O Globo
Enquanto os partidos do autodenominado
centro democrático entabulam uma gincana bizarra na tentativa de (não)
apresentar um candidato a presidente, Lula vai comendo pelas beiradas e se
prepara para anunciar nos próximos dias o que batizará de frente ampla para
enfrentar Jair Bolsonaro.
Nenhum dos termos, frente ampla ou terceira
via, é novo. Também não são inéditos os esforços para chegar a essas fórmulas
que vão muito bem em pranchetas como aquelas em que técnicos de futebol desenham
o esquema tático, mas dizem quase nada ao eleitor.
Desde a redemocratização, existiu na
História recente do Brasil uma frente de fato ampla, que encontrou ressonância
na sociedade. Foi aquela que uniu democratas de A a Z ao som de Fafá de Belém
pelas Diretas Já!, em 1984.
O Lula de 2022 não tem cacife para unir em
torno de si aquela amplitude de vozes, mas vai construindo aquilo que os
partidos que querem se contrapor à polarização entre ele e Bolsonaro nem de
perto arranham: falar para os políticos e para grandes parcelas da sociedade
que é preciso unir diferentes para combater Bolsonaro.
MDB, PSDB e União Brasil sabotam qualquer uma das suas possibilidades de candidatos. Sem rumo nem projeto, vemos Sergio Moro derreter a cada dia, como um personagem que perdeu o eixo, e João Doria ter de lembrar diariamente que venceu a prévia que seu partido e o derrotado, Eduardo Leite, trabalham para invalidar. Menos atrapalhada, a senadora Simone Tebet até tenta estruturar uma pré-campanha, mas já está em fase de cristianização pelo próprio partido.
O que move caciques do MDB e nomes como
Paulinho da Força e Gilberto Kassab para a órbita de Lula é menos um dever
cívico de combater o projeto de autocracia que Bolsonaro deixa cada dia mais
evidente — e mais a expectativa de poder.
A pregação pela frente ampla é o amálgama
capaz de unir no mesmo palanque Geraldo Alckmin e Guilherme Boulos, deixando
qualquer detalhamento de programa de governo que possa explicitar as
incompatibilidades entre eles para depois.
Essa zona cinzenta é hoje um dos problemas
postos para Lula com uma ala “esclarecida” do pensamento antipetista que está
renascendo. Trata-se de um grupo que ouve os piores absurdos da boca do
presidente, assiste a cavalos de pau fiscais todo dia e vê Bolsonaro fechar uma
estrada para dar grau de motoca, mas se escandaliza e se diz muito preocupado
diante da possibilidade de Lula rever a reforma trabalhista.
Essa, sim, é uma tremenda falsa simetria,
que o mercado e o empresariado cometem todo dia em suas análises de risco e de
cenários, feitas a peso de ouro por consultores em coletes de náilon.
O petista andou patinando na graxa e dando
combustível para esse pessoal com falas bastante descalibradas nas últimas
semanas, mas parece ter reaprumado a campanha ao dar ênfase à costura de apoios
políticos e ao desenho da tal frente ampla, aproveitando a fase “Terceira Via e
o Multiverso da Loucura”, em que um veste fantasia de Homem de Ferro, e outro
apaga um irreconhecível Aécio Neves de fotos nas redes sociais.
Bolsonaro sabe tão bem que desse mato de
outras vias dificilmente sairá um coelho que colocou os aliados para baterem
todo dia no PT e em Lula, com Ciro Nogueira à frente do coro, e, por seu turno,
está tratando de radicalizar seu eleitorado mais fiel à custa de muito
factoide, como a motociata ou a incitação direta das Forças Armadas a uma
sublevação contra o resultado das eleições, como fez nesta terça-feira.
Diante de tantas e tão graves ameaças, é
natural e lógico que o discurso da frente ampla antibolsonarista ganhe corpo.
Pode ser a maneira de Lula voltar a abrir a distância em relação ao presidente
e de antecipar o segundo turno para o primeiro.
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