Correio Braziliense
Na medida em que se aproxima mais uma
eleição, vale a pena lembrar projetos que no passado orgulharam Brasília e se
espalharam pelo Brasil, graças a alianças, conversas e ideias vindas da
população.
O Bolsa-Escola surgiu ainda com o nome
"Renda mínima vinculada à educação", no Núcleo de Estudos do Brasil
Contemporâneo, da Universidade de Brasília (UnB). A proposta foi apresentada,
nos anos 1980, para todo o Brasil. Foi o jornalista Hélio Doyle quem levantou a
possibilidade de aplicá-la apenas no Distrito Federal (DF). Havia a objeção de
que isso atrairia milhares de famílias. Encontramos solução exigindo que a
família beneficiada morasse no DF há pelo menos cinco anos.
No sábado passado, este jornal fez editorial informando que, no Nordeste, há mais pessoas dependendo do Auxílio Brasil do que vivendo de salário graças ao trabalho. A pandemia e os erros da economia contribuem para isso, mas é sobretudo a baixa escolaridade que desloca pessoas do mercado de trabalho para as políticas assistenciais. Por isso, ao criar o Bolsa-Escola, Brasília foi exemplo de como atender necessidade imediata de renda, graças à bolsa, e de transformação social e emancipação pessoal, graças à escola.
Foi o amigo taxista Argemiro quem me
perguntou por que não dar Bolsa-Escola a adultos analfabetos, para que eles
aprendessem a ler. Consideramos o risco de o analfabeto ficar recebendo o
dinheiro sem dizer que aprendeu a ler. Elaboramos a solução de, no lugar de
pagar renda mensal, comprar a primeira carta que o aluno escrevesse em sala de
aula, provando ter aprendido a ler. Assim, surgiu o Bolsa-Alfa, projeto de
grande impacto social e alto valor poético.
Foi conversando com o jornalista Gilberto
Dimenstein, falecido em maio do ano passado, que ouvi a ideia de complementar o
Bolsa-Escola pagando um valor para o aluno que fosse aprovado. O Bolsa-Escola
mantinha a frequência, a complementação incentivaria o estudo. Havia o problema
de incentivar o estudo e facilitar a evasão, depois de receber o prêmio.
Tivemos a ideia de depositar o dinheiro em caderneta de poupança ao final do
ano letivo em que fosse aprovado, para o aluno retirar quando concluísse o
ensino médio.
O Bolsa-Escola foi descaracterizado em
Bolsa Família e Auxílio Brasil, o Poupança Escola não foi adotado
nacionalmente, mas está destacado nos livros de políticas públicas nascidas no
DF.
O estímulo ao uso da faixa de pedestre foi
sugestão do engenheiro Luiz Miura, então diretor do Detran-DF. Ideia tão ousada
que muitos no próprio governo foram contra, com medo de acidentes. A
resistência foi vencida ao ser apresentada como programa de educação coletiva
ao longo de meses, até criar uma cultura no DF, que serviu de exemplo ao Brasil
inteiro. A ação governamental foi mínima diante da ação coletiva da população,
resultado do diálogo pedagógico.
O Projeto Saber foi fruto da ideia do então
secretário do Trabalho Pedro Celso: formar milhares de jovens e adultos em
ofícios, com cursos profissionalizantes. Centenas de milhares de pessoas se
fizeram profissionais. Com apoio do programa BRB Trabalho, muitos se tornaram
pequenos empresários, no próprio ramo dos ofícios que aprenderam: padeiros,
cabeleireiros, cozinheiros.
O Saúde em Casa é exemplo de projeto de
máxima eficiência e impacto sobre a população. A ideia foi sugerida pela médica
Maria José Maninha, então secretária de Saúde. Ela e sua equipe conseguiram
idealizar e implantar um sistema que permitiu atendimento domiciliar a qualquer
doente que precisasse.
O programa Agroindústria Familiar foi
criado e executado pelo professor João Luiz Homem de Carvalho, então secretário
de Agricultura. Graças ao programa, o pequeno produtor conseguia agregar valor
ao seu produto agrícola, industrializando-o e dando-lhe feição para ser
comercializado nos grandes shoppings. O pequeno era globalizado graças à
assessoria do governo.
Na hora em que centenas de pessoas se
preparam para disputar cargos eletivos, vale a pena lembrar como o DF teve
programas de grande repercussão local, nacional e até mundial, graças à
interação e ao diálogo. Cabe lembrar que aquele governo só foi possível por
causa da aliança entre sete partidos, unindo inclusive PT e PSDB. Se não fosse
o apoio da deputada federal Maria de Lourdes Abadia, do PSDB, o PT não teria
elegido o governador em 1994.
Neste 2022, vale a pena que as lideranças
lembrem as boas ideias, diálogos inspiradores e as boas alianças. Sem eles, o
Brasil e nossa cidade não darão os passos necessários para construirmos o
futuro que queremos.
*Cristovam Buarque - Professor emérito da
Universidade de Brasília
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