quarta-feira, 20 de abril de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Ouvir os sinais de perigo

Intencionalmente a política brasileira está travada, e se faz de cega diante dos insistentes sinais de alarme que lhe chegam de todas as direções, que não só desconsidera como os desqualifica. A essa altura já se manifestam evidências de que boa parte das elites se sente confortável, e com sólidas razões, às políticas do governo Bolsonaro, que temem perder na próxima sucessão presidencial. A renitente invocação de uma assim chamada terceira via, miragem que cultivam para inglês ver, não passa de um estratagema com que ocultam suas preferências in pettore para a continuidade das políticas atuais, se possível revisadas pontualmente em suas piores expressões.

Na cena atual o diabo é mais feio do lhe pintam, ele não está aí há apenas três anos, mas nos acompanha de muito perto desde os anos 1930 quando emasculou nossas instituições políticas com a introdução da fórmula corporativa, e poucos anos depois nos trouxe a Carta 1937 de clara inspiração fascista. A legislação do Estado Novo sobreviveu parcialmente no regime na Carta de 1946, especialmente em matérias afetas ao mundo do trabalho. A lei de segurança nacional de 1953, instrumento de arbítrio do Estado, deu mais uma prova da sobrevida do regime de 1937. Entre nós, a cultura política do iliberalismo não é moda recente, ela vem de longe como uma das marcas da modernização autoritária brasileira.     

Basta lembrar que o movimento massivo que derrotou o regime militar nos idos dos anos oitenta e nos trouxe a Constituição de 1988 foi impotente para alterar as relações anacrônicas de propriedade no mundo agrário, quando uma fronda reacionária ameaçou se levantar em armas para defende-las e preservar os meios de controle do sindicalismo. Passados três anos de governo Bolsonaro, os obstáculos às mudanças democráticas ainda mais se fortaleceram não só pela remoção de sistemas proteção do trabalho e do meio ambiente como também pela expansão de interesses turvos até então represados como na mineração e no agronegócio.

Derrotar o governo que aí está, encouraçado como está por grossos interesses do sistema financeiro e do agronegócio e da malha de interesses novos, uma parte de índole mafiosa, que ele mesmo promoveu, não é missão à altura dos políticos liliputianos que rondam a esfera pública em busca de oportunidades ou de satisfação de egos inflados. É frase de Guimarães Rosa que sapo não pula por boniteza, mas por precisão, e assim por força das dramáticas ameaças que podem conduzir a uma legitimação eleitoral do fascismo entre nós que realizamos uma pirueta política. Como quase sempre, o recurso à imaginação deu em bom resultado, embora imprevisto, na aliança entre dois quadros provados nas últimas décadas em nossas competições eleitorais, a Lula e Alkmin.

Tal aliança vai na direção de uma correção de rumos tanto na política do PT, cuja prática apartou a questão social da democracia política, como nos quadros da social-democracia do PSDB que se alienou dos temas sociais, como se faz reconhecer na corajosa guinada operada por Alkmin amparada por muitos dos seus antigos correligionários no sentido de estabelecer os justos nexos entre essas duas dimensões. Os democratas de todos os matizes não podem desconhecer a grandeza do gesto desses dois veteranos da nossa política. Não é hora de remoermos antigas feridas, mas da procura do interesse comum que não pode prosperar sem a entrega de cada qual à missão libertadora de devolver à sociedade a capacidade de decidir democraticamente sobre seu destino.

Quem disser que é tarefa fácil estará mentindo, as forças contrárias são muitas e sabem se unir, e conhecem por lições sabidas as artes de nos dividir com cantilenas sedutoras que nos afastem de um caminho seguro que é o da nossa unidade em favor da democracia que é a nossa via única.

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio

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