Valor Econômico
Antes refém do Planalto, Legislativo agora
impõe a pauta
Há uma mudança significativa em andamento
nas relações entre o Executivo e o Legislativo. Ela já tem sido percebida pelos
principais atores políticos do país, mas não devidamente assimilada pelo setor
produtivo e pela sociedade civil organizada.
Evidência da mudança: a Câmara dos Deputados e o Senado, antes reféns do que queria o Palácio do Planalto, têm ditado cada vez mais a pauta legislativa. Há dez anos, dois terços dos projetos de lei aprovados no Congresso eram de autoria do governo. No ano passado, foi o inverso: dois terços das propostas que concluíram sua tramitação tiveram origem no próprio Parlamento. Nesse intervalo, desabou o índice de aprovação de medidas provisórias. Elas passaram a caducar (perder validade) com mais frequência.
Aos números: o Executivo conseguiu levar
adiante um total de 37 projetos em 2012, incluindo a conversão de MPs em lei,
quantidade que tem variado para mais ou para menos conforme o ano, mas chegou
ao fim do período no mesmo patamar (38 em 2021).
Já a produção própria de deputados e
senadores tem crescido de forma constante. Foram 18 projetos aprovados em 2012,
subiram para 33 em meados da década passada, chegaram a inéditos 82 em 2021.
Antes, a esmagadora maioria das MPs (92%) era convertida em lei. Hoje, apenas
metade (56%) é aprovada.
Esse levantamento foi feito por João
Hummel, um dos maiores conhecedores do Congresso Nacional, sócio- diretor da
Action Relações Governamentais e que atua também como consultor da Frente
Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).
Para fazer lobby em Brasília, segundo
Hummel, batia-se na porta dos gabinetes do Poder Executivo. O governo tinha o
controle da agenda. Era quem publicava uma MP, raramente rejeitada, ou
mobilizava seus aliados para votar propostas em tramitação. Se fosse o caso,
liberava emendas. E aí chovia dinheiro nos currais de cada parlamentar. Isso
mudou. Foi uma evolução, diz o consultor político, que cita pelo menos cinco
episódios importantes.
1) O novo Código Florestal, sancionado em
2012, tornou- se a principal experiência de empoderamento do Legislativo até
então. Pela primeira vez em muito tempo, o governo teve que negociar muito.
Fixou-se o precedente. Os congressistas adoraram. Anos mais tarde, a Lei das
Teles (12.873) e a Lei de Licitações (14.133) - duas outras iniciativas que
nasceram na Câmara e no Senado - foram pelo mesmo caminho.
2) Em 2012, o STF julgou uma ação de
inconstitucionalidade que mudou o rito de tramitação das MPs. Em vez de irem
para o plenário da Câmara e travarem a pauta, permitindo ao governo entupir o
Legislativo com suas propostas, medidas provisórias começaram a ser analisadas
por comissões mistas (15 deputados e 15 senadores). Com isso, elas passaram a
travar menos a pauta do plenário e a caducar mais.
3) Em 2015, uma mudança constitucional
obrigou o governo a executar emendas parlamentares individuais, criando o
chamado Orçamento impositivo. Antes, congressistas apenas sugeriam as dotações,
cuja execução ficava a critério do Executivo e normalmente servia como moeda de
troca na votação de projetos de interesse do Planalto. Um instrumento a menos
de pressão e barganha.
4) Até 2016, quando surgiu o teto de
gastos, como se fazia o Orçamento? O governo enviava uma proposta, o relator
inflava receitas e acomodava despesas maiores. Com tudo aprovado, o Executivo
publicava um decreto de contingenciamento que tinha as emendas parlamentares
como grande alvo. De novo, ficava o Congresso refém do Planalto. A partir do
teto, esse círculo vicioso foi cortado. As despesas ficaram congeladas. O
governo pode vetar, mas depois dependerá do Legislativo para aprovar crédito
suplementar ou extraordinário.
5) As emendas RP 9, a partir de 2020, deram
mais poderes ao relator do Orçamento. Ele passou a definir, com deputados e
senadores, a alocação de bilhões de reais em emendas. Elas não são impositivas.
Em tese, o Executivo sairia fortalecido nas negociações. Na prática, com um
orçamento tão apertado para investimentos, o governo também tem todo interesse
em usar esses recursos e se esforça em agradar os parlamentares.
Qual é o saldo final? “Hoje o Congresso é
dono da pauta e dono do Orçamento”, afirma João Hummel. “E a forma de fazer
lobby terá que mudar.”
O Congresso agora tem mais capacidade de
aprovar projetos de sua autoria, mas conta com uma estrutura menos sólida do
que o Executivo para formular textos complexos. “As assessorias dos partidos e
as consultorias legislativas estão preparadas para organizar essa pauta mais
intensa?”, provoca.
Aí entra o setor produtivo. Os empresários,
que concentravam seus esforços no Executivo, agora estão incentivando a criação
de novas frentes parlamentares e prestando apoio técnico para seus trabalhos.
“Se a sociedade civil organizada não ocupar esse espaço, alguém vai ocupar”,
alerta. Não é apenas teoria. Por anos, Hummel foi o consultor da bancada
ruralista e fundador de um instituto que oferece suporte à Frente Parlamentar
da Agropecuária (FPA), talvez a mais influente do Congresso. Essa história de
sucesso, diz ele, pode ser repetida em outras áreas.
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