O Globo
A esta altura do campeonato, depois de duas
intervenções na Petrobras, do casamento em comunhão de bens com o Centrão e do
lançamento da versão turbo do Bolsa Família como única forma de retomar a
popularidade, os que se iludiram com a versão “liberal” de Jair Bolsonaro
vendida em 2018 deveriam estar se perguntando como caíram em tamanha cascata.
Já era difícil engolir a fraude para quem
minimamente acompanhou a carreira parlamentar de Bolsonaro e dos filhos, mas
muitos se valeram da presença de Paulo Guedes como um Cavalo de Troia na
campanha, depois no governo, para validar a crença no impossível.
Pois bem, agora que não é mais possível
acreditar nessa história da carochinha, qual seria a justificativa de setores
do mercado para um apoio à reeleição do presidente?
Em entrevista na última segunda-feira ao “Roda viva”, o primeiro dos presidentes da Petrobras defenestrados por Bolsonaro, Roberto Castello Branco, fez um mea-culpa por ter embarcado nessa ilusão liberal. Disse ter acreditado que, por ser “pouco dotado de conhecimento”, o presidente deixaria Guedes conduzir a economia conforme vendeu na campanha.
Para ele, a “Faria Lima” e o empresariado
não repetirão o embarque neste ano. Mas vão de Lula? Ele preferiu não cravar
uma aposta de que sim.
O antipetismo está de volta nas análises
desses setores e mostra sua cara num crescimento não desprezível de Bolsonaro nas
pesquisas.
É espantoso ver como a viseira ideológica
permite que agentes econômicos olhem para o tamanho da bola de neve fiscal que
o capitão está posicionando no alto da montanha, para rolar sobre o país logo
depois da eleição, e entendam que isso é aceitável, já que “pelo menos não é o
PT”.
Caso se confirme o subsídio que Bolsonaro
quer porque quer que seja dado ao preço dos combustíveis e do gás de cozinha
(para além do vale-gás já concedido), no que isso é diferente do congelamento
forçado de preços praticado por Dilma Rousseff?
É impressionante a diferença de pesos e
medidas para analisar medidas econômicas de igual viés populista e similar dose
de heterodoxia cometidas no governo da petista e hoje, com a anuência do
“Chicago boy” Guedes.
Sem falar na tolerância com a maneira
absolutamente não republicana com que o presidente lida com instituições e uma
companhia como a Petrobras, demonstrando não ter o mínimo de compreensão a
respeito de seu funcionamento e das regras que regem uma empresa de economia
mista, cujo dono que manda e desmanda não é o governo.
Essa sem-cerimônia para fritar executivos,
ligar para eles ou mandar mensagens como se fossem seus empregados — e, na
impossibilidade de obter deles o que espera, descartá-los — seria motivo de
escândalo e repúdio público de todo o mercado financeiro, de executivos de
outras empresas e investidores e parceiros da Petrobras se fosse Dilma a
praticá-la.
É a condescendência sem precedentes nem
motivo razoável com tudo de bizarro que Bolsonaro faz — da condução da pandemia
à cruzada contra as urnas eletrônicas, passando pelo desmonte de toda e
qualquer política pública — o principal fator a explicar por que a disputa
eleitoral parece fadada a repetir 2018, com a possibilidade de haver um sinal
trocado no resultado final.
O país, em todas as suas estruturas até o
eleitor, parece anestesiado e incapaz de sair da comparação primitiva entre
esse estado de coisas de hoje e os governos do PT, como se estivesse diante de
uma decisão plebiscitária.
Muito provavelmente, Adriano Pires não
operará o cavalo de pau que o presidente espera na Petrobras. Mas é mais um que
fecha os olhos para os métodos e para o retrospecto tenebroso deste governo em
nome de um objetivo pessoal. Nessa base é que Bolsonaro vai se elegendo, vai se
recuperando, vai ficando…
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