Valor Econômico
Disputa interna atrasa formação de palanque
de Doria em Minas
Paulista, Franco Montoro costumava
agradecer à representação de Minas Gerais pela sugestão, apresentada nas
reuniões preparatórias para a formação do PSDB, de adoção do tucano como
símbolo do partido que seria criado em 1988.
O primeiro presidente da legenda elencava
três motivos para justificar a escolha: a cor amarela lembrava a campanha pelas
Diretas, a ave era símbolo do movimento ecológico e, por fim, o pássaro tinha
grande conexão com a própria imagem da nação. No decorrer dos anos, contudo,
nem sempre o PSDB foi um habitat onde tucanos paulistas e mineiros conseguiram
coexistir em completa harmonia.
Hoje não é diferente. O partido enfrenta grave crise e, dependendo do desfecho do atual processo público de autoflagelo, talvez seja necessário recalcular seu peso no jogo político. O PSDB tem poucas semanas para decidir se mantém um projeto próprio na disputa pelo Palácio do Planalto ou se aceita compor com partidos aliados, inclusive cedendo a cabeça de chapa.
A sigla coleciona desgastes. Na janela
partidária, por exemplo, entre adesões e desfiliações, a bancada na Câmara
diminuiu: começou a legislatura com 29 deputados e atualmente tem 23
integrantes exercendo o mandato. Ela precisa crescer para manter o partido
minimamente forte durante os próximos anos.
Mas talvez o episódio recente mais ruidoso
tenha sido a substituição da coordenação da pré-campanha de João Doria à
Presidência.
Em reação ao que considerava uma falta de
respaldo público à sua candidatura, o ex-governador de São Paulo retirou da
função o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, e colocou um aliado
próximo, Marco Vinholi. Não demorou para Araújo responder nas redes sociais com
uma mensagem cifrada: “Ufa! Comando que nunca fiz questão de exercer. Aliás,
ele sabe as circunstâncias em que e o porque ‘aceitei’ à época. Aliás, objetivo
cumprido!”
Segundo relatos, tratou-se de uma
referência à sua decisão de assumir a coordenação da pré-campanha tucana para
assegurar que Doria de fato renunciasse ao governo de São Paulo e deixasse o
cargo para o então vice, Rodrigo Garcia. Isso porque, na visão de integrantes
da cúpula da legenda, a eventual permanência de Doria à frente do Palácio dos
Bandeirantes fragilizaria a estratégia do PSDB de garantir a Garcia mais força
para tentar a reeleição.
Araújo assumiu a coordenação da campanha em
janeiro. Integrantes da cúpula tucana já vinham captando sinais de que Doria
poderia fazer um movimento às vésperas do prazo de desincompatibilização para
forçar a convergência das mais diversas alas do partido em torno da sua
candidatura, a qual, embora legitimamente conquistada nas prévias realizadas no
ano passado, nunca deixou de ser questionada pelos derrotados. Com seus
problemas tecnológicos, aliás, as próprias prévias foram um vexame.
Nos bastidores, a substituição de Araújo
ainda rende. “Demitiu o dono do cofre”, comentou uma fonte. “Será que ele pensa
em se financiar?”, provocou.
Diz esse interlocutor que o rompimento pode
facilitar o caminho daqueles no PSDB que querem compor com os demais partidos
dedicados a construir uma única chapa da terceira via. Ou então deixar mais
recursos do fundo eleitoral para os candidatos a deputado federal, estratégia
defendida por quem argumenta que a sobrevivência de qualquer partido depende do
fortalecimento da bancada na Câmara.
Para o grupo de Doria, porém, isso não
passa de bravata. Em primeiro lugar, porque a definição de como são utilizados
os recursos da sigla não é competência exclusiva do presidente. E acrescentam:
o tesoureiro, Cesar Gontijo, é aliado. Recentemente, ele divulgou nota
afirmando que o resultado das prévias é soberano.
Doria se fia em dois artigos do estatuto do
PSDB para se manter na disputa. Um deles estabelece que cabe à convenção
nacional do partido apenas proclamar o candidato a presidente, quando tiver
ocorrido eleição prévia. Em outro trecho, o documento é explícito ao dizer que
os candidatos vencedores em eleições prévias terão seus nomes homologados nas
convenções. Algo automático.
Aliados do paulista têm convicção que as
recentes pesquisas de intenção de voto, nas quais Doria fica abaixo dos 5%, não
refletem a situação em que o pré-candidato chegará à disputa. Reconhece-se que
a imagem pessoal dele se desgastou, apesar da avaliação positiva que sua
atuação na pandemia possa ter por causa da vacina e das entregas feitas durante
sua passagem pelo governo de São Paulo. Não é a primeira vez que tentam
prejudicá-lo em disputas internas, argumentam.
De fato, sua rejeição caiu quatro pontos
percentuais na última pesquisa Datafolha, para 30%, em relação ao levantamento
feito em dezembro. E é menor que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) - 37% e 55%, respectivamente.
Em seu entorno, acredita-se que a rejeição
de Doria é mais fácil de ser reduzida do que a dos adversários. Isso se daria
combatendo a imagem de que é “marqueteiro”, enquanto Lula teria que responder a
questionamentos sobre corrupção e Bolsonaro lidar com acusações de que é
negacionista.
Aposta-se, também, que no fim das contas o
eleitor buscará alguém que tenha capacidade de resolver os problemas do país.
Não um “salvador da pátria”.
Mas isso não tem impedido a intensa
movimentação do ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, que foi
derrotado nas prévias. Ladeado pelo deputado Aécio Neves, principal referência
do partido em Minas Gerais, Leite mantém o diálogo com lideranças de outros
partidos e a esperança de recolocar-se na disputa.
Não há sinal de armistício. É possível dizer, contudo, que toda essa situação já impõe uma dificuldade relevante a Doria: formar um palanque forte em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do Brasil. Sua vida também não anda fácil no Rio Grande do Sul, outro Estado estratégico.
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