Na
cena atual o diabo é mais feio do lhe pintam, ele não está aí há apenas três
anos, mas nos acompanha de muito perto desde os anos 1930 quando emasculou
nossas instituições políticas com a introdução da fórmula corporativa, e poucos
anos depois nos trouxe a Carta 1937 de clara inspiração fascista. A legislação
do Estado Novo sobreviveu parcialmente no regime na Carta de 1946,
especialmente em matérias afetas ao mundo do trabalho. A lei de segurança
nacional de 1953, instrumento de arbítrio do Estado, deu mais uma prova da
sobrevida do regime de 1937. Entre nós, a cultura política do iliberalismo não
é moda recente, ela vem de longe como uma das marcas da modernização
autoritária brasileira.
Basta lembrar que o movimento massivo que derrotou o regime militar nos idos dos anos oitenta e nos trouxe a Constituição de 1988 foi impotente para alterar as relações anacrônicas de propriedade no mundo agrário, quando uma fronda reacionária ameaçou se levantar em armas para defende-las e preservar os meios de controle do sindicalismo. Passados três anos de governo Bolsonaro, os obstáculos às mudanças democráticas ainda mais se fortaleceram não só pela remoção de sistemas proteção do trabalho e do meio ambiente como também pela expansão de interesses turvos até então represados como na mineração e no agronegócio.
Derrotar
o governo que aí está, encouraçado como está por grossos interesses do sistema
financeiro e do agronegócio e da malha de interesses novos, uma parte de índole
mafiosa, que ele mesmo promoveu, não é missão à altura dos políticos
liliputianos que rondam a esfera pública em busca de oportunidades ou de
satisfação de egos inflados. É frase de Guimarães Rosa que sapo não pula por
boniteza, mas por precisão, e assim por força das dramáticas ameaças que podem
conduzir a uma legitimação eleitoral do fascismo entre nós que realizamos uma
pirueta política. Como quase sempre, o recurso à imaginação deu em bom
resultado, embora imprevisto, na aliança entre dois quadros provados nas
últimas décadas em nossas competições eleitorais, a Lula e Alkmin.
Tal
aliança vai na direção de uma correção de rumos tanto na política do PT, cuja
prática apartou a questão social da democracia política, como nos quadros da
social-democracia do PSDB que se alienou dos temas sociais, como se faz
reconhecer na corajosa guinada operada por Alkmin amparada por muitos dos seus
antigos correligionários no sentido de estabelecer os justos nexos entre essas
duas dimensões. Os democratas de todos os matizes não podem desconhecer a
grandeza do gesto desses dois veteranos da nossa política. Não é hora de
remoermos antigas feridas, mas da procura do interesse comum que não pode
prosperar sem a entrega de cada qual à missão libertadora de devolver à
sociedade a capacidade de decidir democraticamente sobre seu destino.
Quem
disser que é tarefa fácil estará mentindo, as forças contrárias são muitas e
sabem se unir, e conhecem por lições sabidas as artes de nos dividir com
cantilenas sedutoras que nos afastem de um caminho seguro que é o da nossa
unidade em favor da democracia que é a nossa via única.
*Luiz
Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
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