O Globo / Folha de S. Paulo
A revelação, pela repórter Míriam Leitão,
das gravações pesquisadas pelo professor Carlos Fico nos arquivos do Superior
Tribunal Militar tirou do armário o esqueleto da tortura praticada nos porões
dos quartéis durante a ditadura. Engana-se o vice-presidente, Hamilton Mourão,
quando pergunta: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os
caras do túmulo de volta?”.
Mark Twain ensinou, há mais de um século:
“A História não se repete, mas rima”.
É pela rima que convém recuperar as falas
de dois ministros do STM. O general Rodrigo Octávio Jordão Ramos morreu em
1980, e o almirante Júlio de Sá Bierrenbach em 2015. Ambos foram oficiais
ativos dos períodos de anarquia militar do século passado. Rodrigo Octávio, ou
R.O., era um obsessivo defensor da presença do Exército na Amazônia. Defenderia
em sessões secretas e públicas a apuração das denúncias de tortura. Ambos
sabiam o que acontecia nos porões.
A partir de 1976, Bierrenbach e R.O.
tornaram-se paladinos do combate à “tigrada” que se apoderara do aparelho
repressivo da ditadura. O general deixou o STM em 1979, quando lhe foi negada a
vez para assumir sua presidência. O almirante fez o que pôde para apurar o
atentado do Riocentro, de 1981, em que morreu o sargento do DOI quando explodiu
a bomba que tinha no colo.
Para buscar a rima, é preciso voltar a 1976. Em janeiro, o presidente Ernesto Geisel havia demitido o general comandante da guarnição de São Paulo depois da morte do operário Manoel Fiel Filho numa cela do DOI. Fiel era o terceiro preso “suicidado” naquele DOI desde agosto de 1975. Punham-se bombas em bancas de jornais que vendiam semanários oposicionistas. Para desgosto da “tigrada”, desde fevereiro, R.O. defendia um caminho para o retorno à normalidade democrática. (O telefone de seu filho, tenente-coronel, estava grampeado.)
Três semanas antes da fala de Bierrenbach,
na noite de 22 de setembro de 1976, uma patrulha terrorista sequestrou o bispo
de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hipólito, pintou-o de vermelho e deixou-o numa
beira de estrada. Explodiram seu carro perto da sede da Conferência Nacional
dos Bispos e de lá seguiram para o Cosme Velho, onde puseram outra bomba na
casa do jornalista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo.
Ela explodiu embaixo da janela do quarto de
dormir. Marinho e sua mulher foram derrubados da cama. Ele convocou o detetive
particular Bechara Jalkh e, em três meses, o atentado foi esclarecido. (Um dos
terroristas havia sido repórter do GLOBO.)
Na patrulha estava pelo menos um oficial
oriundo do Centro de Informações do Exército e do Serviço Nacional de
Informações. Em 1968, ele participara de atentados a teatros e vinha redigindo
panfletos contra o governo. Num deles, insultou o general Newton Cruz, que morreu
há poucos dias. Tomou de volta um telefonema típico do temperamento de “Nini”,
como era conhecido o general.
Os ministros do STM reagiam também diante
do novo fenômeno. A “tigrada” da repressão política havia produzido uma milícia
terrorista. Todo mundo sabia de onde saíam as bombas, mas, assim como desde
1964 não se apurava quem torturava presos, não se apuraram os atentados.
Foi preciso que a bomba do DOI explodisse
cinco anos depois no colo do sargento para que o país se desse conta da ação
daqueles milicianos no estacionamento do Riocentro. A História não se repete,
mas rima.
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