quarta-feira, 30 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Novo presidente da Petrobras terá de conter Bolsonaro

O Globo

Não é difícil entender a intenção do presidente Jair Bolsonaro com a troca no comando da Petrobras. Seu objetivo sempre foi usá-la como arma política. Para interferir nas decisões da empresa, demitiu o primeiro presidente em seu governo, o economista Roberto Castello Branco, e, agora, decidiu demitir seu substituto, o general Joaquim Silva e Luna. Para o lugar dele será indicado o consultor Adriano Pires, uma referência no mercado de energia. Faltando menos de sete meses para o primeiro turno das eleições, com a guerra levando o preço do petróleo às alturas, a pressão do Planalto para reduzir o preço da gasolina, do diesel e do gás não diminuirá. Pires, se confirmado no cargo, terá o desafio de atender ao novo chefe sem manchar sua biografia. Não será tarefa fácil.

Ele foi um dos principais críticos da experiência desastrosa do governo Dilma, quando os preços foram mantidos em patamares baixos de forma artificial, e a empresa acabou na lona, com a maior dívida do mundo. No governo Temer, a petroleira adotou como política seguir a flutuação do petróleo no mercado internacional e, aos poucos, resgatou sua saúde financeira. Pressões políticas para intervir no preço sempre houve, mas Bolsonaro é um caso à parte. Em entrevista ao programa “Roda viva”, Castello Branco contou que recebia até mensagens do presidente sobre o assunto — um despropósito.

Em ano eleitoral, a alta dos combustíveis cria um problema enorme para Bolsonaro. Afeta os mais pobres (gás), diminui a renda de quem trabalha com motos e automóveis (gasolina) e alimenta a inflação via custo do frete (diesel). Em 2021, a inflação da gasolina foi de 47%. Ao mesmo tempo, a manutenção artificial de preços baixos prejudica os investimentos da Petrobras e pode levar ao desabastecimento, como o próprio Pires sempre enfatizou.

Embora consumidores possam vibrar com medidas populistas, a festa tem curta duração. Evidências mostram que os preços artificialmente baixos estimulam a demanda, alimentando a inflação futura. Para não falar na necessidade de incentivar a redução das emissões de CO2 oriundas de combustíveis fósseis, condição essencial para deter as mudanças climáticas.

A melhor forma de garantir o preço justo na bomba é levar a cabo o plano de privatização de refinarias, de modo a criar um mercado realmente competitivo. Além disso, para proteger o consumidor da volatilidade na cotação do petróleo, Pires tem defendido subsídios por meio de um fundo de estabilização mantido pelo Tesouro, não pelo acionista da Petrobras. É uma visão até sensata, e tramita no Congresso um projeto para implementá-la. Na prática, contudo, é longa a história no Brasil de iniciativas semelhantes que sofrem todo tipo de interferência política.

O mesmo risco cercará a gestão de Pires na Petrobras. A empresa, que distribuiu à União R$ 37,3 bilhões de dividendos e pagou R$ 203 bilhões em impostos no ano passado, é vista com cobiça pelos caciques do Centrão. Depois da Operação Lava- Jato, várias regras foram adotadas para protegê-la da rapina dos políticos. Pires precisará fazer o que for necessário para resguardá-las não apenas dos interesses do presidente em ano eleitoral, mas sobretudo da volúpia daqueles que sempre fizeram da estatal o cenário de todo tipo de negociata.

Disputa por Fernando de Noronha ignora as demandas do arquipélago

O Globo

O cenário paradisíaco de Fernando de Noronha está no centro de uma disputa que pouco ou nada contribui para a preservação ambiental e a melhoria da infraestrutura no arquipélago. Na semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a retomada das ilhas, administradas pelo governo de Pernambuco desde 2002, quando foi assinado um termo de cessão de uso com a União.

Na ação, a AGU alega que Pernambuco tem desrespeitado o contrato e impedido a atuação da União na preservação da área. Segundo o governo federal, a administração local tem concedido autorização para construções na faixa das praias e permitido o crescimento de pousadas em ocupações irregulares, fatos apontados em nota técnica do Ministério Público Federal. Não deixa de ser louvável que o governo federal, criticado pela gestão tóxica do meio ambiente, esteja preocupado com a preservação do arquipélago.

O governo de Pernambuco rebateu as acusações com cobranças ao Planalto. Afirmou que a população gostaria de ver a mesma “persistência e celeridade” da União no cumprimento da promessa, feita em 2019, de implantação do saneamento básico na ilha. Segundo o estado, o projeto de esgotamento sanitário foi enviado ao Ministério do Meio Ambiente em fevereiro de 2020 e até hoje “vem sendo reiteradamente ignorado”. O governo estadual alega ainda que tem feito obras, como a recuperação de estradas vicinais, a instalação de iluminação pública e a melhoria do abastecimento de água por meio de um novo dessalinizador.

Desde que assumiu, o presidente Jair Bolsonaro por várias vezes demonstrou insatisfação com normas em vigor no arquipélago. Em seu primeiro ano de mandato, criticou a cobrança de taxas, que classificou como “roubo”. Em Noronha, são cobradas uma taxa de preservação ambiental (estadual) e outra (federal) pelo acesso ao Parque Nacional Marinho. Em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, contrariando parecer do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), liberou a pesca de sardinha em duas áreas do parque, despertando a ira de ambientalistas. O senador Flávio Bolsonaro é defensor da liberação de grandes cruzeiros na região e da instalação de recifes artificiais para atividades de mergulho.

Em vez de disputar o controle de Noronha, os governos federal e estadual deveriam se unir para melhorar a infraestrutura do arquipélago e promover o turismo sustentável. Não há dúvida de que as ilhas, com praias quase intocadas, estão entre os cenários mais deslumbrantes do país. Mas a falta de saneamento básico é um descalabro. Abastecimento de água e destino do lixo também são problemas crônicos. Independentemente de a gestão ser estadual ou federal, os contratos precisam ser cumpridos, e as decisões compartilhadas. Há um lado sombrio de Noronha que o turista, inebriado com a paisagem idílica, não vê. União e estado têm obrigação de enxergá-lo.

À moda de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Trocas no MEC e na Petrobras mostram governo sem visão que não seja eleitoral

A exposição do balcão de negócios no Ministério da Educação tornou insustentável a permanência de Milton Ribeiro no comando da pasta, e Jair Bolsonaro (PL) assinou sua demissão na segunda (28).

O presidente deixou claros os seus objetivos dias antes da exoneração do auxiliar, ao declarar que confiava tanto na honestidade de Ribeiro que colocaria a cara no fogo por ele se fosse necessário.

Bolsonaro não tem interesse em investigar as suspeitas de corrupção no ministério, muito menos quer melhorar a gestão do ensino. Sua prioridade é evitar que o escândalo respingue na campanha à reeleição —e para isso ele quer contar com a ajuda de Ribeiro.

Este caiu após a divulgação do áudio em que, numa reunião com prefeitos que pediam verbas, recomendava que se acertassem com pastores que traficavam favores no MEC. Como explicou, tratava-se de um pedido do próprio Bolsonaro.

Com o afago no colaborador às vésperas da degola, o mandatário procurou garantir, tudo indica, que não haja mais declarações inconvenientes sobre o caso.

Preservar a aliança com os evangélicos é parte essencial da estratégia de Bolsonaro para recuperar sua popularidade e vencer as eleições de outubro. Abafar o escândalo é o que precisa fazer para manter os pastores ao seu lado.

O presidente busca ainda proteger os interesses de seus aliados no centrão, que têm a chave do cofre de onde saem os recursos orçamentários disputados pelos prefeitos arrebanhados pelos pastores.

Os esforços pela reeleição explicam também mais uma turbulenta troca do comando da Petrobras, anunciada no mesmo dia da saída do ministro da Educação.

O presidente decidiu demitir o general Joaquim Silva e Luna porque ele não cedeu a seus apelos para segurar os preços dos combustíveis a qualquer custo, ainda que isso colocasse em risco a confiança dos investidores e a saúde financeira da companhia.

Silva e Luna é o segundo presidente da Petrobras a ser afastado por Bolsonaro pelo mesmo motivo, depois de Roberto Castello Branco. O economista Adriano Pires, indicado para o posto, defende subsídios que amorteçam os efeitos da alta dos combustíveis sem mexer na política de preços da empresa.

A Lei das Estatais e melhorias introduzidas na governança da Petrobras nos últimos anos criaram barreiras que a protegem contra tentações intervencionistas, mas a aposta de Bolsonaro é que ganhará pontos mesmo se o preço da gasolina não baixar.

Ele espera convencer o eleitor de que tentou alguma coisa —e que só não fez mais porque os adversários não o deixam trabalhar. Um governo responsável buscaria alternativas que não comprometessem o futuro da Petrobras, mas o jogo de Bolsonaro é outro. Ele prefere a confusão desde sempre.

Faz de conta no Ibama

Folha de S. Paulo

Manobra para atrasar aplicação de multas do órgão é estímulo ao crime ambiental

O esvaziamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no governo Jair Bolsonaro (PL) se faz sobretudo com omissão. Fiscais autuam infratores apenas para ver multas sob risco de prescrever.

A rota da incúria foi pavimentada pelo presidente e seu então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com apenas três meses no Planalto, por meio de decreto criando uma etapa de conciliação. O pretexto era incentivar acordos para evitar processos, quando em realidade se visava atrasar a execução.

Levantamento da Folha, com base em informações de páginas do Ibama, revelou que há ao menos R$ 1 bilhão em autos de infração de 2020 represados —nem sequer chegaram ao setor de conciliação.

A quantidade pode até ser maior, mas este jornal identificou pelo cruzamento de duas bases de dados 647 autos de multas maiores que R$ 200 mil que não tiveram encaminhamento desde então.

A compilação se lê como um rol de incentivos ao crime ambiental. Infratores do Pará, estado que mais desmata na Amazônia (5.257 km² em 2021, 40% do total), despontam como maiores beneficiários do descaso, com 294 multas sem desfecho, somando R$ 433 milhões.

Há sanções com valor superior a R$ 10 milhões, sendo a maior, de R$ 46,3 milhões, referente à exploração de uma área embargada. Um único indivíduo foi multado por desmatar uma gleba de 2.000 hectares, ou 20 km².

Há 13 madeireiras entre os empreendimentos flagrados. Salles deixou a pasta em junho de 2021, quando a Polícia Federal investigava sua possível cumplicidade com exportação irregular de madeiras nobres da Amazônia.

Mais da metade dessas madeireiras (7) com pendências se localizam em Mato Grosso, segundo colocado em autos que não chegaram à etapa de conciliação (91, totalizando R$ 164 milhões). Depois vêm Rondônia e Amazonas.

Autos de infração já vinham caindo no governo Bolsonaro. E mesmo os que são lavrados caminham para se tornar inócuos.

Tamanho estímulo ao crime ambiental organizado, como no caso do garimpo ilegal, dá no resultado previsível, se não premeditado: um aumento constante do desmatamento desde 2018, ano da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.

A guilhotina populista

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro afastou a contragosto o ministro da Educação porque ficou difícil esconder seus malfeitos; já o presidente da Petrobras foi demitido por fazer a coisa certa

Certo e errado, competência e incompetência, interesse nacional e interesse de alguns fazem pouca ou nenhuma diferença quando se trata de servir ao presidente Jair Bolsonaro. Em qualquer caso, cabeças podem cair. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi demitido, a contragosto do presidente, depois de ter feito uma coisa errada: aceitou um gabinete paralelo, facilitando a bandalheira de dois pastores malandros. Já o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, perderá o posto por ter feito a coisa certa: comandou com critérios empresariais uma companhia com acionistas no Brasil e no exterior. Diferentes na competência, no estilo de trabalho e na atenção às funções, coincidiram, no entanto, num ponto essencial: contrariaram o projeto de poder de seu chefe, um presidente empenhado na reeleição e, portanto, na preservação das condições políticas, jurídicas e pessoais associadas à Presidência.

Até o escândalo do tal gabinete paralelo, o ministro Milton Ribeiro foi sempre apoiado pelo presidente Bolsonaro. Como seu chefe, nunca levou a sério os mandamentos da boa administração nem respeitou os critérios de impessoalidade e de laicidade da função pública. Errou por omissão e por ação, mostrando-se incapaz de entender as funções da escola, de atividades como o Enem e da política educacional. Teve uma gestão desastrosa, como seus antecessores, e foi fiel aos padrões bolsonarianos, contrários à educação, à cultura e à ciência. Violou até as fronteiras do decoro e do ridículo, ao admitir a impressão de Bíblias com sua foto.

O ministro só perdeu o conforto e a segurança quando o Estadão, recentemente, revelou o gabinete paralelo. Em poucos dias, histórias chocantes foram publicadas pelos meios de comunicação, com gravações de falas indecorosas e testemunhos de prefeitos achacados por pastores ligados, informalmente, ao Planalto e ao Ministério da Educação. Sem poder negar o escândalo nem sua ligação com os vendedores de facilidades, o presidente Bolsonaro tratou de conter os danos e afastou o ministro, já condenado por grupos evangélicos ligados à política bolsonariana.

O presidente da República aproveitou a ocasião para afastar o chefe da Petrobras. Seria mais fácil, supostamente, porque as atenções estariam ocupadas também com a demissão do ministro Milton Ribeiro. Ao propor a substituição do general Joaquim Silva e Luna, o presidente Bolsonaro daria satisfação, talvez, aos descontentes com os preços dos combustíveis.

Outro político poderia gastar algum tempo explicando as condições do mercado internacional, os efeitos da guerra na Ucrânia e as limitações de uma empresa como a Petrobras. Não seria, no entanto, o caso de um populista pouco interessado em questões administrativas e, além disso, conhecido por suas tentativas de intervir na estatal. Com a demissão já anunciada, o presidente da Petrobras ainda apontaria, num pronunciamento público, duas limitações da empresa: não lhe cabe fazer política pública nem, “menos ainda”, política partidária.

Ao indicar para o comando da Petrobras o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Bolsonaro envia ao mercado, aparentemente, um recado tranquilizador. Já havia buscado entendimento com os generais apoiadores de Silva e Luna, ao discutir com eles, previamente, a demissão do presidente da estatal. Pires é respeitado como conhecedor do setor de energia e como defensor de políticas pró-mercado. Mas é cedo para falar sobre sua disposição de manter preços alinhados com o mercado internacional e de cuidar dos interesses dos acionistas. É cedo, também, para especular sobre uma possível defesa de subsídios aos consumidores, assunto complicado, em princípio, por envolver a equipe econômica.

Mas um ponto é certo. Não haverá um novo Bolsonaro. O presidente será o mesmo político populista e autoritário responsável pelo afastamento de Joaquim Silva e Luna, o mesmo explorador da religiosidade envolvido na escolha do pastor Milton Ribeiro, o mesmo candidato ligado ao Centrão e indiferente à boa administração.

A amplitude dos crimes ambientais

O Estado de S. Paulo.

Estudo revela que os crimes ambientais não raro estão vinculados a outros tipos de crime, formando um ‘ecossistema de ilicitudes’

Os crimes ambientais, como o desmatamento ilegal, o tráfico de animais silvestres e o garimpo clandestino, por exemplo, são comumente vistos como crimes de “menor potencial ofensivo” quando comparados aos delitos em que há emprego de violência. Essa concepção dos crimes ambientais, que se espraia por segmentos do governo e da sociedade, é equivocada e extremamente prejudicial aos interesses do País.

Em primeiro lugar, os crimes ambientais são graves por si sós. Em segundo lugar, incluir esses delitos em uma espécie de ranking induz certa leniência do Estado em combatê-los com a mesma diligência que seria empregada, por exemplo, na persecução a outros tipos de crime, como os chamados crimes de sangue. Ademais, tratar os crimes ambientais como crimes “menos graves” reflete uma visão bastante turva sobre a realidade dos fatos. Em muitos casos, os crimes contra o meio ambiente estão diretamente ligados à grilagem de terras públicas, delitos financeiros e tributários, tráfico de drogas e homicídios.

Uma reportagem do Estadão mostrou que 30% das 369 operações da PF deflagradas nos últimos cinco anos referiam-se a crimes ambientais que tinham relação com algum tipo de fraude (documental, por exemplo); em 21% foi apontada a ligação com o crime de corrupção; e em 20% os crimes ambientais envolviam também lavagem de dinheiro. Mais estarrecedora foi a constatação de que, em cerca de 50% dos casos que motivaram as operações policiais para coibir crimes ambientais, havia atuação de organizações criminosas ligadas à prática de crimes muito violentos, inclusive quadrilhas com presença transcontinental.

Os números, que integram um estudo do Instituto Igarapé, têm dois grandes méritos. De pronto, confirmam com evidências o que antes era apenas uma percepção. Há crimes ambientais que demandam tamanha mobilização de recursos humanos e financeiros que só por ingenuidade ou má-fé haveriam de ser tratados como práticas isoladas de um punhado de desvalidos, e não como elos de uma cadeia de práticas delitivas engendrada por forças muito poderosas.

Essa enorme teia de crimes conexos configura o que a diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, Melina Risso, chamou de “ecossistema de ilicitudes”, com implicações na segurança pública que vão muito além das fronteiras da Amazônia. “A ausência de uma resposta contundente por parte do poder público fomenta a entrada de novos grupos criminosos (nessa ciranda de ilicitudes), provoca danos ambientais, sociais e econômicos seriíssimos e atenta contra a integridade da floresta e das comunidades locais, sobretudo populações indígenas, quilombolas e tradicionais”, disse Melina Risso ao Estadão.

Apontar para a ausência de uma resposta “contundente” por parte do poder público a essa desabrida afronta às leis e à Constituição é outro mérito do estudo. A gravidade dos crimes cometidos na Região Amazônica e a sofisticação da rede montada para sua perpetração demandam, como contrapartida, a mobilização de toda a força do Estado para dar-lhes o devido combate. É exatamente o oposto do que tem feito o governo do presidente Jair Bolsonaro nos últimos três anos. A complexidade da teia criminosa na Região Amazônica e o aumento da violência ligada aos crimes ambientais representam “enormes desafios de governança, coordenação estratégica e inteligência, já que cadeias ilícitas de ouro e madeira ultrapassam fronteiras”, enfatizam os autores do estudo.

Ao que tudo indica, não será durante o mandato de Bolsonaro que o aparato do Estado será devidamente mobilizado para combater os crimes ambientais, fazer o Brasil superar a vergonha e voltar a ocupar um lugar de destaque nessa seara. O presidente é conhecido por sua repulsa à proteção do meio ambiente e aos interesses das comunidades indígenas e pela defesa quase obsessiva do garimpo ilegal e outros meios predatórios de exploração econômica de recursos naturais.

A emersão de um Brasil mais seguro e civilizado a partir de 2023 depende fundamentalmente de uma mudança radical de mentalidade no Palácio do Planalto.

Terra arrasada na educação com o governo Bolsonaro

Valor Econômico

O FNDE está sob comando do PP, que sustenta o presidente

Mais um capítulo do show de horrores em que se transformou o Ministério da Educação terminou com o pedido de demissão de Milton Ribeiro, o terceiro a ocupar a pasta em pouco mais de três anos de governo Bolsonaro. Como ocorreu na Saúde, que seguia a orientação oficial de denegrir as vacinas, enquanto um esquema paralelo de atravessadores tentava obtê-las com lucro, agora surgiram pastores picaretas vendendo influência para intermediar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Como os três ocupantes do ministério até agora foram péssimos, aguarda-se com justificado temor, a nomeação de um substituto, que deverá seguir o mesmo padrão de ignorância e preconceito que o presidente da República implantou em área vital para o desenvolvimento cultural, social e econômico do país.

A ideologia reacionária do governo e seu apoio em algumas seitas evangélicas não conseguiram esconder que há dinheiro corrente por trás de tão severos princípios. O presidente Jair Bolsonaro, depois que surgiram as suspeitas sobre vendilhões agindo no templo ministerial, chegou a exagerar no dito e dizer que “colocaria a cabeça no fogo” pelo pastor Ribeiro. Deve ter tido um diálogo breve com sua assessoria do Centrão, que lhe esclareceu sucintamente que não daria, em plena campanha eleitoral, e em um momento em que o presidente começava a recuperar parte do apoio perdido, para sair por aí propagando que não há corrupção em seu governo. Então, Bolsonaro, com a cabeça ilesa, partiu para outra - foi demitir o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna.

Quando o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, do PP, disse que a permanência de Ribeiro não estava assegurada, antes dos pedidos de inquérito feitos pela Procuradoria Geral da República, o destino de Ribeiro estava selado. Nas duas demissões ocorridas na segunda - uma a pedidos, outra não - se vê a ação da cúpula do governo de limpar o terreno eleitoral para alavancar as chances de Bolsonaro, que aumentaram um pouco. Assim como corrupção tira votos, o aumento dos combustíveis retira dinheiro do bolso dos contribuintes e sufrágios do candidato.

Assim como se passou na Saúde e no Ambiente, na Educação o descaso planejado do governo destruiu as capacidades operacionais públicas, sem colocar nada no lugar. Bolsonaro, que pouco governa, se safa de suas responsabilidades com relativo sucesso até agora. A CPI da Covid acusou o presidente de não ter agido para deter os atravessadores de vacinas, mesmo depois de avisado pessoalmente por um deputado. Mas um responsável pelo inquérito concluiu que não está entre as funções do presidente da República denunciar falcatruas em seu próprio governo. É absurdo, mas se entende.

Sobre o escândalo dos pastores que vendiam facilidades a peso de ouro, Ribeiro não desmentiu as denúncias, só um trecho de fala sua cuja gravação foi obtida pela Folha de S. Paulo, em que disse que os pedidos dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura deveriam ser atendidos por indicação de Jair Bolsonaro. Ribeiro encaminhou denúncias a respeito à CGU em agosto, mas continuou se reunindo com eles depois disso, um habeas corpus preventivo.

No ministério, Ribeiro foi só menos estridente que Ricardo Vélez Rodriguez e menos boquirroto que o inacreditável Abraham Weintraub, seus antecessores. Discretamente, porém, disse barbaridades à vontade, entre elas sobre o papel da educação sobre a sexualidade (para ele, nenhum, fora a repressão) e ganhou um inquérito contra si por homofobia. Como os outros, nada fez em prol da educação. Não moveu uma palha para coordenar o setor durante a grave pandemia, que deixou as escolas brasileiras por mais tempo paradas do que qualquer país relevante do planeta. Gastou a maior parte do tempo sem fazer nada de relevante, ciceroneando ávidos comerciantes de bíblias.

Mas há algo intrigante, que enseja desdobramentos. Ribeiro está certo ao dizer que os repasses são determinados pelo FNDE. Este é um feudo do PP, do ministro Ciro Nogueira. O fundo é dirigido por seu ex-chefe de gabinete, Marcelo Lopes da Ponte. Mais de R$ 1 bilhão hoje, e de R$ 5 bilhões em 2021, compuseram verbas discricionárias, as que atraíram a cobiça de finórios. Ribeiro foi o mestre de cerimônias de dois pastores, não tinha a chave do cofre. É possível que haja mais gente envolvida no trânsito bíblico de recursos públicos para bolsos particulares.

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