva e
Luna. Para o lugar dele será indicado o consultor Adriano Pires, uma referência
no mercado de energia. Faltando menos de sete meses para o primeiro turno das
eleições, com a guerra levando o preço do petróleo às alturas, a pressão do
Planalto para reduzir o preço da gasolina, do diesel e do gás não diminuirá.
Pires, se confirmado no cargo, terá o desafio de atender ao novo chefe sem
manchar sua biografia. Não será tarefa fácil.
Ele foi um dos principais críticos da experiência desastrosa do governo Dilma, quando os preços foram mantidos em patamares baixos de forma artificial, e a empresa acabou na lona, com a maior dívida do mundo. No governo Temer, a petroleira adotou como política seguir a flutuação do petróleo no mercado internacional e, aos poucos, resgatou sua saúde financeira. Pressões políticas para intervir no preço sempre houve, mas Bolsonaro é um caso à parte. Em entrevista ao programa “Roda viva”, Castello Branco contou que recebia até mensagens do presidente sobre o assunto — um despropósito.
Em ano eleitoral, a alta dos combustíveis
cria um problema enorme para Bolsonaro. Afeta os mais pobres (gás), diminui a
renda de quem trabalha com motos e automóveis (gasolina) e alimenta a inflação
via custo do frete (diesel). Em 2021, a inflação da gasolina foi de 47%. Ao
mesmo tempo, a manutenção artificial de preços baixos prejudica os
investimentos da Petrobras e pode levar ao desabastecimento, como o próprio
Pires sempre enfatizou.
Embora consumidores possam vibrar com
medidas populistas, a festa tem curta duração. Evidências mostram que os preços
artificialmente baixos estimulam a demanda, alimentando a inflação futura. Para
não falar na necessidade de incentivar a redução das emissões de CO2 oriundas
de combustíveis fósseis, condição essencial para deter as mudanças climáticas.
A melhor forma de garantir o preço justo na
bomba é levar a cabo o plano de privatização de refinarias, de modo a criar um
mercado realmente competitivo. Além disso, para proteger o consumidor da
volatilidade na cotação do petróleo, Pires tem defendido subsídios por meio de
um fundo de estabilização mantido pelo Tesouro, não pelo acionista da
Petrobras. É uma visão até sensata, e tramita no Congresso um projeto para
implementá-la. Na prática, contudo, é longa a história no Brasil de iniciativas
semelhantes que sofrem todo tipo de interferência política.
O mesmo risco cercará a gestão de Pires na
Petrobras. A empresa, que distribuiu à União R$ 37,3 bilhões de dividendos e
pagou R$ 203 bilhões em impostos no ano passado, é vista com cobiça pelos
caciques do Centrão. Depois da Operação Lava- Jato, várias regras foram
adotadas para protegê-la da rapina dos políticos. Pires precisará fazer o que
for necessário para resguardá-las não apenas dos interesses do presidente em
ano eleitoral, mas sobretudo da volúpia daqueles que sempre fizeram da estatal
o cenário de todo tipo de negociata.
Disputa por Fernando de Noronha ignora as
demandas do arquipélago
O Globo
O cenário paradisíaco de Fernando de
Noronha está no centro de uma disputa que pouco ou nada contribui para a
preservação ambiental e a melhoria da infraestrutura no arquipélago. Na semana
passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com uma ação no Supremo
Tribunal Federal pedindo a retomada das ilhas, administradas pelo governo de
Pernambuco desde 2002, quando foi assinado um termo de cessão de uso com a
União.
Na ação, a AGU alega que Pernambuco tem
desrespeitado o contrato e impedido a atuação da União na preservação da área.
Segundo o governo federal, a administração local tem concedido autorização para
construções na faixa das praias e permitido o crescimento de pousadas em
ocupações irregulares, fatos apontados em nota técnica do Ministério Público
Federal. Não deixa de ser louvável que o governo federal, criticado pela gestão
tóxica do meio ambiente, esteja preocupado com a preservação do arquipélago.
O governo de Pernambuco rebateu as
acusações com cobranças ao Planalto. Afirmou que a população gostaria de ver a
mesma “persistência e celeridade” da União no cumprimento da promessa, feita em
2019, de implantação do saneamento básico na ilha. Segundo o estado, o projeto
de esgotamento sanitário foi enviado ao Ministério do Meio Ambiente em fevereiro
de 2020 e até hoje “vem sendo reiteradamente ignorado”. O governo estadual
alega ainda que tem feito obras, como a recuperação de estradas vicinais, a
instalação de iluminação pública e a melhoria do abastecimento de água por meio
de um novo dessalinizador.
Desde que assumiu, o presidente Jair
Bolsonaro por várias vezes demonstrou insatisfação com normas em vigor no
arquipélago. Em seu primeiro ano de mandato, criticou a cobrança de taxas, que
classificou como “roubo”. Em Noronha, são cobradas uma taxa de preservação
ambiental (estadual) e outra (federal) pelo acesso ao Parque Nacional Marinho.
Em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, contrariando
parecer do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),
liberou a pesca de sardinha em duas áreas do parque, despertando a ira de
ambientalistas. O senador Flávio Bolsonaro é defensor da liberação de grandes
cruzeiros na região e da instalação de recifes artificiais para atividades de
mergulho.
Em vez de disputar o controle de Noronha, os governos federal e estadual deveriam se unir para melhorar a infraestrutura do arquipélago e promover o turismo sustentável. Não há dúvida de que as ilhas, com praias quase intocadas, estão entre os cenários mais deslumbrantes do país. Mas a falta de saneamento básico é um descalabro. Abastecimento de água e destino do lixo também são problemas crônicos. Independentemente de a gestão ser estadual ou federal, os contratos precisam ser cumpridos, e as decisões compartilhadas. Há um lado sombrio de Noronha que o turista, inebriado com a paisagem idílica, não vê. União e estado têm obrigação de enxergá-lo.
À moda de Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Trocas no MEC e na Petrobras mostram
governo sem visão que não seja eleitoral
A exposição do balcão de negócios no
Ministério da Educação tornou insustentável a permanência de Milton Ribeiro no
comando da pasta, e Jair Bolsonaro (PL) assinou
sua demissão na segunda (28).
O presidente deixou claros os seus
objetivos dias antes da exoneração do auxiliar, ao declarar que confiava tanto
na honestidade de Ribeiro que colocaria a cara no fogo por ele se fosse
necessário.
Bolsonaro não tem interesse em investigar
as suspeitas de corrupção no ministério, muito menos quer melhorar a gestão do
ensino. Sua prioridade é evitar que o escândalo respingue na campanha à
reeleição —e para isso ele quer contar com a ajuda de Ribeiro.
Este caiu após a divulgação do áudio em
que, numa reunião com prefeitos que pediam verbas, recomendava que se
acertassem com pastores que traficavam favores no MEC. Como explicou,
tratava-se de um pedido do próprio Bolsonaro.
Com o afago no colaborador às vésperas da
degola, o mandatário procurou garantir, tudo indica, que não haja mais
declarações inconvenientes sobre o caso.
Preservar a aliança com os evangélicos é
parte essencial da estratégia de Bolsonaro para recuperar sua popularidade e
vencer as eleições de outubro. Abafar o escândalo é o que precisa fazer para
manter os pastores ao seu lado.
O presidente busca ainda proteger os
interesses de seus aliados no centrão, que têm a chave do cofre de onde saem os
recursos orçamentários disputados pelos prefeitos arrebanhados pelos pastores.
Os esforços pela reeleição explicam também
mais uma turbulenta
troca do comando da Petrobras, anunciada no mesmo dia da saída do ministro
da Educação.
O presidente decidiu demitir o general
Joaquim Silva e Luna porque ele não cedeu a seus apelos para segurar os preços
dos combustíveis a qualquer custo, ainda que isso colocasse em risco a
confiança dos investidores e a saúde financeira da companhia.
Silva e Luna é o segundo presidente da
Petrobras a ser afastado por Bolsonaro pelo mesmo motivo, depois de Roberto
Castello Branco. O economista Adriano Pires, indicado para o posto, defende
subsídios que amorteçam os efeitos da alta dos combustíveis sem mexer na
política de preços da empresa.
A Lei
das Estatais e melhorias introduzidas na governança da Petrobras nos
últimos anos criaram barreiras que a protegem contra tentações
intervencionistas, mas a aposta de Bolsonaro é que ganhará pontos mesmo se o
preço da gasolina não baixar.
Ele espera convencer o eleitor de que
tentou alguma coisa —e que só não fez mais porque os adversários não o deixam
trabalhar. Um governo responsável buscaria alternativas que não comprometessem
o futuro da Petrobras, mas o jogo de Bolsonaro é outro. Ele prefere a confusão
desde sempre.
Faz de conta no Ibama
Folha de S. Paulo
Manobra para atrasar aplicação de multas do
órgão é estímulo ao crime ambiental
O esvaziamento do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no governo Jair
Bolsonaro (PL) se faz sobretudo com omissão. Fiscais autuam infratores apenas
para ver multas sob risco de prescrever.
A rota da incúria foi pavimentada pelo
presidente e seu então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com apenas
três meses no Planalto, por meio de decreto criando uma etapa de conciliação. O
pretexto era incentivar acordos para evitar processos, quando em realidade se
visava atrasar a execução.
Levantamento
da Folha, com base em informações de
páginas do Ibama, revelou que há ao menos R$ 1 bilhão em autos de infração de
2020 represados —nem sequer chegaram ao setor de conciliação.
A quantidade pode até ser maior, mas este
jornal identificou pelo cruzamento de duas bases de dados 647 autos de multas
maiores que R$ 200 mil que não tiveram encaminhamento desde então.
A compilação se lê como um rol de
incentivos ao crime ambiental. Infratores do Pará, estado que mais desmata na
Amazônia (5.257 km² em 2021, 40% do total), despontam como maiores
beneficiários do descaso, com 294 multas sem desfecho, somando R$ 433 milhões.
Há sanções com valor superior a R$ 10
milhões, sendo a maior, de R$ 46,3 milhões, referente à exploração de uma área
embargada. Um único indivíduo foi multado por desmatar uma gleba de 2.000 hectares,
ou 20 km².
Há 13 madeireiras entre os empreendimentos
flagrados. Salles deixou a pasta em junho de 2021, quando a Polícia Federal
investigava sua possível cumplicidade com exportação irregular de madeiras
nobres da Amazônia.
Mais da metade dessas madeireiras (7) com
pendências se localizam em Mato Grosso, segundo colocado em autos que não
chegaram à etapa de conciliação (91, totalizando R$ 164 milhões). Depois vêm
Rondônia e Amazonas.
Autos de infração já vinham caindo no
governo Bolsonaro. E mesmo os que são lavrados caminham para se tornar inócuos.
Tamanho estímulo ao crime ambiental organizado, como no caso do garimpo ilegal, dá no resultado previsível, se não premeditado: um aumento constante do desmatamento desde 2018, ano da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
A guilhotina populista
O Estado de S. Paulo.
Bolsonaro afastou a contragosto o ministro
da Educação porque ficou difícil esconder seus malfeitos; já o presidente da
Petrobras foi demitido por fazer a coisa certa
Certo e errado, competência e
incompetência, interesse nacional e interesse de alguns fazem pouca ou nenhuma
diferença quando se trata de servir ao presidente Jair Bolsonaro. Em qualquer
caso, cabeças podem cair. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi demitido,
a contragosto do presidente, depois de ter feito uma coisa errada: aceitou um
gabinete paralelo, facilitando a bandalheira de dois pastores malandros. Já o
presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, perderá o posto por ter
feito a coisa certa: comandou com critérios empresariais uma companhia com
acionistas no Brasil e no exterior. Diferentes na competência, no estilo de
trabalho e na atenção às funções, coincidiram, no entanto, num ponto essencial:
contrariaram o projeto de poder de seu chefe, um presidente empenhado na
reeleição e, portanto, na preservação das condições políticas, jurídicas e
pessoais associadas à Presidência.
Até o escândalo do tal gabinete paralelo, o
ministro Milton Ribeiro foi sempre apoiado pelo presidente Bolsonaro. Como seu
chefe, nunca levou a sério os mandamentos da boa administração nem respeitou os
critérios de impessoalidade e de laicidade da função pública. Errou por omissão
e por ação, mostrando-se incapaz de entender as funções da escola, de
atividades como o Enem e da política educacional. Teve uma gestão desastrosa,
como seus antecessores, e foi fiel aos padrões bolsonarianos, contrários à
educação, à cultura e à ciência. Violou até as fronteiras do decoro e do
ridículo, ao admitir a impressão de Bíblias com sua foto.
O ministro só perdeu o conforto e a
segurança quando o Estadão, recentemente, revelou o gabinete paralelo. Em
poucos dias, histórias chocantes foram publicadas pelos meios de comunicação,
com gravações de falas indecorosas e testemunhos de prefeitos achacados por
pastores ligados, informalmente, ao Planalto e ao Ministério da Educação. Sem
poder negar o escândalo nem sua ligação com os vendedores de facilidades, o
presidente Bolsonaro tratou de conter os danos e afastou o ministro, já
condenado por grupos evangélicos ligados à política bolsonariana.
O presidente da República aproveitou a
ocasião para afastar o chefe da Petrobras. Seria mais fácil, supostamente,
porque as atenções estariam ocupadas também com a demissão do ministro Milton
Ribeiro. Ao propor a substituição do general Joaquim Silva e Luna, o presidente
Bolsonaro daria satisfação, talvez, aos descontentes com os preços dos
combustíveis.
Outro político poderia gastar algum tempo
explicando as condições do mercado internacional, os efeitos da guerra na
Ucrânia e as limitações de uma empresa como a Petrobras. Não seria, no entanto,
o caso de um populista pouco interessado em questões administrativas e, além
disso, conhecido por suas tentativas de intervir na estatal. Com a demissão já
anunciada, o presidente da Petrobras ainda apontaria, num pronunciamento
público, duas limitações da empresa: não lhe cabe fazer política pública nem,
“menos ainda”, política partidária.
Ao indicar para o comando da Petrobras o
economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura,
Bolsonaro envia ao mercado, aparentemente, um recado tranquilizador. Já havia
buscado entendimento com os generais apoiadores de Silva e Luna, ao discutir
com eles, previamente, a demissão do presidente da estatal. Pires é respeitado
como conhecedor do setor de energia e como defensor de políticas pró-mercado.
Mas é cedo para falar sobre sua disposição de manter preços alinhados com o
mercado internacional e de cuidar dos interesses dos acionistas. É cedo,
também, para especular sobre uma possível defesa de subsídios aos consumidores,
assunto complicado, em princípio, por envolver a equipe econômica.
Mas um ponto é certo. Não haverá um novo
Bolsonaro. O presidente será o mesmo político populista e autoritário
responsável pelo afastamento de Joaquim Silva e Luna, o mesmo explorador da
religiosidade envolvido na escolha do pastor Milton Ribeiro, o mesmo candidato
ligado ao Centrão e indiferente à boa administração.
A amplitude dos crimes ambientais
O Estado de S. Paulo.
Estudo revela que os crimes ambientais não
raro estão vinculados a outros tipos de crime, formando um ‘ecossistema de
ilicitudes’
Os crimes ambientais, como o desmatamento
ilegal, o tráfico de animais silvestres e o garimpo clandestino, por exemplo,
são comumente vistos como crimes de “menor potencial ofensivo” quando
comparados aos delitos em que há emprego de violência. Essa concepção dos
crimes ambientais, que se espraia por segmentos do governo e da sociedade, é
equivocada e extremamente prejudicial aos interesses do País.
Em primeiro lugar, os crimes ambientais são
graves por si sós. Em segundo lugar, incluir esses delitos em uma espécie de
ranking induz certa leniência do Estado em combatê-los com a mesma diligência
que seria empregada, por exemplo, na persecução a outros tipos de crime, como
os chamados crimes de sangue. Ademais, tratar os crimes ambientais como crimes
“menos graves” reflete uma visão bastante turva sobre a realidade dos fatos. Em
muitos casos, os crimes contra o meio ambiente estão diretamente ligados à
grilagem de terras públicas, delitos financeiros e tributários, tráfico de drogas
e homicídios.
Uma reportagem do Estadão mostrou que 30%
das 369 operações da PF deflagradas nos últimos cinco anos referiam-se a crimes
ambientais que tinham relação com algum tipo de fraude (documental, por
exemplo); em 21% foi apontada a ligação com o crime de corrupção; e em 20% os
crimes ambientais envolviam também lavagem de dinheiro. Mais estarrecedora foi
a constatação de que, em cerca de 50% dos casos que motivaram as operações
policiais para coibir crimes ambientais, havia atuação de organizações criminosas
ligadas à prática de crimes muito violentos, inclusive quadrilhas com presença
transcontinental.
Os números, que integram um estudo do
Instituto Igarapé, têm dois grandes méritos. De pronto, confirmam com
evidências o que antes era apenas uma percepção. Há crimes ambientais que
demandam tamanha mobilização de recursos humanos e financeiros que só por
ingenuidade ou má-fé haveriam de ser tratados como práticas isoladas de um
punhado de desvalidos, e não como elos de uma cadeia de práticas delitivas
engendrada por forças muito poderosas.
Essa enorme teia de crimes conexos
configura o que a diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, Melina Risso,
chamou de “ecossistema de ilicitudes”, com implicações na segurança pública que
vão muito além das fronteiras da Amazônia. “A ausência de uma resposta
contundente por parte do poder público fomenta a entrada de novos grupos
criminosos (nessa ciranda de ilicitudes), provoca danos ambientais, sociais e
econômicos seriíssimos e atenta contra a integridade da floresta e das
comunidades locais, sobretudo populações indígenas, quilombolas e
tradicionais”, disse Melina Risso ao Estadão.
Apontar para a ausência de uma resposta
“contundente” por parte do poder público a essa desabrida afronta às leis e à
Constituição é outro mérito do estudo. A gravidade dos crimes cometidos na
Região Amazônica e a sofisticação da rede montada para sua perpetração
demandam, como contrapartida, a mobilização de toda a força do Estado para
dar-lhes o devido combate. É exatamente o oposto do que tem feito o governo do
presidente Jair Bolsonaro nos últimos três anos. A complexidade da teia
criminosa na Região Amazônica e o aumento da violência ligada aos crimes
ambientais representam “enormes desafios de governança, coordenação estratégica
e inteligência, já que cadeias ilícitas de ouro e madeira ultrapassam
fronteiras”, enfatizam os autores do estudo.
Ao que tudo indica, não será durante o
mandato de Bolsonaro que o aparato do Estado será devidamente mobilizado para
combater os crimes ambientais, fazer o Brasil superar a vergonha e voltar a
ocupar um lugar de destaque nessa seara. O presidente é conhecido por sua
repulsa à proteção do meio ambiente e aos interesses das comunidades indígenas
e pela defesa quase obsessiva do garimpo ilegal e outros meios predatórios de
exploração econômica de recursos naturais.
A emersão de um Brasil mais seguro e civilizado a partir de 2023 depende fundamentalmente de uma mudança radical de mentalidade no Palácio do Planalto.
Terra arrasada na educação com o governo
Bolsonaro
Valor Econômico
O FNDE está sob comando do PP, que sustenta
o presidente
Mais um capítulo do show de horrores em que
se transformou o Ministério da Educação terminou com o pedido de demissão de
Milton Ribeiro, o terceiro a ocupar a pasta em pouco mais de três anos de
governo Bolsonaro. Como ocorreu na Saúde, que seguia a orientação oficial de
denegrir as vacinas, enquanto um esquema paralelo de atravessadores tentava
obtê-las com lucro, agora surgiram pastores picaretas vendendo influência para
intermediar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Como os três ocupantes do ministério até agora foram péssimos, aguarda-se com
justificado temor, a nomeação de um substituto, que deverá seguir o mesmo padrão
de ignorância e preconceito que o presidente da República implantou em área
vital para o desenvolvimento cultural, social e econômico do país.
A ideologia reacionária do governo e seu
apoio em algumas seitas evangélicas não conseguiram esconder que há dinheiro
corrente por trás de tão severos princípios. O presidente Jair Bolsonaro,
depois que surgiram as suspeitas sobre vendilhões agindo no templo ministerial,
chegou a exagerar no dito e dizer que “colocaria a cabeça no fogo” pelo pastor
Ribeiro. Deve ter tido um diálogo breve com sua assessoria do Centrão, que lhe
esclareceu sucintamente que não daria, em plena campanha eleitoral, e em um
momento em que o presidente começava a recuperar parte do apoio perdido, para
sair por aí propagando que não há corrupção em seu governo. Então, Bolsonaro,
com a cabeça ilesa, partiu para outra - foi demitir o presidente da Petrobras,
Joaquim Silva e Luna.
Quando o ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, do PP, disse que a permanência de Ribeiro não estava assegurada, antes
dos pedidos de inquérito feitos pela Procuradoria Geral da República, o destino
de Ribeiro estava selado. Nas duas demissões ocorridas na segunda - uma a
pedidos, outra não - se vê a ação da cúpula do governo de limpar o terreno
eleitoral para alavancar as chances de Bolsonaro, que aumentaram um pouco.
Assim como corrupção tira votos, o aumento dos combustíveis retira dinheiro do
bolso dos contribuintes e sufrágios do candidato.
Assim como se passou na Saúde e no
Ambiente, na Educação o descaso planejado do governo destruiu as capacidades
operacionais públicas, sem colocar nada no lugar. Bolsonaro, que pouco governa,
se safa de suas responsabilidades com relativo sucesso até agora. A CPI da
Covid acusou o presidente de não ter agido para deter os atravessadores de
vacinas, mesmo depois de avisado pessoalmente por um deputado. Mas um
responsável pelo inquérito concluiu que não está entre as funções do presidente
da República denunciar falcatruas em seu próprio governo. É absurdo, mas se
entende.
Sobre o escândalo dos pastores que vendiam
facilidades a peso de ouro, Ribeiro não desmentiu as denúncias, só um trecho de
fala sua cuja gravação foi obtida pela Folha de S. Paulo, em que disse que os
pedidos dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura deveriam ser atendidos por
indicação de Jair Bolsonaro. Ribeiro encaminhou denúncias a respeito à CGU em
agosto, mas continuou se reunindo com eles depois disso, um habeas corpus
preventivo.
No ministério, Ribeiro foi só menos
estridente que Ricardo Vélez Rodriguez e menos boquirroto que o inacreditável
Abraham Weintraub, seus antecessores. Discretamente, porém, disse barbaridades
à vontade, entre elas sobre o papel da educação sobre a sexualidade (para ele,
nenhum, fora a repressão) e ganhou um inquérito contra si por homofobia. Como
os outros, nada fez em prol da educação. Não moveu uma palha para coordenar o
setor durante a grave pandemia, que deixou as escolas brasileiras por mais
tempo paradas do que qualquer país relevante do planeta. Gastou a maior parte
do tempo sem fazer nada de relevante, ciceroneando ávidos comerciantes de
bíblias.
Mas há algo intrigante, que enseja
desdobramentos. Ribeiro está certo ao dizer que os repasses são determinados
pelo FNDE. Este é um feudo do PP, do ministro Ciro Nogueira. O fundo é dirigido
por seu ex-chefe de gabinete, Marcelo Lopes da Ponte. Mais de R$ 1 bilhão hoje,
e de R$ 5 bilhões em 2021, compuseram verbas discricionárias, as que atraíram a
cobiça de finórios. Ribeiro foi o mestre de cerimônias de dois pastores, não
tinha a chave do cofre. É possível que haja mais gente envolvida no trânsito
bíblico de recursos públicos para bolsos particulares.
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