quarta-feira, 20 de abril de 2022

Vinicius Torres Freire: O Brasil na rabeira do mundo

Folha de S. Paulo

País continua andando devagar mesmo para os padrões menos que medíocres da vizinhança

As maiores economias do mundo vão crescer menos em 2022 do que o FMI previa antes da guerra. O Brasil é uma das pouquíssimas que se salvaram da revisão para baixo das estimativas do Fundo Monetário Internacional. Em vez de crescer 0,3% neste ano, cresceria 0,8%.

Quanto América Latina e Caribe vão crescer, na estimava do Fundo? O triplo do crescimento brasileiro: 2,5%. No caso de 2023, chute ainda mais arriscado, o Brasil cresceria 1,4% e América Latina & Caribe de novo 2,5% (o que inclui o crescimento brasileiro, claro, empurrando a média regional para baixo).

Previsões de crescimento costumam estar bem erradas. As do FMI (e as do Banco Mundial e as da OCDE) foram horrivelmente erradas assim que começou a epidemia, em particular para o Brasil. Mas, além dos números, a historinha contada pelo Fundo tem algum interesse, embora não seja também lá novidade.

O argumento de base para revisão "para cima" no caso brasileiro é que o país poderia se beneficiar da alta do preço de commodities (petróleo, grãos, minérios), essas mesmas carestias que empurram a inflação para cima e desgraçam o poder de compra dos salários.

Além do mais, o Brasil não está no grupo dos países emergentes que padeceram de fuga de capitais por causa da crise da guerra. Na verdade, o vaivém de dinheiro melhorou no Brasil desde o início deste ano (depois de anos muito ruins, diga-se de passagem).

E daí?

Daí que, mesmo beneficiado pela sorte equívoca e duvidosa de faturar inadvertidamente uns trocados com a guerra, o Brasil continua andando devagar mesmo para os padrões menos que medíocres da vizinhança. Tem sido assim desde o começo da década de 2010. Nas contas dos economistas do Fundo, ainda seria o caso de 2019 a 2023.

Tomando como base o ano de 2019, o último antes da epidemia, e levando as estimativas até 2023, o Brasil cresceria 2,4% no quadriênio. América Latina & Caribe, 4,4% (mesmo incluindo o peso morto brasileiro. Sem o Brasil, vai crescer bem mais).

Nas economias avançadas, o crescimento seria de 6,3% nesse quadriênio (trata-se de Estados Unidos, Canadá, Japão, União Europeia do euro, Reino Unido e uns ricos menores). Na média ponderada do mundo, o crescimento acumulado a partir de 2019 até 2023 seria de 10,3%.

Sim, nesse pacote mundial tem o peso da China, da Índia e países do leste da Ásia. Mas por que estamos arrumando desculpas, por assim dizer? Sim, desculpas: dizer que a China é um caso excepcional. Ou dizer que a Índia é um caso diferente e compreensível de país de muito pobre que tem sucesso em sair da renda baixa (como o Brasil já o fez), como é também o caso de certos países da África.

Mas o que está acontecendo mesmo com os países do Oriente Médio e na Ásia Central? Vão crescer 11,3% no quadriênio 2020-2023. Ah, sim, lá estão os países petrolíferos, como a Arábia Saudita, mas não apenas. Mas, sim, somos uma aberração, não importa muito para onde se olhe. O crescimento da economia da África Subsaariana nesse período seria de 10,9%, segundo os chutes mais ou menos informados do FMI.

Não é novidade, o Brasil tem sido uma aberração desde 2014. Mesmo o crescimento da economia depois de 2010 e antes da Grande Recessão caía pelas tabelas, na comparação com a vizinhança sul-americana.

Mais incrível é que o assunto praticamente desapareceu da conversa, como se o nosso destino manifesto fosse afundar no esquecimento e como se agora estivéssemos limitados apenas a manter "as instituições funcionando" a fim de que muitos de nós não tenhamos de ir para o exílio.

 

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