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Bomba fiscal não tardará a explodir
O Globo
É preocupante, desesperadora até, a bomba fiscal que vem sendo gestada em Brasília. Na tentativa de aumentar suas chances nas eleições de outubro, o presidente Jair Bolsonaro passou a conceder benesses que deteriorarão ainda mais um Orçamento onde já não existe espaço para nada e aumentarão o risco de déficits crescentes nas contas públicas.
As principais — não as únicas — são o corte
de impostos de olho em eleitorados estratégicos e o aumento salarial
irresponsável ao funcionalismo. Mesmo medidas sensatas, como a correção da
tabela do Imposto de Renda (IR), terão impacto negativo. Pensado sem nenhum
juízo, o leilão de regalos aumentará o endividamento público e acabará
estourando no colo de toda a sociedade nos próximos anos.
Medir o tamanho da bomba fiscal é um desafio. Basta ver o que aconteceu no Orçamento deste ano, cujas despesas já vieram infladas pelo estouro do teto de gastos. O economista Marcos Mendes, do Insper, analisou o aumento de despesas não incluídas e chegou a um valor aproximado de R$ 25 bilhões, quantia que ainda poderá crescer se prosperarem projetos com menor probabilidade de aprovação. Se acrescentado o reajuste linear de 5% ao funcionalismo no final do semestre, o rombo subiria a R$ 31 bilhões.
Para o ano que vem, se desenham novos desvarios.
Obedecendo ao prazo legal, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias (PLDO) com suas metas e prioridades. Só que o valor
turbinado do Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família, só
tem provisão para este ano. Se pretender manter a mesma quantia em 2023, o
governo precisará garantir a verba (neste ano foram R$ 57 bilhões além do
teto). No feriado da Páscoa, Bolsonaro afirmou que debatera com o ministro da
Economia, Paulo Guedes, a elevação da faixa de isenção do IR para R$ 3 mil.
Levada adiante, a medida traria queda de receita. Como fechar as contas
públicas gastando mais e arrecadando menos?
Ninguém sabe onde a demagogia pode parar.
Pela estimativa do Ministério da Economia, a dívida bruta terminará 2023 em
79,6% do PIB, 2024 e 2025 em 80,3%. Mas isso depende da arrecadação beneficiada
pela alta das commodities. Da última vez em que houve aumento explosivo nos
gastos e se confiou no cenário externo — governo Dilma —, a história não acabou
bem.
Mesmo assim, o governo jura que está em
curso um “crescimento estrutural” da arrecadação devido ao aumento da atividade
econômica. Essa avaliação é um erro, pois estamos diante de fatores
conjunturais: o avanço mais forte do PIB resultou da recuperação da recessão
causada pela pandemia; a inflação alta turbinou temporariamente a arrecadação;
e a alta das commodities foi alavancada pela guerra na Europa.
Reduzir impostos, dar reajustes salariais e
corrigir a tabela do IR são medidas desejáveis. O inaceitável é adotá-las sem
ter lastro, de forma irresponsável. Não existe mágica. Dinheiro não brota em
árvore. A conta de tudo isso pode demorar a chegar, mas não tarda. Pior:
perpetua o terrível padrão de voo de galinha da economia brasileira.
Quanto maior o buraco fiscal, mais alta a
dívida, mais juros paga o governo, menor a quantidade de dinheiro disponível
para investimentos e piores as chances de crescimento. Em vez de quebrar esse
ciclo vicioso por meio da austeridade orçamentária, o governo insiste em
repetir erros do passado.
TCU precisa liberar com urgência processo
de privatização da Eletrobras
O Globo
Está na pauta de hoje do Tribunal de Contas
da União (TCU) a privatização da Eletrobras. Depende da decisão da Corte a
possibilidade de realizar ainda neste ano o aumento de capital e leilão do
controle da estatal, peça essencial no programa de desestatização com que Jair
Bolsonaro se elegeu presidente. Os opositores da privatização confiam num
pedido de vista do ministro Vital do Rêgo para adiar ainda mais a venda.
É uma lástima que uma questão que já
deveria ter sido resolvida há anos e foi objeto de inúmeras confusões ainda
esteja estacionada nos escaninhos de Brasília, onde continua sujeita a todo
tipo de lobby e interferência política. São conhecidos os interesses contrários
à venda da estatal, de corporações encasteladas na máquina pública a grupos de interesse
que sairiam prejudicados. Num tema sofisticado como a política de energia, eles
costumam se esconder atrás de minúcias técnicas e detalhes processuais para
tentar melar o negócio.
No final do ano passado, Rêgo já havia
feito ressalvas à venda depois de ter identificado falhas que, segundo ele,
resultariam numa subavaliação do valor que o governo poderia arrecadar no
leilão. De lá para cá, já houve tempo mais que suficiente para corrigir esse e
todos os demais problemas que pudessem ter sido encontrados no modelo de venda
da estatal.
É verdade que o caminho escolhido para
privatizar a empresa não foi o melhor. Em vez de incluí-la na lista das
estatais a vender, o governo preferiu baixar em julho uma Medida Provisória
para isso. Forçado a tomar uma decisão a respeito, o Congresso adotou uma
solução ruim, cheia de penduricalhos para atender a interesses políticos, como
a obrigação de instalar termelétricas afastadas de grandes centros de consumo,
sem nenhum critério técnico.
O presidente Jair Bolsonaro vetou algumas
das aberrações aprovadas no Legislativo, e o Congresso não examinou ainda os
vetos. Com todos os defeitos que ainda tem, o modelo de privatização adotado
foi aquele legitimamente decidido pelas instituições democráticas brasileiras.
É fundamental, por isso, que a privatização siga adiante.
O TCU já teve tempo suficiente para analisar todos os detalhes. Pelos cálculos do Ministério da Economia e do BNDES, o tribunal deveria liberar a venda até a semana que vem para que seja viável realizar a privatização ainda neste ano. Mesmo que Rêgo peça vista, deveria devolver o processo o mais rápido possível. No leilão da telefonia celular de quinta geração (5G), o TCU tomou uma decisão que obrigou a devolução em uma semana no caso de um pedido de vista. Se estiver claro que a motivação do pedido de vista é meramente protelatória, com o objetivo de melar a venda até o próximo governo, a Corte deveria tomar decisão idêntica. O Brasil não tem mais tempo a perder.
Hora do veredito
Folha de S. Paulo
Julgamento de Silveira põe liberdade de
expressão e defesa da democracia em jogo
Nem a proximidade de seu julgamento
pelo Supremo Tribunal Federal, marcado para esta quarta (20), parece ter
abatido o ânimo do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).
Nas últimas semanas, o parlamentar voltou a
criticar os ministros da corte e chegou a se entrincheirar em seu gabinete na
Câmara para desafiar uma ordem do relator do caso, Alexandre de Moraes.
A petulância se revelou inútil, porque em
poucas horas Silveira teve de vestir a tornozeleira eletrônica para evitar
penalidades financeiras impostas pelo magistrado em resposta à sua
desobediência.
Ainda assim, o deputado mostrou que está
disposto a aproveitar a exposição garantida pelo processo judicial para
insuflar seus aliados radicais. O mais notório deles é Jair Bolsonaro (PL), que
não cansa de sair em sua defesa.
Silveira está no banco dos réus por causa
de um vídeo infame divulgado há um ano na internet, em que defendeu o arbítrio
da ditadura militar, ofendeu os ministros do STF e fez ameaças veladas.
Numa passagem abjeta, mencionou a
possibilidade de o ministro Edson Fachin ser espancado na rua, medindo as
palavras para não ser acusado de sugerir o atentado.
A Procuradoria-Geral da República o acusou
de incitar a animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições, coagir
os integrantes do Supremo e tentar impedir o funcionamento do Judiciário.
O deputado ficou preso em caráter
preventivo durante sete meses e depois foi alvo de medidas drásticas, como a
proibição de conceder entrevistas sem autorização do STF —uma determinação que
ignorou por diversas vezes.
Silveira admitiu ter cometido excessos no
vídeo do ano passado e chegou a pedir desculpas logo após a prisão, mas diz que
não pode ser condenado por criticar o tribunal e nunca demonstrou qualquer tipo
de arrependimento.
Certamente contribuiu para isso a omissão
da Câmara, que premiou o baderneiro ao permitir que o processo aberto para
cassar seu mandato se arrastasse sem uma conclusão. Na condição de homem
público, o deputado sem dúvida desrespeitou o decoro parlamentar.
Caberá agora ao Supremo Tribunal julgar os
crimes de que o congressista é acusado e definir a punição que merecem. Se não
há dúvida de que seu comportamento exige resposta firme, não é simples a
decisão a tomar.
Será necessário definir de maneira
convincente os limites que separam o exercício da liberdade de expressão e a
prática de crimes como os imputados a Silveira.
A diversidade de opiniões é essencial para
qualquer democracia, e os ministros do STF não estão imunes a críticas. Isso
não significa que a Constituição possa servir de escudo para os que querem
ameaçar as instituições.
Farsa populista
Folha de S. Paulo
Presidente do México ataca órgão eleitoral,
como Bolsonaro faz à sua maneira
À primeira vista, os mais de 90% de votos
conquistados pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, no
referendo que decidiu sobre a continuidade de seu governo, poderiam parecer uma
inequívoca e impressionante demonstração de força do mandatário, no poder desde
2018.
Inserida na Constituição mexicana em 2019 e
realizada agora pela primeira vez, tal consulta popular constava das promessas
de AMLO, acrônimo pelo qual o presidente esquerdista é conhecido.
Basta uma segunda olhadela, porém, para que
o êxito seja matizado e as coisas ganhem sua real dimensão. Com
participação pífia de cerca de 18% do eleitorado, o comparecimento ficou
bastante longe do mínimo de 40% para que a votação fosse considerada válida.
Trata-se de resultado que não chega a
surpreender. Boicotado pela oposição e visto como desnecessário pela maioria
dos mexicanos, o referendo se converteu num exercício vazio de autopromoção
presidencial, voltado à militância de seu partido, o Morena.
O expediente, conduzido de modo populista,
não é novo, e tem sido usado pelo líder mexicano nas mais diversas ocasiões,
como para fortalecer suas decisões ou contestar derrotas no Congresso. Com
resultados favoráveis a AMLO e presença baixíssima, as votações acabam servindo
apenas para criar a imagem de um governante que ouve o povo e é guiado por ele.
Se se limitasse a isso, Obrador talvez
pudesse ser considerado só mais um nome na longa história de líderes pitorescos
do continente. Mas o mexicano parece ter outros —e mais perigosos— planos.
Com o fracassado referendo, AMLO deu novo
fôlego à sua campanha para desacreditar o Instituto Nacional Eleitoral, o órgão
incumbido de organizar as votações do país e zelar por sua lisura.
O presidente culpou o instituto pela baixa
participação popular, acusando-o de, em conluio com a oposição, ter reduzido a
divulgação do pleito. Como se não bastasse, promete reforma eleitoral e mudança
da composição do órgão.
Ataques dessa natureza fazem parte da estratégia do neoautoritarismo em voga em algumas partes do mundo, na qual os candidatos a caudilho buscam carcomer a democracia por dentro, espalhando suspeitas sobre instituições independentes. É o que faz, à sua maneira, Jair Bolsonaro (PL) no Brasil.
Armadilha fiscal como herança
O Estado de S. Paulo
A continuar na atual toada, Bolsonaro vai deixar para o próximo governo despesas sem receita suficiente e vantagens tributárias permanentes baseadas em fatores temporários
A avidez com que o presidente Jair
Bolsonaro busca apoio e votos para reeleger-se custará caro para quem ocupar a
Presidência da República a partir de 1.º de janeiro de 2023 – mesmo que seja
ele mesmo, embora as pesquisas indiquem que, no momento, essa não é a hipótese
mais provável. De vantagens tributárias para setores econômicos e segmentos
sociais que Bolsonaro considera parte de sua base política a promessas de
benefícios para grupos mais amplos, vai se formando um conjunto de bondades que
imporão aumento de gastos ou quebra de arrecadação. Uma armadilha fiscal está
sendo sistematicamente montada pelo governo com objetivos puramente eleitorais.
Se não desmontada a tempo pelo próximo presidente, tornará muito mais difícil a
superação dos problemas que o País enfrenta, e que poderão piorar. O legado de
devastação que este governo deixará e tem sido descrito nesta página é formado
também por promessas populistas que agravarão os problemas financeiros do setor
público.
O aumento de 5% para todos os servidores
federais é um exemplo perfeito da armadilha montada pelo governo e retrata com
perfeição o modo de agir de Bolsonaro quando se trata de conquistar apoio
eleitoral – que tem sido seu único objetivo desde que tomou posse. O problema
começou com a promessa de aumento restrito a carreiras ligadas à segurança,
área de particular interesse do presidente. Para isso, foi reservada verba de
R$ 1,7 bilhão no Orçamento de 2022.
Como era previsível, outras categorias do
funcionalismo, especialmente as mais organizadas e mais bem remuneradas,
protestaram e passaram a exigir aumentos. Temendo a ampliação de paralisações
ou operações-padrão que já prejudicavam a liberação de cargas nos portos e
aeroportos, impediam a divulgação de relatórios econômico-financeiros e podiam
comprometer o atendimento nos postos do INSS, o governo anunciou o aumento
linear de 5% para todos os funcionários.
As diferentes categorias reagiram ao
anúncio, por considerarem a correção insuficiente diante da inflação de mais de
10% ao ano. As que já estavam mobilizadas disseram que continuarão a exigir
reajustes maiores. E as que seriam beneficiadas pelo aumento anunciado
inicialmente por Bolsonaro – policiais federais, policiais rodoviários federais
e agentes penitenciários federais – também reclamaram, porque o novo reajuste é
muito menor do que estavam esperando.
Há risco de que, diante da resistência dos
servidores, o índice de correção seja alterado ou benefícios específicos sejam
concedidos para algumas carreiras. Do ponto de vista orçamentário, não há
recursos suficientes nem para pagar o aumento de 5% que já vem gerando protesto
em todo o serviço público. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
para 2023 reservou R$ 11,7 bilhões para o aumento do funcionalismo. Nas contas
do secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia,
Esteves Colnago, o reajuste linear anunciado implica gastos adicionais de R$
12,6 bilhões no ano que vem. Só aí já faltam R$ 900 milhões.
O pagamento dos precatórios agendado para
2023 também não está adequadamente programado, o que poderá resultar em
despesas adicionais na casa dos bilhões de reais. No ano passado, numa lambança
legal e fiscal sintetizada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos
Precatórios, o governo Bolsonaro destruiu o teto de gastos ao abrir,
malandramente, espaço para gastos acima do limite máximo inscrito na
Constituição. “O teto de gastos é apenas um símbolo, uma bandeira de
austeridade”, disse na ocasião o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Isenções ou reduções expressivas de
alíquotas de tributos, como o IPI, e a prometida elevação do limite de isenção
do Imposto de Renda da Pessoa Física tendem a ser medidas permanentes, mas sua
justificativa, o aumento da arrecadação, tem efeito momentâneo.
“Existe a necessidade de ajuste fiscal”,
reconhece o secretário de Tesouro e Orçamento. Parece voz isolada num governo
que demonstrou total irresponsabilidade na área fiscal.
Insinuação inaceitável
O Estado de S. Paulo
Ao sugerir que o TCU poderia ‘melar’ a venda da Eletrobras a pedido de Lula, o ministro Paulo Guedes demonstra, além de desrespeito pelas instituições, desespero
Declarações desastradas e inabilidade
política não são novidades na trajetória do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O antigo “posto Ipiranga”, como ficou conhecido na campanha eleitoral de 2018 −
por supostamente ter as respostas e soluções para todo tipo de problema −,
mostrou-se incapaz de cumprir o que prometia. Pior: nos últimos três anos,
Guedes não perdeu o hábito de falar palavras ao vento, mesmo sob o risco de
indesejáveis consequências para o País.
Foi assim na semana passada. Em discurso de
improviso no Palácio do Planalto, o ministro da Economia insinuou que o
Tribunal de Contas da União (TCU) estaria atuando politicamente contra a
privatização da Eletrobras. Fez isso a pretexto de criticar o candidato
presidencial Lula da Silva, que, segundo Guedes insinuou, teria telefonado para
ministros do TCU a fim de pressioná-los contra a desestatização.
Ora, por mais que tenha acertado ao
criticar Lula e a equivocada visão petista contrária às privatizações, o
ministro demonstrou profunda incompreensão sobre o papel das instituições e
sobre o alcance de suas declarações. Sem dúvida, um grave erro. Restou evidente
que a verdadeira preocupação de Guedes dizia respeito ao resultado do
julgamento em que o TCU analisará a segunda etapa de privatização da Eletrobras
− a sessão está marcada para esta quarta-feira.
Inepto em sua prometida agenda de
desestatização, o governo Bolsonaro tem pressa e planeja realizar a venda de
ações da estatal elétrica nas próximas semanas. Nesse cenário, o receio é que
um pedido de vista, no julgamento do TCU, inviabilize o cronograma. Ainda mais
depois que o assunto virou tema de campanha eleitoral, com lideranças petistas
sinalizando a intenção de reverter a privatização, caso Lula volte ao
Planalto.
Guedes, no seu melhor estilo, esbravejou:
“Em vez de fazer o seu programa, enfrentar o nosso presidente nas urnas, esse
candidato fica ligando para ministro do TCU, pressionando, tentando paralisar
uma pauta”, disse ele, acrescentando que a desestatização da Eletrobras foi
aprovada pelo Congresso e é “solução construída com o TCU ao longo de dois anos
e meio”. Em linguajar que soaria melhor, talvez, na mesa de um bar, o ministro
arrematou: “Como é que pode querer melar uma desestatização?”.
O fato é que o ministro da Economia,
voluntária ou involuntariamente, fez o que não devia: lançou dúvidas sobre a
lisura da principal Corte de contas do País. Como se decisões do TCU, amparadas
em robustas análises de seu corpo técnico, fossem proferidas ao sabor de
simpatias político-partidárias ou de escusos interesses eleitorais.
O TCU é órgão consultivo do Poder Legislativo.
Fiscaliza o uso de recursos do Orçamento da União, sendo responsável por
investigações e decisões que se mostraram fundamentais para o combate à
corrupção. Não surpreende, portanto, que as declarações de Guedes tenham
provocado indignação em integrantes da Corte, como revelou o Estadão. “Isso é uma completa
falta de respeito com o tribunal. Peço que a presidência avalie se não é o caso
de emitir uma nota contra essa declaração que pretende pressionar a corte”,
escreveu o ministro Bruno Dantas, no grupo de WhatsApp dos ministros do TCU.
Infelizmente, as falas de Guedes não são um
fato isolado, mas, ao contrário, refletem o padrão do governo Bolsonaro. É
notório que o mau exemplo vem de cima, isto é, de um presidente da República
que se notabiliza por desrespeitar as instituições – notadamente toda e
qualquer instituição que não hesite em pôr os interesses do País acima dos
impulsos e devaneios autoritários do titular do Palácio do Planalto. Que o
digam o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
cujos integrantes já foram alvo de reiterados ataques, sob a indevida acusação
de sabotar o governo e, agora, a candidatura de Bolsonaro.
Além de desrespeito às instituições, o
ataque de Guedes ao TCU revela o desespero do governo Bolsonaro de encontrar
desculpas para sua incrível incapacidade de cumprir as tonitruantes promessas
de privatização.
Um interminável fim de feira
O Estado de S. Paulo
O MEC de Bolsonaro chega ao seu quinto ministro, que tem, como os outros, total inexperiência em políticas educacionais
A nomeação do quinto ministro da Educação
em pouco mais de três anos e três meses de governo é a prova consumada de que
as ideias do presidente Jair Bolsonaro para a educação oscilam entre a
instrumentalização e o descaso.
O mandato-tampão do auditor fiscal Victor
Godoy é meramente reativo: trata-se de uma tentativa de abafar as evidências de
corrupção e improbidade na administração do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE). Em comum com antecessores tão heterogêneos – o inoperante
Ricardo Vélez Rodríguez, o histriônico Abraham Weintraub, o suspeito de fraudar
o currículo acadêmico Carlos Decotelli ou o pastor Milton Ribeiro – está a
inexperiência em políticas educacionais.
A vacuidade do projeto bolsonarista era já
evidente na campanha eleitoral de 2018. No programa de governo havia alusões
vagas à prioridade da educação básica. Mas a alavanca nos palanques foi o
combate à “doutrinação esquerdista”.
O que se viu, notoriamente com Weintraub,
foi uma doutrinação com sinal invertido. Da prioridade à educação básica
restaram só farrapos. Em 2021, logo após emplacar seus candidatos à presidência
da Câmara e do Senado, o governo apresentou uma lista com mais de 30
prioridades ao Congresso: a única relativa à educação era a regulamentação do
ensino domiciliar, ou seja, em termos de políticas públicas, uma
antiprioridade. E isso quando o Brasil já tinha sido atingido em cheio pela
maior ruptura educacional da história com a pandemia.
Replicando um exemplo infame dos
Evangelhos, Milton Ribeiro lavou as mãos. O desafio de garantir um mínimo de
continuidade no ensino a distância foi abandonado aos governos regionais. Na
surdina, pastores pediam propina para privilegiar municípios na distribuição de
verbas e a clientela do Centrão fazia demagogia com recursos do FNDE.
Essa mescla de omissão e instrumentalização
é tanto mais escandalosa na medida em que a Federação tem boas experiências de
políticas eficazes na melhoria da gestão e do conteúdo escolar, como, por
exemplo, a rede pública do Ceará. O Ministério da Educação (MEC) não precisaria
reinventar a roda, só separar o joio do trigo e incentivar a reprodução dessas
políticas nas demais unidades da Federação – tarefa que foi facilitada desde
que o Congresso aprovou recursos substanciosos para a educação básica, com o
Novo Fundeb.
O MEC, contudo, expõe, talvez com mais
crueza que qualquer outro Ministério – e com mais crueldade para com os seus
destinatários diretos, os educadores e educandos brasileiros –, a fórmula do
populismo bolsonarista: indigência administrativa mal disfarçada pelo
sensacionalismo reacionário na mídia e sustentada pelo fisiologismo no
Congresso. O MEC de Bolsonaro foi, a um tempo, trincheira avançada de
guerrilhas culturais e reservatório de recursos para aliados políticos, tudo
menos o núcleo de coordenação de uma política nacional de educação, que nunca
existiu, nem sequer no papel. Um pão e circo da pior qualidade, que só alimenta
os seletos amigos do rei e só anima suas milícias ideológicas. Um interminável
fim de feira.
FMI vê desaceleração global, sem recessão
Valor Econômico
Economia mundial crescerá menos, com mais
inflação
A invasão da Ucrânia pela Rússia “piorou
significativamente” as perspectivas da economia mundial, que crescerá menos,
com mais inflação, prevê o Fundo Monetário Internacional. Em seu Perspectiva
Econômica Mundial, o FMI estima que o crescimento global declinará para 3,6%
este ano, uma queda quase à metade da expansão observada em 2021, de 6,1%. A
desaceleração deste ano será mais forte na Europa, palco da guerra, por sua
dependência de suprimentos de energia da Rússia, e também na segunda maior
economia, a China, para a qual a projeção de 4,4% de crescimento é também muito
inferior aos 8,1% do ano passado.
A guerra na Ucrânia traz choques potentes e
persistentes sobre a economia global, mal recuperada dos efeitos da pandemia,
além de colocar em xeque toda o arranjo geopolítico e econômico do pós-guerra.
O FMI avalia que “com poucas exceções, o emprego e o crescimento permanecerão
abaixo da tendência pré-pandemia até 2026”.
Novos choques de oferta se acrescentaram
aos trazidos pela pandemia. Os preços das commodities dispararam, reforçando
pressões inflacionárias não vistas na Europa e EUA nos últimos 40 anos. As
cadeias de produção sofreram outro baque, com, por exemplo, a interrupção de fornecimento
de gás néon da Ucrânia, insumo para a fabricação de chips, cuja oferta já havia
sido golpeada antes pelos desarranjos da covid-19.
Para piorar, a China enfrenta agora a
pandemia em uma escala que não enfrentara desde seu aparecimento, com quarentenas
em Xangai e Shenzen, de onde partem mais de 40% das exportações chinesas. Os
preços dos fretes, que haviam disparado, estão novamente em alta, acrescentando
mais um elemento perturbador na desestabilizadora alta de preços conjunta de
commodities agrícolas (trigo em primeiro lugar) e petróleo.
O FMI reconhece que há mais riscos que
certezas no ambiente atual e que o cenário futuro poderá sofrer deterioração.
Os principais fatores que contribuiriam para isso seriam um recrudescimento da
guerra na Ucrânia, um aumento das tensões sociais pelo encarecimento de
alimentos básicos em vasta parte do mundo pobre, um ressurgimento da pandemia,
uma desaceleração mais acentuada da China. Não menos importante, uma elevação
muito forte dos juros, para conter a inflação, poderá criar sério estresse para
os países endividados.
No curto prazo, a guerra, para o FMI,
exacerbou as dificuldades das escolhas de política econômica. Atacar a
inflação, preservando a recuperação é uma delas. Reconstruir a âncora fiscal,
após aumento grande dos déficits para enfrentar a pandemia, garantindo apoio às
populações vulneráveis aos atuais choques é outra. Para o Fundo, os bancos
centrais terão de ser mais agressivos com os juros se as expectativas de
inflação de médio e longo prazo começarem a se afastar das metas, ou se o
núcleo de inflação continuar persistentemente alto, algo que ainda não ocorreu,
ao menos nos países desenvolvidos.
Se as projeções de inflação do FMI
estiverem certas, o Banco Central do Brasil não atingirá a meta de 2022, o que
é certo, nem a de 2023 - estima 8,2% e 5,1%, respectivamente. A alta das
commodities melhorou a perspectiva de crescimento para 0,8% este ano, mas os
juros reduziram a de 2023 para 1,4%.
O FMI praticamente descartou uma recaída na
recessão nos principais países desenvolvidos, um temor de investidores
preocupados com a dosagem do aumento do juros em gestação pelos BCs. O Fundo
nota com preocupação a magnitude que o juro real possa chegar, com os juros
neutros desde a grande crise de 2008 pouco acima de 0%. Para se chegar a eles,
teriam de subir muito. Por exemplo, a inflação americana está prevista em 7,7%
este ano e 2,9% em 2023, ambas distantes da meta de 2% do Federal Reserve.
Em um cenário alternativo, em que as
sanções à Rússia envolvessem boicote às compras de petróleo, a inflação seria
ainda maior, assim como a reação de política monetária a ela, retirando 3
pontos do cenário base em 2023. O crescimento da zona do euro seria negativo e
o mundial, de 0,6%. “Justo quando uma recuperação durável do colapso da
pandemia estava à vista a guerra criou a perspectiva muito real de que grande
parte dos ganhos recentes será eliminada”.
São as questões geopolíticas que trazem
mais riscos inquietantes. “A guerra representa o maior desafio a uma estrutura
baseada em regras que governou as relações econômicas e internacionais nos
últimos 70 anos”, avalia o FMI.
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